Nada é mais importante no sistema bancário do que a confiança das pessoas.
Quando ela se perde ou está em risco, tudo se desestabiliza e o pior pode acontecer.
Era isso a que Portugal estava assistir nos últimos dois meses.
A crise no Grupo Espírito Santo estava a contaminar o sistema financeiro e bancário português, e cada dia que passava as coisas ficavam piores.
A bolsa caía, os outros bancos começavam a ser arrastados para a lama, e o receio estava instalar-se.
Qualquer pessoa que conheça as histórias de crises financeiras, por todo o mundo, sentia que Portugal estava já num sarilho.
Havia que actuar, e depressa, para evitar a derrocada de um país que ainda está frágil.
Infelizmente, Governo e Banco de Portugal andaram sempre a correr atrás do prejuízo.
Só na semana passada aceitaram aquilo que era evidente, que o BES estava perdido, e que o sistema estava minado.
Finalmente, o supervisor acordou, e o Estado chegou-se à frente para parar o sarilho do BES.
Depois de meses e meses de erros e trapalhadas, declarações tontas e descobertas terríveis, fez-se o que estava escrito nas estrelas há muito: uma intervenção pública no BES.
Só pecou por tardia, pois pelo caminho muito valor se destruiu, e muita instabilidade desnecessária se gerou.
A solução "banco bom/banco mau" é inteligente, e pode salvar muita coisa.
Proteje bem os depositantes, as empresas-clientes, os trabalhadores do BES.
Tambem protege os obrigacionistas, e quem tem fundos geridos pelo banco, desde que sem ligações aos outros negócios contaminados.
Isso é bom, pois nenhum desses grupos de pessoas foi responsável pela desgraça que derreteu o banco.
Quanto aos accionistas, a solução penaliza-os muito, embora talvez em excesso no caso de serem pequenos.
Percebe-se que se quis castigar e punir os grandes, sejam do Grupo Espírito Santo, franceses, brasileiros ou portugueses.
Todos perdem fortunas colossais.
Mas, e os pequenos accionistas, que não tiveram responsabilidades na gestão?
Também perdem, e sem culpa, mas esse é o risco de quem compra acções, e elas já valiam muito pouco na sexta-feira.
Quem não vendeu, perde tudo, e pode recuperar muito pouco no futuro.
Para já, evitou-se uma crise gravíssima, e evitou-se o descalabro na economia.
Foi o Estado que o fez, pois mais ninguém o podia fazer.
É para isso que existe o Estado, e é por isso que é importante a sua presença.
A economia privada, só por si, não chega.
Quando a crise é sistémica, o Estado tem de intervir, por muito que isso custe aos liberais e aos críticos.
Mas, não devemos esquecer o que se passou, nem os erros que foram cometidos pelo Banco de Portugal nesta crise.
Só apontar o dedo aos "fraudulentos" não é suficiente.
É evidente que devem ser feitas investigações, acusações, e julgamentos em tribunal.
É assim com todos os crimes, e se existiram crimes têm de ser julgados os seus responsáveis.
Só que isso não absolve o supervisor das suas falhas.
É absurdo que se tenha andado a aplicar uma estratégia desde Setembro de 2013, tentando "isolar" o BES dos problemas do Ges, para agora descobrir que isso foi impossível.
Quanta inocência...
É absurdo que se tenha aprovado um aumento de capital em Junho, ainda liderado pela anterior administração, sabendo já que essa mesma administração iria ser destituída.
Que desplante...
É absurdo que se tenha destituído uma administração e se tenha demorado semanas a nomear uma nova.
Que loucura...
O vazio de poder que o Estado criou no BES que abriu a caixa de Pandora, e tudo se descontrolou.
Em conclusão, foram meses de erros do supervisor, que ajudaram ao caos sem o parar.
Que se consiga agora salvar a situação, é bom e deve ser aplaudido.
Porém, a gestão desta crise foi um desastre até à salvação final, e Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, sai deste imbróglio com muito menos força do que no passado.
O regulador não pode ser um avozinho simpático que repreende os netos, e que depois se surpreende que eles sejam muito mal comportados.