Sexta-feira, 28.09.12

Regressar aos "mercados" é bom?

Pelo que tenho ouvido, o grande objectivo deste governo é que Portugal possa recuperar "credibilidade" para poder "regressar aos mercados" em 2013 ou 2014. Isto dito assim, parece um propósito correcto e grandioso, que tudo justifica. No entanto, convinha pensar um pouco sobre o que significa "regressar aos mercados". Essa intenção, na aparência tão límpida, significa que estamos a fazer um monte de sacrifícios hoje para que, no futuro, os políticos e governantes portugueses possam outra vez endividar alegremente o país, contrair mais e mais dívida, e provavelmente tomar decisões tão irresponsáveis como as que tomaram ao longo desta última década, construindo auto-estradas desnecessárias, comprando submarinos desnecessários, e gastando uma enormidade de dinheiro de uma forma absolutamente indecorosa, como o fizeram todos os governos, sem excepção, desde que entrámos no euro.

"Regressar aos mercados" é pois voltar a dar aos políticos portugueses a possibilidade de endividarem o país exageradamente. Ora, pergunto eu, isto faz sentido? Faz sentido que os portugueses paguem um preço tão alto, em sacrifícios e em perda de nível de vida, para que em 2015, 2016 ou coisa assim, um qualquer primeiro-ministro imbecil desate a querer fazer mais "obras" e que vá então "aos mercados" buscar mais dinheiro para financiar a sua ambição? Pela minha parte, acho que não faz sentido nenhum.

Preferia mil vezes que a Europa me dissesse que garantia as nossas dívidas em troca da impossibilidade futura de os nossos políticos fazerem mais disparates. Se os nossos políticos ficassem a partir de agora impedidos pela Europa de realizar despesas absurdas e megalómanas, ou seja impedidos de contrair mais dívida pública e sem qualquer possibilidade de ir "aos mercados", acho que o problema se resolvia bem mais depressa do que com esta austeridade brutal. "Regressar aos mercados" é dar aos políticos portugueses um poder que eles não deveriam ter depois do espectáculo de incompetência que deram. Por mim, quando mais tardio o "regresso aos mercados", mais descansado eu fico.     

publicado por Domingos Amaral às 11:23 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quinta-feira, 27.09.12

Gasparzinho na Boca do Inferno Já!

O Ministério das Finanças confirmou esta semana oficialmente que o rácio da dívida sobre o PNB está nos 119%. Em 2010, o mesmo rácio era cerca de 100%, ou seja a divida pública, ou "dívida soberana", era idêntica ao PNB de Portugal num ano. Em 2011, com a aceleração da austeridade, o rácio subiu para cerca de 107%. E em 2012 pulou para 119%, o que cada vez mais torna impraticável o pagamento da dívida. Devemos portanto levantarmo-nos e dar um grande e geral aplauso ao Ministro das Finanças, que apenas num ano conseguiu agravar uma recessão, aumentar o desemprego, diminuir a receita fiscal, aumentar o deficit orçamental e, cereja em cima do bolo, tornar a dívida pública cada vez mais pesada e praticamente impossível de pagar! Parabéns Gasparzinho! Acho que mereces uma estátua de bronze! E sugiro que a coloquemos ali em Cascais, na Boca do Inferno. É um local muito apropriado para o Gasparzinho, pois é para onde ele conduziu o país, direitinho para a Boca do Inferno!

publicado por Domingos Amaral às 14:12 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Um casal e as 50 sombras de Grey

Estavam lado a lado, na cama. Ela lia as "50 Sombras de Grey", ele consultava o seu iPad. De vez em quando, ela suspirava, mas ele nem ligava, pois sentia que já não existia entre eles muito "chamego", como diz a Zarolinha da telenovela Gabriela. Continuaram assim, ela a ler e a suspirar, ele a ver páginas sobre gadgets na net.

Algum tempo depois ela pousou o livro à cabeceira, murmurou um "boa noite" que ele retribuiu, desligou a luz do seu candeeiro, e enrolou-se para dormir, virando costas ao marido. Este deixou-se estar, mas dez minutos depois pressentiu que ela já estava ferrada a dormir e começou a visitar sites pornográficos no seu iPad. Num deles, descobriu uma loira espectacular, de grandes pernões, seios volumosos e um sorriso malandro na cara. Sentiu a excitação a chegar e levou a mão ao baixo ventre. 

Precisamente nesse momento, a mulher soltou um gemido. Não foi um gemido qualquer, era um gemido parecido aos que ela soltava quando...Foi por isso que ele franziu a testa, surpreendido. Segundos depois, ela voltou a gemer. Ele reparou também que ela mexia a perna esquerda ligeiramente, e que tinha o punho esquerdo fechado. Aquilo enervou-o.

Num gesto brusco, pousou o iPad fechando a capa, tocou-lhe nos ombros, abanou-a, e ela acordou, estremunhada. Piscou os olhos e olhou para ele:

- O que foi?

- O que foi pergunto eu! - exclamou ele, com ar sério.

Ela piscava muito os olhos, sem perceber.

- O que eram esses gemidos? - perguntou ele.

Ela sentou-se na cama, ainda a piscar os olhos.

- Gemidos? Que gemidos?

Ele imitou-a, num tom de voz forçado e ela sorriu e mentiu.

- Eu..., eu estava a ter um pesadelo.

Ele indignou-se:

- Desculpa lá, mas isso não era um pesadelo! 

- Então? - perguntou ela, com ar inocente.

Ele respirou fundo, tentando controlar-se:

- Tu estavas a ter um sonho erótico! Parecia que estavas a ter um orgasmo!

Ela abriu muito os olhos, deu uma pequena gargalhada, quase infantil, de menina apanhada em contrapé, e reconheceu a verdade.

- Pois estava!

Ele ficou ainda mais enervado. Ela percebeu o que ele temia e tentou acalmá-lo, com mais uma mentirola.

- Mas...o sonho era contigo! 

Ele esperou, em silêncio, um esclarecimento mais detalhado.

- Estávamos a fazer amor...Eu estava de joelhos no chão e tu puxavas-me os cabelos por tráz, e possuías-me...

- Eu? - perguntou ele.

- Sim, tu...e davas-me palmadas no rabo!

Ele ficou siderado, estupefacto a olhar para ela.

- Estava a ser bom... - murmurou ela.

Ele sentiu os primeiros sintomas de apoplexia, e gritou:

- Mas eu nunca te bati! Nem nunca te puxei os cabelos!

Ela revirou os olhos, exasperada. Ele prosseguiu, exaltado:

- E como é que sabes que era eu? Segundo percebo, estavas de costas, não era?

- Sim - confirmou ela

- Então, podia não ser eu!

Ela revirou de novo os olhos, encolheu os ombros e mentiu outra vez:

- Por favor, achas que eu não sei se és tu?

Na verdade, ela não tinha a certeza. No seu sonho, parecia que quem a possuía era o herói das "50 Sombras", o Grey. Mas como ele era um herói imaginário, a quem ela não conhecia a cara, podia muito bem ser quem ela quissesse.

Mas ele não estava convencido. 

- Se calhar era o Pedro, o teu ex, de quem gostavas tanto! Ou o teu chefe, toda a gente sabe que isso acontece a muitas mulheres!

Ela voltou a revirar os olhos, o seu chefe era gordo e baixo, e o Pedro há meses que não lhe enviava sequer um sms...

- Isto é do livro... - suspirou ela.

- O quê? - perguntou ele, sem perceber.

Ela pegou no livro "As 50 sombras de Grey" e mostrou a capa ao marido.

- É muito intenso, cheio de sexo, ao pormenor...

O marido estava de novo perplexo. Então ela, num gesto brusco e sem que ele a conseguisse impedir, pegou no iPad que estava pousado ao lado dele e disse:

- Li outro dia uma crítica, dizia que era "pornografia para mamãs", vou procurar na net para te...

Ao levantar a capa do iPad, ela descobriu a foto da loira explosiva e mamalhuda. Ficou paralisada. Depois, virou-se para ele:

- O que é esta merda? Andas a ver sites pornográficos? 

Atrapalhado, ele tentou justificar-se, meteu os pés pelas mãos, balbuciou uma mentirola qualquer.

Ela levantou-se da cama, irada. Nesse momento, umas das alças da camisa de noite tombou sobre o seu ombro e desceu pelo antebraço, deixando à mostra uma parte do seu peito. Ele viu o disco do mamilo dela a aparecer e gostou.

Mas ela estava furiosa.

- Mas o que é isto? Quem é esta gaja, esta badalhoca de perna aberta?

Ele tentou pacificá-la:

- Isso não interessa, é só uma fotografia. Essas gajas são todas iguais, cheias de mamas falsas, é só silicone...Não são como as tuas, bonitas e naturais...

Ela acalmou ligeiramente, mas não quis dar o braço a torcer.

- Eu não acredito nisto, és um porco!

Ele encolheu os ombros, sorriu-lhe.

- Vá lá, não fiques assim. Tu estavas a ler um livro, eu a ver a net, cada um para seu lado, aconteceu, não tem significado especial...Vem cá. 

Estendeu-lhe a mão, e ela, com alguma relutância, estendeu a dela. Voltou à cama, embora ainda com cara de amuada.

Ele abraçou-a, beijou-a no ombro e depois na boca e disse:

- És muito melhor que qualquer dessas mulheres...

Desceu os beijos para o pescoço e depois para o peito dela, excitado. Ela murmurou:

- Cuidado, os miúdos podem ouvir...

Ele levantou-se e foi fechar a porta do quarto. Entretanto, ela pegou no iPad. A loira da fotografia deu uma volta sobre si própria, enquanto o ecran virava de vertical para horizontal. Ela fez desaparecer a galdéria num segundo, e procurou um wallpaper novo para o desktop, um fundo mais apropriado. Depois, apagou a luz do lado dele e o quarto tomou uma tonalidade vermelha, picante e sensual. Ele murmurou:

- Uau...esse livro...

Começaram a tocar-se, a amassar-se, a rolar pela cama. Quando estavam já nus, e ele se preparava para entrar dentro dela, perguntou:

- Como é que era o teu sonho?

E ela explicou-lhe.

 

 

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:49 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Quarta-feira, 26.09.12

As Finanças e os camiões

Acabei de ver na SIC uma reportagem onde um casal contava a seguinte história: tinham recebido uma notificação das Finanças para pagar o imposto de circulação de um camião, relativo a 2008. Só que a notificação vinha em nome do filho do casal, uma criança de quatro anos! Na ânsia de cobrar mais impostos, os serviços das Finanças nem se tinham dado ao trabalho de verificar o número de contribuinte do proprietário da viatura, e enviaram logo a nota de cobrança. Os pais tiveram de perder um dia inteiro a resolver o imbróglio e ainda suportaram alguns custos. Esperam que o problema esteja resolvido, mas em Portugal nunca se sabe. É por isso que enquanto pai, e indignado com a inépcia das Finanças, já preparei a seguinte carta ao Ministro Vítor Gaspar, só para o caso de também o meu filho vir a ser notificado:

 

Exmo Sr Ministro

Recebi a notificação para pagar o imposto de circulação do camião do meu filho. No entanto, tenho dúvidas. A qual camião se refere? Àquele que ele recebeu no Natal passado, presente da sua avó, e comprado no El Corte Inglés? Ou ao camião da Lego, que lhe deu a madrinha no dia do seu aniversário? E os camiões mais pequenos, de caixa aberta, que ele ganhou num brinde de hamburgeres, também pagam imposto de circulação? E as várias ambulâncias que cá por casa apitam freneticamente todo o santo dia pagam ou estão isentas? Além disso, o senhor tem de compreender que nos lares portugueses a maioria dos camiões estão estragados, sem arranjo possível, pois os miúdos estragam tudo. E, quando não estão partidos ao meio, estão debaixo de uma cama qualquer, imobilizados pela crise económica, à espera de pilhas. Por favor, tenha dó de nós, e compreenda que é inaceitável exigir-nos um imposto de circulação sobre brinquedos! 

 

PS: Por acaso não tem à mão umas pilhas que me pudesse emprestar para as retroescavadoras do Toys´r Us? É que o miúdo não pára de me moer a cabeça...

 

publicado por Domingos Amaral às 14:21 | link do post | comentar

O Fantasma da Argentina

Sempre que alguém defende que a "austeridade" é o caminho errado para pagar a "dívida soberana", há logo alguém que contrapõe: "então, qual a alternativa, queres acabar como a Argentina?" Ora, convinha que nos recordássemos todos do que se passou na Argentina entre 1998 e 2002, para evitar os erros que lá se cometeram, e fugir a um desfecho tão caótico.

E o que se passou por lá? Pois bem, em 1998 o FMI aterrou na Argentina e impôs ao país uma política de austeridade muito forte - cortes na despesa do Estado, aumento de impostos directos e indirectos, privatizações das principais empresas públicas, e redução salarial geral, para funcionários públicos e privados. Além disso, e ao contrário do que tinha feito no passado noutros países, o FMI impôs uma taxa de câmbio fixa entre o peso e o dólar, o que em muitas coisas é semelhante a ter uma moeda única.

Quais foram os resultados desta política? Foram o que se esperava: queda da actividade económica, recessão generalizada, queda das receitas fiscais e aumento do defict do Estado e da dívida pública. Ou seja, entre 1998 e 2001, aconteceu na Argentina precisamente o que está a acontecer nos nossos dias na Grécia, em Portugal, e também em Espanha, Irlanda ou Itália. Esmagados entre uma brutal austeridade e uma impossibilidade de desvalorização cambial, os argentinos foram-se afundando numa espiral depressiva, ou naquilo que em economia se chama "a armadilha da dívida e da deflação".

E, sem ver resultados positivos, os argentinos começaram a revoltar-se, nas ruas e depois nas urnas. A receita de austeridade provocou uma convulsão social e uma revolta política profunda, e em 2001 subiu ao poder um populista de esquerda, chamado Nestor Kirchner - marido da actual presidente da Argentina - que para acalmar a revolta do povo tomou a decisão drástica de suspender os pagamentos da dívida argentina (vulgo, calote), e de desvalorizar o peso.

O que se seguiu não foi bonito de se ver. Durante quase um ano, a Argentina viveu momentos dramáticos, com fome, sem dinheiro nos bancos, e um desespero generalizado. Porém, a partir de meados de 2002, a situação começou a melhorar e o país voltou ao crescimento económico e regressou a paz política e social.

Devíamos pois retirar do exemplo argentino vários ensinamentos. O primeiro é o de que as políticas de austeridade do FMI ou da "troika" não resultam. A dívida em vez de diminuir aumenta; o deficit em vez de diminuir aumenta; o desemprego em vez de diminuir, aumenta. A recessão provoca mais recessão, e não há crescimento económico, mas sim decrescimento. O segundo ensinamento é o de que as políticas de austeridade conduzem normalmente a graves crises sociais e políticas, que podem desestabilizar fortemente um país, levando-o a tomar atitudes drásticas de revolta. 

Basta ver o que se está a passar na Grécia, em Portugal, e até em Espanha, para perceber que o filme na Europa está cada vez mais parecido com o filme argentino, e que se a direção das políticas não mudar, o resultado pode ser idêntico. Daqui a algum tempo, a revolta política e social será profunda e imparável, e ninguém sabe o que poderá acontecer. É isso que queremos para Portugal? É que, não tenham ilusões, ou paramos a tempo este caminho, ou o caos vai mesmo aparecer. De Atenas, Madrid ou Lisboa em 2012, a Buenos Aires em 2001 é um instante...

publicado por Domingos Amaral às 12:28 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 25.09.12

A Cigarra, a Formiga e o Ministro

Ontem, devido ao mau tempo que a impedia de ir à praia, uma cigarra dirigiu-se ao café, para tomar uma bica. Sentou-se numa mesa e ali ficou, com um ar abatido. Pouco depois, entrou no café uma formiga, que vendo a cigarra tão desanimada, dirigiu-se a ela e perguntou:

- O que é essa cara, estás doente?

A cigarra encolheu os ombros. Não estava doente, estava com a neura. E explicou:

- Estou farta disto. Sempre que os políticos têm de chamar preguiçosos a alguém, usam as cigarras como exemplo. Ouviste o ministro da Administração Interna, o Macedo?

- Sim, ouvi - respondeu a formiga.

- Diz que os portugueses deviam ser mais formigas e menos cigarras.

A cigarra bufou:

- Como se nós fossemos preguiçosas!

A formiga franziu as sobracelhas:

- Bem, não vou dizer que ele tem razão, mas vocês são um bocado...sei lá, são cigarras!

A cigarra abanou a cabeça, desconsolada e disse:

- Só porque não trabalhamos como vocês, isso não quer dizer que sejamos preguiçosas. Não trabalhar não significa que não façamos nada. Ir à praia também é gastar gasolina, gastar dinheiro em cremes para o bronze, gastar dinheiro em biquinis, em cervejas, em gelados, em comunicações de telemóveis. Bolas, então agora as pessoas acham que é mal gastar dinheiro? 

A formiga ficou em silêncio. Percebeu a ideia, mas não estava muito de acordo com a cigarra.

- Achas que a crise não afecta as cigarras? - perguntou a cigarra.

A formiga nunca tinha pensado naquele ponto de vista e permaneceu calada. A cigarra insistiu:

- É cada vez mais difícil ir à praia. A gasolina está cara, o iva subiu, o dinheiro não dá para nada! Mesmo que eu não queira fazer nada, tenho cada vez menos dinheiro para não fazer nada! 

A formiga começou a percebê-la e confirmou com um aceno de cabeça.

- Lá isso é verdade, eu também tenho cada vez menos dinheiro...

A cigarra olhou para ela espantada, não estava à espera de ouvir tais palavras:

- Então?

A formiga encolheu os ombros:

- Trabalho como um cão, o ano inteiro a levar comida para casa, e depois o governo sobe o IRS, corta-me o salário, e tira-me uma parte do que eu amealhei. Além disso, é cada vez mais difícil armazenar comida para o inverno, com as subidas do IVA. Trabalho o mesmo e cada vez tenho menos. 

A cigarra estava espantada a olhar para ela e mais espantada ficou quando a formiga disse:

- Está a ser cada vez mais difícil ser formiga. 

Aproximou-se da cigarra, e falou mais baixo:

- Sabes, há dias em que me apetece ser como tu...

A cigarra abriu muito os olhos:

- Como eu?

- Sim, respondeu a formiga. Ser cigarra. Não trabalhar. 

A cigarra estava estupefacta e indignou-se:

- É pá, isso não pode ser! Tu não és uma cigarra, tu tens de ser uma formiga, senão a fábula perde o sentido!

A formiga encolheu os ombros:

- Que se lixe a fábula! Estou farta disto! É um massacre, tiram-nos o dinheiro todo!

Neste ponto, a cigarra estava totalmente de acordo:

- Tens toda a razão! Estes gajos andam a lixar a economia toda, e ficamos todas pior, cigarras ou formigas!

Sentindo-se com confiança, a formiga levantou a voz:

- Estou farta da troika, da austeridade, destes imbecis! E do ministro também!

- Apoiado! - gritou a cigarra.

- Qualquer dia rebento com esta merda toda, pegamos fogo ao país, fazemos como as formigas gregas!

- Apoiado! - gritou a cigarra.

Num ímpeto de indignação, a formiga levantou-se e berrou bem alto, para que todos no café a ouvissem:

- Estou farta de ser formiga, de ser honesta e trabalhadora! E a minha amiga cigarra, também está farta de ser cigarra, pois já nem para isso tem dinheiro!

A cigarra sorriu, lisonjeada pela referência. A formiga continuou, empolgada:

- A partir de agora, acabam-se as formigas e acabam-se as cigarras! A partir de agora, vamos todas ser vespas! Vespas insuportáveis, que azucrinam a cabeça dos ministros e dos políticos! E que os picam, e picam, e picam!

Houve um aplauso geral no café. Todos estavam indignados com a crise e com o governo. Todos estavam fartos de ser cigarras ou formigas, todos queriam passar a ser vespas, perigosas e zangadas! Juntaram-se para pensar o que fazer. Ainda sentada no seu lugar, a cigarra encontrou uma razão adicional para querer ser vespa. É que ela achava as vespas criaturas com muito bom gosto. Vestiam-se bem, misturando aqueles tons amarelos e negros com uns padrões listados. Além de temidas por todos, as vespas eram bonitas, com um ar de "femmes fatales". A cigarra estava a achar o "máximo" a ideia de se transformar numa vespa...

publicado por Domingos Amaral às 12:08 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Xistra: "Parece, mas não é"!

Descobri um novo problema em futebol: o problema do "Parece, mas não é". No domingo à noite, quando vi o Académica-Benfica na televisão fiquei com esta ideia: em todos os três penalties marcados por Carlos Xistra, no momento em que vi as jogadas pareceram-me os três penalty. O de Maxi pareceu penalty, o do Rodrigo Galo pareceu penalty e o do Garay também pareceu penalty. Naquela fração de segundo em que vemos a jogada a primeira vez, os três pareceram penalty. Depois, à medida que ia vendo repetições, cheguei à conclusão que a falta do Maxi era fora da área, que era duvidoso que a bola tivesse batido na mão do Rodrigo Galo, e que o Garay corta a bola antes do choque com o avançado da Académica. Ou seja, nos três casos, "Parece, mas não é". Parece que é penalty, mas não é. Só que isso significa que temos de admitir que Xistra viu o que nós vimos, a ele também lhe pareceram três penalties. Infelizmente para ele, não foi possível alguém mostrar-lhe as repetições das jogadas, para ele confirmar que a sua percepção inicial, tal como a minha, estava errada. Portanto, julgo que não é muito justo estar a criticar o árbitro nestes três casos. São três erros de percepção compreensíveis, e só desfeitos com os meios auxiliares televisivos de que nós podemos usufruir e ele não. Neste caso, a culpa não é de Xistra. A culpa é de quem não deixa usar a televisão como auxiliar do árbitro. Neste caso, "Parece, mas não é". 

publicado por Domingos Amaral às 11:52 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Segunda-feira, 24.09.12

Benfica em Coimbra

A propósito do empate do Benfica em Coimbra, e das reações que têm tido Jorge Jesus e os dirigentes do clube, culpando a arbitragem de Carlos Xistra pelos pontos perdidos, lembro-me logo do provérbio "em Roma, sê romano". O que é que eu quero dizer com isto? Desde que chegou a presidente do FC Porto, nos anos 80, Pinto da Costa habituou o país às suas arengas dominicais na televisão a protestar contra os árbitros, e a verdade é que isso parece ter-lhe dado muita força. A partir desses longínquos tempos, toda a gente o imitou e começou a atacar os árbitros, para "pressionar" o sistema. A inovação de Pinto da Costa fez escola no Sporting, no Benfica, no Braga e em qualquer outro clube, mesmo das divisões inferiores. Portanto, "em Roma, sê romano". O que o Benfica faz é o que o mestre em pressionar o sistema ensinou a todos há trinta anos. O futebol português viciou-se nisto e não é possível ninguém ser diferente. Não há treinador, nem dirigente, nem clube, nem jornal desportivo, nem comentador, que escape a esta teoria populista. E mais vale começar logo a guinchar no início da época do que esperar pelo fim...  

publicado por Domingos Amaral às 16:36 | link do post | comentar | ver comentários (2)

A independência da Catalunha

Sobre a possbilidade da Catalunha vir a ser independente da Espanha, há duas coisas que me apetece dizer. A primeira é que devemos admirar e louvar a forma pacífica como os catalães têm defendido a sua independância. Ao contrário do que acontece com os seus vizinhos "bascos", na Catalunha não há atentados terroristas, não há assassinatos seletivos, não há "luta armada" da ETA que mate muitos inocentes. Há uma intenção serena e firme de um povo, mas feita de uma forma política e pacífica, o que é um exemplo de dignidade e respeito que a Catalunha dá ao mundo. 

A segunda ideia que me parece importante defender é que não existe qualquer incompatibilidade entre a independência da Catalunha e a União Europeia. Se a Catalunha vier a ser um país independente, isso pode ser traumático para a Espanha, mas para a Europa não representa nenhum problema. Qual a diferença entre 17 ou 18 países no euro, qual a diferença entre ter 27 ou 28 países na União Europeia? A Catalunha, se algum dia vier a ser independente, será mais um entre muitos, e até pode ser mais fácil que isso aconteça dentro de uma União Europeia federal do que fora dela. Se todos os países estão a ceder a sua soberania à Europa, a pouca soberania que a Catalunha tiver também será partilhada. 

publicado por Domingos Amaral às 16:23 | link do post | comentar

O filmezinho de Maomé

Sinceramente, já estou completamente farto destes "casos" que involvem a figura de Maomé. Primeiro foram os cartoons, agora é um filmezinho imbecil e logo duas coisas acontecem: de um lado, os "radicais" islâmicos inflamam-se e aproveitam para queimar umas bandeiras, matar umas pessoas e fazer brutalidades à grande. Do outro, lá aparecem os ocidentais muito inflamados, a defender o direito à "liberdade de expressão"! Ora, aqui só entre nós, convinha que alguém explicasse a todos que nem a violência islâmica se justifica por causa de um aborto cinematográfico realizado por trogoloditas, nem a liberdade de expressão é um valor sem limites.

Para quem defende que não há, nem deve haver, limites à liberdade de expressão, eu relembro que eles existem e não são poucos. Há limites constitucionais na América (não se pode defender o comunismo), na Alemanha (não se pode defender Hitler e o nazismo), na Inglaterra (não se pode defender o terrorismo nem a destruição da sociedade, como bem sabem certos sacerdotes islâmicos que foram proibidos de pregar).

Depois, há limites legais em todos os países: não se pode promover o racismo, o genocídio dos povos, e muitas outras coisas que consideramos más e erradas. Para além disto tudo, ainda existem os limites à liberdade de expressão à posteriori, que são o que os tribunais decidem depois de considerar que alguém insultou alguém. Experimentem chamar "assassino" a um político português e verão se não são condenados em tribunal por "abuso de liberdade de expressão".

Portanto, a liberdade de expressão tem limites e defender esse direito como contraposição à violência que vem do Médio Oriente é uma armadilha em que não caio. O filme imbecil sobre Maomé é um acto de provocação óbvia e completamente gratuita contra o Islão, e só não vê quem não quer ver. E é também um filme bastante racista, que achincalha os muçulmanos. Ora, que eu saiba o racismo é um valor que os ocidentais não promovem. Ou será que o racismo ocidental é seletivo, e há raças que devemos respeitar e outras que não é preciso respeitar? 

publicado por Domingos Amaral às 15:55 | link do post | comentar | ver comentários (1)
 

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