A Cigarra, a Formiga e o Ministro
Ontem, devido ao mau tempo que a impedia de ir à praia, uma cigarra dirigiu-se ao café, para tomar uma bica. Sentou-se numa mesa e ali ficou, com um ar abatido. Pouco depois, entrou no café uma formiga, que vendo a cigarra tão desanimada, dirigiu-se a ela e perguntou:
- O que é essa cara, estás doente?
A cigarra encolheu os ombros. Não estava doente, estava com a neura. E explicou:
- Estou farta disto. Sempre que os políticos têm de chamar preguiçosos a alguém, usam as cigarras como exemplo. Ouviste o ministro da Administração Interna, o Macedo?
- Sim, ouvi - respondeu a formiga.
- Diz que os portugueses deviam ser mais formigas e menos cigarras.
A cigarra bufou:
- Como se nós fossemos preguiçosas!
A formiga franziu as sobracelhas:
- Bem, não vou dizer que ele tem razão, mas vocês são um bocado...sei lá, são cigarras!
A cigarra abanou a cabeça, desconsolada e disse:
- Só porque não trabalhamos como vocês, isso não quer dizer que sejamos preguiçosas. Não trabalhar não significa que não façamos nada. Ir à praia também é gastar gasolina, gastar dinheiro em cremes para o bronze, gastar dinheiro em biquinis, em cervejas, em gelados, em comunicações de telemóveis. Bolas, então agora as pessoas acham que é mal gastar dinheiro?
A formiga ficou em silêncio. Percebeu a ideia, mas não estava muito de acordo com a cigarra.
- Achas que a crise não afecta as cigarras? - perguntou a cigarra.
A formiga nunca tinha pensado naquele ponto de vista e permaneceu calada. A cigarra insistiu:
- É cada vez mais difícil ir à praia. A gasolina está cara, o iva subiu, o dinheiro não dá para nada! Mesmo que eu não queira fazer nada, tenho cada vez menos dinheiro para não fazer nada!
A formiga começou a percebê-la e confirmou com um aceno de cabeça.
- Lá isso é verdade, eu também tenho cada vez menos dinheiro...
A cigarra olhou para ela espantada, não estava à espera de ouvir tais palavras:
- Então?
A formiga encolheu os ombros:
- Trabalho como um cão, o ano inteiro a levar comida para casa, e depois o governo sobe o IRS, corta-me o salário, e tira-me uma parte do que eu amealhei. Além disso, é cada vez mais difícil armazenar comida para o inverno, com as subidas do IVA. Trabalho o mesmo e cada vez tenho menos.
A cigarra estava espantada a olhar para ela e mais espantada ficou quando a formiga disse:
- Está a ser cada vez mais difícil ser formiga.
Aproximou-se da cigarra, e falou mais baixo:
- Sabes, há dias em que me apetece ser como tu...
A cigarra abriu muito os olhos:
- Como eu?
- Sim, respondeu a formiga. Ser cigarra. Não trabalhar.
A cigarra estava estupefacta e indignou-se:
- É pá, isso não pode ser! Tu não és uma cigarra, tu tens de ser uma formiga, senão a fábula perde o sentido!
A formiga encolheu os ombros:
- Que se lixe a fábula! Estou farta disto! É um massacre, tiram-nos o dinheiro todo!
Neste ponto, a cigarra estava totalmente de acordo:
- Tens toda a razão! Estes gajos andam a lixar a economia toda, e ficamos todas pior, cigarras ou formigas!
Sentindo-se com confiança, a formiga levantou a voz:
- Estou farta da troika, da austeridade, destes imbecis! E do ministro também!
- Apoiado! - gritou a cigarra.
- Qualquer dia rebento com esta merda toda, pegamos fogo ao país, fazemos como as formigas gregas!
- Apoiado! - gritou a cigarra.
Num ímpeto de indignação, a formiga levantou-se e berrou bem alto, para que todos no café a ouvissem:
- Estou farta de ser formiga, de ser honesta e trabalhadora! E a minha amiga cigarra, também está farta de ser cigarra, pois já nem para isso tem dinheiro!
A cigarra sorriu, lisonjeada pela referência. A formiga continuou, empolgada:
- A partir de agora, acabam-se as formigas e acabam-se as cigarras! A partir de agora, vamos todas ser vespas! Vespas insuportáveis, que azucrinam a cabeça dos ministros e dos políticos! E que os picam, e picam, e picam!
Houve um aplauso geral no café. Todos estavam indignados com a crise e com o governo. Todos estavam fartos de ser cigarras ou formigas, todos queriam passar a ser vespas, perigosas e zangadas! Juntaram-se para pensar o que fazer. Ainda sentada no seu lugar, a cigarra encontrou uma razão adicional para querer ser vespa. É que ela achava as vespas criaturas com muito bom gosto. Vestiam-se bem, misturando aqueles tons amarelos e negros com uns padrões listados. Além de temidas por todos, as vespas eram bonitas, com um ar de "femmes fatales". A cigarra estava a achar o "máximo" a ideia de se transformar numa vespa...