Quarta-feira, 01.10.14

A Europa que os alemães querem só dá recessão

A Alemanha continua a desejar mais austeridade para a Europa, mesmo com a crise a bater-lhe à porta.

As principais economias do euro - Alemanha, França e Itália - estão ou em recessão, ou em anemia.

O Sul da Europa continua a patinar, com muito desemprego e muita dívida em Portugal, Espanha e Grécia.

A Irlanda melhorou apenas ligeiramente, e as coisas também não vão especialmente bem na Polónia ou na Holanda.

 

Quatro anos de intensa austeridade, imposta pela Alemanha da Sra Merkel, deram nisto: uma Europa em profunda crise.

As tensões políticas, como seria de esperar, multiplicam-se.

Os extremismos crescem em França, em Itália, na Grécia, e na própria Alemanha começam também a nascer.

Porém, os alemães não aprendem, nem querem abandonar a sua postura dura e teimosa.

 

Mesmo quando Draghi defende uma expansão da procura, com baixas de impostos e investimentos públicos, a Alemanha diz não.

Não quer nada, e ataca as intenções de Draghi de expandir a oferta monetária, baixando os juros e injectando dinheiro na economia.

Mesmo com a Europa atacada pelo desemprego, pela recessão, pela deflação e pela dívida, a Alemanha tudo rejeita e tudo sabota.

Até quando continuará esta cegueira?

 

 

publicado por Domingos Amaral às 10:39 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 17.09.14

A Escócia quer ser igual a Portugal?

Nunca fui à Escócia mas tenho pena.

Pelas imagens que tenho visto ao longo da vida, deve ser bem bonita.

E tens bons líquidos, como o petróleo e o whisky, que já não está na moda, como o gin, mas continua a vender muito por esse mundo fora.

Contudo, já estou um bocado farto de ouvir falar no referendo na Escócia.

 

Confesso que não consigo perceber o desejo dos escoceses.

A primeira razão é que eu pensava que a Escócia já era independente, não precisando de o voltar a ser.

Na Escócia há parlamento, governo, campeonato de futebol, seleção nacional, e muitas outras coisas.

É essa a maravilha, e a beleza do Reino Unido.

Por vezes, andam todos juntos, como nos Jogos Olímpicos, mas muitas vezes vão separados, como no futebol.

Galeses, Irlandeses do Norte, Escoceses, Ingleses, são todos diferentes, cada um com a sua capital e as suas manias.

 

Na realidade, o Reino Unido é o que a Europa devia ser mas não é.

É uma união política, que tem um governo e uma moeda comuns, mas em que todos votam para eleger o Governo, ao contrário do que sucede na Europa.

Ou seja, a Escócia participa mais no Reino Unido, e manda mais, do que Portugal participa ou manda na Europa.

Apesar de nós sermos mais "independentes" no papel, na realidade os alemães e a Sra Merkel mandam mais em nós do que Cameron manda na Escócia.

É que os escoceses também votam para escolher Cameron, e que eu saiba nunca nenhum português votou na sra.Merkel.

 

É por isso que eu não entendo a Escócia.

Será que eles não percebem que, tornando-se independentes, mas ficando com a libra (moeda comum), se transformam numa espécie de Portugal, Irlanda, Grécia, Chipre?

Ficarão com uma moeda única, mas deixarão de votar para o Governo do Reino Unido, e aí é que deixam mesmo de mandar no seu destino.

Como Portugal, hoje.

 

Se a Escócia disser sim à independência, vai ficar mais fraca e mais dependente, mais parecida connosco.

É estranho que a Escócia queira ser como Portugal, quando na Europa todos deviam ser como a Escócia, um reino independente dentro de um reino unido, com um só Governo e um só Chefe de Estado.  

Mas, o mundo está difícil de compreender, é essa a verdade. 

publicado por Domingos Amaral às 10:58 | link do post | comentar | ver comentários (8)
Quarta-feira, 27.11.13

A Alemanha acabou de virar à esquerda, e ainda bem para nós!

Com o acordo hoje anunciado na Alemanha, entre o SPD e a Sra Merkel, o país vai virar um pouco à esquerda.

Merkel, apesar de contrariada, aceitou a imposição de um salário mínimo mais elevado, e também o crescimento da despesa pública alemã, nomeadamente com mais investimentos públicos em estradas.

De repente, Merkel é obrigada a fazer o que não fez, aumentar a despesa pública!

Essas são boas notícias para a Europa, para o euro e para Portugal.

A Alemanha, país mais rico, é um rebocador das outras economias europeias, e gastando mais pode puxar pelas outras, que exportarão mais.

É o contrário do que Merkel fez durante os últimos quatro anos, e que tanto mal provocou na Europa.

Desde 2009 que muitos vinham pedindo que ela estimulasse a economia alemã, mas ela resistiu teimosamente, sempre defendendo a austeridade, sem perceber que assim agravava a crise europeia.

Quem me lê, sabe bem que não admiro em nada a Sra Merkel. Acho-a lenta a raciocinar, pouco inteligente e com um grave preconceito contra certos países do Sul.

Nos últimos quatro anos, à frente de um Governo com os liberais, Merkel foi tudo o que uma líder europeia não devia ser.

Foi ela que gerou uma enorme crise de confiança no euro, ao dizer em finais de 2009 que a Alemanha não pagava a dívida dos outros países.

A partir daí, a eurozona andou à deriva, e só estabilizaria em 2012, quando Mário Draghi prometeu fazer tudo para "salvar o euro".

Mas, a desastrosa influência de Merkel não se viu só nessas frases assassinas.

Durante vários anos, tentou sabotar qualquer solução europeia da crise.

Tentou evitar os mecanismos de estabilidade europeia, tentou sabotar a intervenção do BCE, e ainda continua a tentar evitar a união bancária.

Em vez de liderar a Europa, na procura de uma solução europeia integrada, que fizesse a zona euro sair da crise, Merkel manteve o discurso obstinado em defesa da austeridade, obrigando os países da Europa do Sul a suportarem sozinhos um ajustamento duro e rápido.

O resultado está à vista de todos: o desemprego aumentou muito na Europa, os países do Sul estão numa recessão dura, a deflação é agora o maior perigo que a zona enfrenta, e por fim, prova dos nove de como as políticas de austeridade falharam, as dívidas soberanas, em vez de terem descido, subiram!

Veja-se o caso de Portugal, por exemplo.

Há quatro anos, em Janeiro de 2009, a taxa de juro da dívida pública rondava os 6%, e o stock total de dívida ia nos 150 mil milhões de euros.

Quatro anos de dura austeridade depois, a taxa de juro continua a rondar os 6%, mas o stock de dívida é agora de 230 mil milhões de euros!

Com mais desemprego, mais impostos e mais recessão. Pior era difícil.

Porém, na Europa, todos já perceberam que a austeridade germânica não leva a lado nenhum.

Finalmente, a partir de agora, será a própria Alemanha a ter de mudar. A viragem à esquerda da Alemanha, contra a vontade da Sra Merkel, é pois uma boa notícia para nós. E para o euro também. 

publicado por Domingos Amaral às 12:17 | link do post | comentar
Sexta-feira, 08.11.13

Europa: a armadilha da dívida e da deflação

Ontem, o sr. Mario Draghi, governador do Banco Central Europeu, admitiu pela primeira vez que a Europa pode estar confrontada com um novo e grave problema, a deflação!

A deflação é o oposto da inflação, é um processo continuado de descida de preços, e é tão perigosa ou mais que a inflação.

Numa deflação, as pessoas esperam que os preços desçam, e por isso não consomem, pois amanhã poderão comprar mais barato do que hoje.

Portanto, em vez de consumirem, poupam.

Assim, o crescimento económico é mais difícil, e é isso que se está a passar na zona euro, e por isso Draghi desceu as taxas de juro do BCE.

Mas, a deflação traz outro grave problema: embora os preços dos bens e dos ativos desçam, as dívidas não descem de valor, pelo contrário, há um aumento real do seu valor!

Com deflação, é muito mais difícil pagar dívidas, e é esse também o drama da zona euro, sobretudo dos países que estão muito endividados, como Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha, Itália ou Chipre.

Porém, ninguém se deve espantar que isto esteja a acontecer.

Já nos anos 30, o economista Irving Fischer tinha escrito sobre esta situação, a chamada "armadilha da dívida e da deflação". 

Nessa armadilha, quando os países caem nela, quanto mais dívida pagam, mais devem!

Os esforços para reduzir a dívida, se forem muito pronunciados, se a austeridade for muito forte, provocam recessão, e isso leva à subida da dívida em percentagem do PIB!

É o chamado "paradoxo da desalavancagem": quando todos cortam as despesas ao mesmo tempo, isso gera uma tal contração, que todos ficam pior no fim, ainda com mais dívida.

Ao mesmo tempo, a deflação faz com que as pessoas poupem mais, e nasce o segundo paradoxo, o "paradoxo da poupança"!

Supostamente, é boa ideia poupar, ainda por cima em tempos difíceis como os que atravessamos. Contudo, se toda a gente poupar ao mesmo tempo, consome-se menos e a economia encolhe.

Lembram-se de Passos Coelho ter dito recentemente que os portugueses "tinham poupado demais"?

Pois é, tanto os assustaram, e tanto lhes cortaram o rendimento disponível, que eles se assustaram e pouparam muito, o que retraiu ainda mais a nossa economia!

São esses mecanismos que geram o sarilho em que a Europa está hoje metida.

A cruzada austeritária liderada pela Sra Merkel deu nisto: uma Europa sem crescimento económico, cheia de desempregados, e confrontada com o drama da deflação!

As fúrias contra a despesa do Estado, os ajustamentos austeritários, os programas das "troikas", conduziram a Europa a este terrível cenário.

E, pelo meio, os únicos que estão bem são os alemães, que batem recordes de excedentes comerciais, enquanto os outros se afundam em déficits.

O caminho da austeridade está a dar cabo da Europa, de Portugal e de vários outros países, e mais tarde ou mais cedo vai gerar-se um abismo entre os alemães e todos os outros. 

Ou as políticas europeias mudam, e se volta a apostar no crescimento e na despesa dos Estados, ou todo o edifíico do euro e da união monetária ficará em risco, e a divisão entre um Norte rico e um Sul pobre vai provocar um cisma poderoso!

 

publicado por Domingos Amaral às 12:36 | link do post | comentar
Quarta-feira, 06.11.13

A Alemanha anda a lixar o euro?

Nas últimas semanas, a Alemanha tem sido muito criticada, seja pelos americanos, seja pelo FMI, seja até subtilmente pela Comissão Europeia.

A causa das críticas é simples: a Alemanha tem um enorme excedente comercial, exporta muito mais do que importa, e isso tem desequilibrado muito a situação na zona euro.

Os outros países, sobretudo os países do Sul, têm grandes déficits comerciais e de capitais com a Alemanha, e apesar de os estarem a tentar corrigir, com tremendos esforços e profundas recessões, o equilíbrio não volta, pois a Alemanha não faz nenhum esforço para corrigir o seu excedente.

A economia é assim, cada moeda tem sempre duas faces.

Se nós temos um déficit na balança comercial ou de transações correntes, alguém tem de ter um excedente. Para que este desequilíbrio se consiga corrigir, ambas as partes têm de alterar as suas políticas.

Contudo, os alemães não aceitam este princípio.

Eles acham que os déficits dos países do Sul existem porque eles são pouco produtivos, pouco competitivos, e consomem demais, importanto mais do que deviam.

Mas, acham que o seu excedente é virtuoso, sinónimo de competitividade alemã e de vitalidade económica, e não querem deixar de o ter.

Portanto, não querem saber nem de conselhos nem de críticas.

Não querem subir salários na Alemanha, não querem mais inflação, nem querem ter de importar mais.

Ou seja, querem continuar como são, porque se julgam melhores que os outros.

Porém, assim não há equilíbrio.

Por mais que os países do Sul tentem corrigir, gastando e importando menos, se a Alemanha não puxar pela sua economia, os países do Sul não conseguem exportar para lá, e por isso não conseguem crescer.

É pois, ou devia ser, evidente para todos que o euro não está a funcionar bem.

Não é possível aceitar que só a Alemanha ganhe com o euro, como tem ganho.

Foram 10 anos de grandes excedentes para a Alemanha, e grandes déficits para os países do Sul!

Para muitos países, começa a não fazer sentido estar numa união monetária em que só a Alemanha ganha, e quase todos os outros perdem.

Se os alemães não perceberem isto depressa, e continuarem cegos, o que é o mais provável porque eles se acham superiores a todos os outros, em breve será impossível sustentar um euro que provoca estes graves desequilíbrios.

Antes do euro, a única forma que os outros países tinham de impedir esta supremacia da Alemanha, era desvalorizarem as suas moedas.

Agora, não têm essa arma, e por isso estão reféns da Alemanha, que os despreza e humilha constantemente.

Ou isto muda depressa e a Europa se transforma nuns Estados Unidos da Europa, ou a coisa, mais cedo ou mais tarde, fica insustentável.

Que sentido faz termos uma moeda que nos prejudica e empobrece?

 

publicado por Domingos Amaral às 13:06 | link do post | comentar
Segunda-feira, 04.11.13

O 1640 do Dr. Portas é um divertido delírio!

Na semana passada, Paulo Portas teve um dos seus momentos de delírio, e comparou a saída da "troika" à libertação de Portugal do jugo dos Felipes de Espanha.

2014 seria assim um 1640 financeiro, um momento épico da história do país, onde voltaríamos a ser gloriosamente independentes! 

Estas comparações históricas não deixam de ser divertidas, mas são normalmente um bocado superficiais, e não resistem a um confronto mais pormenorizado com a realidade.

Convém lembrar ao Dr. Portas que, em 1640, Portugal era um reino cujo rei era espanhol.

Depois de umas escaramuças, e de um vazio de liderança por cá, os reis espanhóis tomaram conta disto, e mandavam em nós.

A "ocupação" durou 60 longos anos, e só quando se encontrou um candidato à altura de ser rei de Portugal, é a que a coisa se resolveu, com mais uma guerra pelo caminho.

1640 foi pois um momento de libertação de uma ocupação política, militar e económica.

Ora, que eu saiba, não é isso que se passa em 2013.

Que eu saiba, Portugal não foi invadido pela "troika", contra a sua vontade.

Pelo contrário, foi o país que pediu ajuda, candidatando-se a uma resgate internacional.

E quem é que nos ajudou? 

Bem, que eu saiba, foram países que, como Portugal, fazem parte de uma entidade política comum, a União Europeia.

Que eu saiba, ninguém nos obrigou, pelas armas, a pertencer à União Europeia e ao euro.

Foi uma coisa voluntária, e bastante consensual, por cá.

Não fomos invadidos, nem ocupados, cedemos a soberania porque quisemos, e porque achámos que isso era bom para nós.

Portanto, que eu saiba, a "troika" não representa potências ocupantes, pelo contrário, representa-nos a nós mesmos, e aos nossos aliados e amigos, que responderam ao nosso pedido de ajuda.

É claro que podemos dizer que esses nossos amigos não são muito generosos, e nos obrigam a fazer coisas que nós não gostamos.

Mas dizer que isso é uma "ocupação" semelhante à dos espanhóis, é capaz de ser um pouco exagerado, não é verdade?

Acrescente-se ainda que não tenho notado que este Governo seja contra a "troika".

Bem pelo contrário, desde o primeiro dia disse que queria ir além da "troika"!

O que nos deixa um pouco perplexos, pois se a troika é uma potência ocupante, e queremos libertar-nos dela, talvez seja um pouco complicado de perceber porque é o Governo cumpre rigoramente o que a "troika" manda, e até faz mais do que o mandam.

O estranho é que, se admitirmos o raciocínio de Portas, de que estamos ocupados, então a conclusão lógica é de que Passos e Portas não passam dos meros executores da política de ocupação, e portanto são umas "marionetas espanholas", como foram muitos durante os 60 anos da ocupação dos Felipes...

Mas, a coisa é ainda mais estranha, se pensarmos que, depois de 2014, da famosa "hora da libertação", do Dia da Independência do Dr. Portas, nós vamos continuar exactamente na mesma, a pertencer à União Europeia, no euro, e a ter de fazer tudo o que eles nos mandam!

Não se consegue perceber bem onde é que estará a independência nesse dia, mas se calhar o burro sou eu!

Portanto, o 1640 do Dr. Portas vai ser o dia em que vamos...continuar exactamente na mesma, a receber ordens de Bruxelas!

Os Filipes, caro Dr. Portas, foram-se embora, corridos daqui numa guerra.

Os europeus vão continuar por cá, e a mandar cada vez mais.

Não se iluda, Dr. Portas, o dia da Independência é uma fantasia da sua cabeça.

Os senhores da "troika" podem deixar de cá vir ter reuniões, mas o senhor continuará a andar às ordens da Sra Merkel...  

publicado por Domingos Amaral às 11:30 | link do post | comentar | ver comentários (11)
Terça-feira, 22.10.13

Europa: União ou Morte?

Há cada vez mais gente, por essa Europa fora, a lutar e a defender que o euro e a Europa são as causas de todos os nossos males.

Em França, cresce a extrema-direita, que abomina o euro. Na Grécia, a mesma coisa, bem como na Áustria.

Na Alemanha, o partido anti-euro não entrou no parlamento, mas a corrente é forte, em especial à direita.

Em Portugal é ao contrário: como é a esquerda que está fora do poder, é à esquerda que se ouvem as vozes mais hostis ao euro e à Europa.

Jerónimo de Sousa disse há dias que temos de abandonar o euro.

Daniel Oliveira também culpa a Europa pela resposta à crise financeira de 2008, que está a destruir as democracias nacionais.

O ataque ao euro é muitas vezes também um ataque à Alemanha, país mais forte e poderoso, e que liderou a Europa nos últimos anos.

Sem uma visão europeia clara, sempre relutante, a Sra Merkel não foi a líder de que a Europa precisava, e decidiu quase sempre tarde demais. 

Mas, será que o fim do euro e da Europa é a melhor solução para as democracias europeias?

Eu nunca fui um grande entusiasta do euro, desde há mais de 15 anos que acho que está mal pensado, e que dificilmente ia funcionar bem.

Para que o euro fosse uma união monetária completa, era necessário uma união política a suportá-lo.

Eram necessários, desde o início, uns Estados Unidos da Europa, que elegessem um presidente de todos os europeus, por voto directo e universal.

Era necessário um governo europeu, um Orçamento europeu, um Tesouro europeu.

Era necessária uma dívida europeia, a mutualização; bem como uma segurança social europeia.

Era necessária uma união bancária, com supervisão europeia, e um Banco Central Europeu capaz de intervir sempre que fosse necessário, como fazem o inglês, o japonês e o americano.

Nada disso foi feito quando devia ter sido feito, há vinte ou quinze anos.

O euro fez-se sem esses poderes, e resultou mal.

Não havendo um sólido poder político e económico europeu que sustentasse o euro, os erros multiplicaram-se.

Cada um fez o que lhe apeteceu, e quando o conjunto ficou em risco, só se procuraram soluções nacionais, e não europeias.

Na realidade, há um drama europeu complicado.

Os 17 países do euro já não são bem países soberanos, mas também ainda não são Estados de uma União.

São seres híbridos, a meio caminho entre uma coisa e outra, e por isso confundidos.

Sempre me pareceu, e escrevi-o muitas vezes, que Portugal teria feito melhor em ficar de fora.

Porém, isso não aconteceu, e perante a realidade atual a melhor solução não é a desintegração ou saída unilateral do euro.

O melhor, para todos, da Grécia à Alemanha passando por Portugal, era uma União verdadeira, cada vez mais sólida e forte.

A Europa precisa de se unir cada vez mais, pois só assim estabiliza.

Ou há união, ou há morte.

Ficar no limbo em que estamos não é nada. 

A senhora Merkel disse ontem que temos de avançar para uma união mais sólida, e todos têm de perder soberania.

Pena que só o diga agora, e que seja tão lenta a dar cada passo.

A andar tão depressa como um caracol, a Europa corre o risco de ser odiada e culpada por tudo e por todos, e de morrer aos bocados...

publicado por Domingos Amaral às 09:50 | link do post | comentar | ver comentários (7)
Segunda-feira, 08.07.13

A segunda grande utopia do euro

O euro não é uma união monetária, mas sim uma ilusão monetária.

Ou melhor, o euro são duas grandes utopias, duas ilusões monetárias.

A primeira ilusão, a primeira utopia, foi a de que os países, ao entrarem no euro, iriam ser prósperos, o seu crescimento económico ia aumentar e sobretudo, as suas finanças públicas iriam ser disciplinadas.

Como se viu, nem dez anos foram precisos para destruir esse monumental mito.

O euro não espalhou a prosperidade na Europa, não provocou grande crescimento económico na maioria dos países, e quanto à disciplina das finanças públicas dos orçamentos dos 17, estamos conversados.

O que o euro permitiu a todos foi uma ilusão monetária, a de que com baixas taxas de juro podíamos ser todos ricos.

O resultado está à vista, em quase todos os países da Europa o sistema financeiro desequilibrou, e a partir de 2008 descobriu-se um precipício de dívidas.

Todos - pessoas, empresas, bancos, Estados - se endividaram demais na zona euro, e todos acabaram em pânico.

Os monstros das dívidas públicas, ou soberanas, são apenas a ponta visível do iceberg da dívida, porque se olharmos mais fundo descobrimos que a dívida privada é bastante mais alta que a pública.

Mas, mal a crise rebentou, e principalmente a partir de 2010, uma nova ilusão, uma nova utopia, poderosa e intensa, se instalou na zona euro.

De um dia para o outro, todos quiseram acreditar na ilusão de que, com muito sacrifício, era possível pagar a colossal dívida. 

Oficialmente, a Europa mantém viva essa ilusão, e continua a tentar que os povos europeus acreditem que, com "ajustamentos" e "austeridade", é possível aos países pagarem as suas dívidas.

Grécia, Portugal, Irlanda, Chipre, até a Espanha e a Itália, são agora as principais vítimas dessa tremenda ilusão do euro.

Na verdade, as dívidas desses países não são pagáveis pelos próprios. Portugal, Irlanda, Grécia e Chipre, pelo menos estes quatro, não têm qualquer hipótese de pagar as suas dívidas.

Nem 100 anos de austeridade tornariam possível tal objectivo, e no entanto a Europa não quer deixar cair a ilusão.

O estado de negação europeu é preocupante, pois há muito que quem estuda a história destes "ajustamentos" sabe que eles raramente funcionam, e quando funcionam é porque os países têm uma moeda para desvalorizar, o que não é o caso.

Assim sendo, a austeridade deprime os países, aumenta o desemprego, e no fim eles ainda têm dívidas maiores do que tinham no início!

É o "paradoxo da dívida" em todo o seu esplendor. Quanto mais sacrifícios fazemos, mais cresce a dívida em percentagem do PIB! 

Além disso, e como já aqui escrevi muitas vezes, além da violência económica destes programas, há os desequilíbrios sociais e políticos que geram.

A maior parte dos programas de "ajustamento" dos últimos 50 anos falhou porque os sistemas políticos não aguentaram, e entraram em convulsão.

Nós portugueses, temos a tendência para olhar apenas para o pátio da nossa paróquia, e achar que tudo isto não passam de incompetências dos Passos, erros dos Sócrates, birras dos Portas, ou fanatismos dos Gaspares.

Até certo ponto, a dimensão nacional de cada crise é verdadeira, mas só é compreensível se percebermos o contexto, e esse chama-se "armadilha da dívida". 

É essa armadilha que sabota os sistemas políticos nacionais, e os desequilibra, e é por causa dela que nascem as crises. Que se vão repetindo, com maior ou menor gravidade, mas sem fim à vista. 

A segunda grande utopia do euro, a utopia redentora e sacrifical, que nos dizia que os "ajustamentos" iam resolver o problema, está a começar a estilhaçar-se à nossa frente com violência.

Na verdade, os ajustamentos não nos fazem sair da armadilha da dívida, pelo contrário, ainda nos atam mais os pés.

Para sair desta armadilha, só há duas formas. A primeira é não pagarmos a dívida, o que é desastroso e humilhante, mas já aconteceu muitas vezes em muitos países europeus, que beneficiaram de enormes perdões.

A segunda forma possível é a Europa "mutualizar" a dívida, libertando os pequenos países dessa carga. 

Uma dessas alternativas terá de existir nos próximos tempos, ou o perdão ou a mutualização.

Quem pensar o contrário, e acreditar que a austeridade nos vai permitir pagar a dívida, continua a não viver na realidade.

O melodrama da semana passada teve uma única virtude. Com novas funções, Paulo Portas passará a coordenar as negociações com a "troika", o que abre um importante oportunidade.

É essencial que a Europa perceba que tem de mudar o paradigma, passando do "ajustamento" para a resolução da "dívida". 

Talvez Portas consiga explicar à Europa que esmifrar mais Portugal e outros países não leva a lado nenhum. 

publicado por Domingos Amaral às 11:38 | link do post | comentar
Terça-feira, 28.05.13

Os falsos mitos económicos da Europa

A Europa está infestada de mitos económicos, histórias falaciosas e fantasias grosseiras, que nos foram vendidas ao longo de duas décadas, e que a deixaram como está, em agonia e com um sombrio futuro pela frente.

E quais são esses mitos que ensombram a Europa? Aqui deixo uma pequena lista:

 

MITO 1 - As dividas dos países do Sul têm de ser pagas, custe o que custar. 

É o mais grave mito que atinge a Europa no presente, onde se mistura uma moralidade de merceeiros com a cegueira dos fanáticos.

Há uma coisa que os europeus deviam meter de vez na cabeça: os países do Sul não têm qualquer hipótese de pagar as dívidas.

Veja-se por exemplo Portugal: a dívida pública atinge 127% do PIB, e a dívida privada, de que se fala menos porque não dá jeito, atinge 340% do PIB.

Sim, leu bem, no total a dívida de Portugal quase chega aos 470% do PIB nacional! E, parecidos connosco, estão a Grécia, a Irlanda, Chipre, a Espanha, a Itália.

Estas dívidas nunca serão pagas.

Enquanto os europeus não perceberem isso, e não reestruturarem as dívidas, e mutualizarem uma grande parte delas, as economias europeias continuarão afocinhadas no desespero e no desemprego.

 

MITO 2 - As exportações vão salvar o crescimento dos países.

É outro mito fantástico, a que os países em crise se agarram, como os náufragos se agarram às bóias de salvação.

Com o consumo e o investimento privados retraídos, e com os gastos dos Estados impedidos de aumentarem, todos olham para as exportações como a salvação das pátrias!

Vã esperança, e patética fantasia. As exportações ajudam, mas não salvam. Não existem praticamente casos de países que tenham saído de recessões profundas só à custa de exportações. 

Para mais, quando quase todos os países europeus querem exportar, para onde vão eles exportar se ninguém quer importar?

 

MITO 3 -  A austeridade orçamental vai resolver o problema das dívidas.

Mais um mito muito promovido pela Europa, em especial pela Alemanha, que durante anos impôs aos outros este caminho.

Como se tem visto, a Europa inteira está em recessão, com um desemprego a crescer para níveis perigosos em muitos países, e não houve qualquer melhoria verdadeiramente significativa, nem nos déficits públicos, nem no crescimento económico, nem na capacidade de pagar dívidas.

Cinco anos depois de 2008, a Europa está cada vez mais pobre e mais paralisada.

 

MITO 4 - A inflação faz mal às economias.

Este é um mito repetido como se fosse um dogma, uma profissão de fé. Contudo, e ao contrário do que dizem os papagaios de poder, para os europeus era precisamente um pouco de inflação que dava jeito agora.

Principalmente no Norte da Europa, pois assim os salários no Norte subiriam mais do que os salários no Sul, permitindo a países como Portugal, Espanha, Grécia, Itália, Irlanda, recuperarem a "competitividade" relativa que perderam.

Mas, quem falar em inflação é queimado em auto-de-fé pela inquisição económica da Alemanha!

 

 

MITO 5 - A liberdade de movimentos de capitais é essencial para a Europa.

Outro terrível mito, que está na origem da maior parte das desgraças financeiras que assolam a Europa.

Infelizmente, foi devido à sagrada liberdade de movimentos de capitais que as economias do Sul se endividaram sem restrições.

Com os capitais a circularem pelos mercados financeiros à velocidade da luz, é impossível controlar as dívidas dos países. 

O que é necessário agora é alguma repressão financeira, que obrigue os bancos e os Estados a uma moderação, e que volte a impor restrições aos seus delírios financeiros.

Se os mercados financeiros não fossem tão livres, e tão gananciosos, talvez não estivéssemos onde estamos hoje. 

 

MITO 6 - A União Europeia não pode ser uma união de transferências dos países ricos para os países pobres

Eis a mitologia europeia em todo o seu esplendor! O mito diz que os povos do Norte não têm de "pagar", e que os povos do Sul não podem viver "à conta" dos do Norte. Pois...

Basta olhar para os Estados Unidos da América para perceber que uma união monetária não significa que vamos ser todos iguais.

Pelo contrário, haverá sempre Estados ricos e Estados pobres; tal como na Europa existirão sempre países ricos e países pobres.

E nos Estados Unidos são os Estados ricos que financiam os pobres, transferindo para lá dinheiros federais.

Se a Europa quiser sobreviver enquanto união monetária, é isso que terá de acontecer. Os países do Norte terão de transferir fundos para os do Sul, gostem ou não. Caso contrário, a união monetária não funciona.

Quem pensar o contrário continua a viver num mundo de fantasia.

 



 

publicado por Domingos Amaral às 12:15 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Segunda-feira, 08.04.13

As crises da dívida são como o teatro: aí está o 3º acto!

Aqui há uns meses, escrevi neste blog um post em que comparava as crises da dívida ao teatro ou à ópera, pois têm sempre uma estrutura em 3 actos, como esses espectáculos culturais. 

O primeiro acto é o "incidente inicial", que em Portugal foi o pedido de resgate, feito precisamente há dois anos. É o pico inicial da crise, com os seus culpados e os seus defensores, com muita trapalhada e eleições, normalmente com um novo governo que diz muito mal do anterior, e promete fazer tudo bem para o futuro.

Em 2011, Passos Coelho não só derrubou Sócrates prometendo acabar com a austeridade, como prometeu ir muito para além do memorando da troika, inventando um novo país, bem gerido e cumpridor!

O segundo acto, tal como no teatro, é passado em enormes dificuldades, de mini-crise em mini-crise, mas com a situação económica sempre a piorar.

O Governo vai aplicando mais e mais austeridade, a economia vai definhando, a dívida e o desemprego crescem, e o país vai-se cansando cada vez mais desta crise e deste governo.

Por cá, foram óbvias as mini-crises. Primeiro, foi o primeiro veto do Tribunal Constitucional, em 2012, seguiu-se a crise da TSU, e agora viveu-se mais uma mini-crise, com o segundo chumbo do Tribunal Constitucional.

O ambiente está de cortar à faca, e a situação piora a olhos vistos, tanto cá dentro como lá fora. Como era esperado, o "mau da fita", o sr. Schauble, já veio dizer que Portugal tem é de cortar mais e que não espere simpatia dos credores!

Estamos pois a entrar em pleno 3º acto da crise. Tal como no teatro é aqui que se vai viver o climax desta história. Com a situação económica sempre a piorar, o Governo vai implementar mais austeridade, vai cortar mais na despesa, os credores vão endurecer a posição, e Portugal vai passar de "bom aluno" a "mau aluno".

A situação de crise económica e social ameaça tornar-se insustentável, e a crise política vai ser permanente, com um Governo cada vez mais incapaz de resolver o que quer que seja, e com a população enfurecida com ele.

E, um dia destes, a coisa estoira. E estoira à séria. É evidente que ainda ninguém sabe qual será o final, mas prevejo que vai dar-se uma mega-crise política, e também uma mega-crise económica, que pode passar ou por um segundo resgate, ou mesmo por uma saída do euro no espaço de um ou dois anos.

Infelizmente para todos nós, o guião desta peça de teatro já estava escrito há muito tempo e nós não nos afastámos muito do que tem acontecido por esse mundo fora nos países a quem é imposto um ajustamento deste tipo. É sempre o mesmo filme: a violência da austeridade violenta as sociedades e eles revoltam-se!

Em 120 ajustamentos feitos pelo FMI nos últimos 50 anos, apenas 19 tiveram resultados mais ou menos safisfatórios, e sempre em casos que era possível desvalorizar a moeda do país, como se passou em Portugal em 1983. 

Ao contrário do que dizem os "falcões da austeridade", como a Sra Merkel e o sr. Schauble, o sr. Rehn ou o sr. Barroso, os senhores Passos e Gaspar, bastava olhar para a história económica do último século para saber que esta "onda austeritária" que varre a Europa ia acabar mal, muito mal.

Um a um, a austeridade está a empurrar os países para uma catástrofe, e se não parar depressa vai levar com ela a Europa e o euro.

Nós portugueses, somos apenas mais uma vítima desta decisão europeia de castigar os devedores com austeridade e proteger os ricos credores de qualquer perda. O que se está hoje a passar em Portugal, é mais um episódio da saga "Como Destruir o Euro com a Austeridade", que pode ver num teatro grátis perto de si, ou seja, todas as noites ao vivo na televisão.  

Como somos um país inculto em economia, passamos o tempo a discutir os draminhas da paróquia, quem tem culpa do quê e outras coisas do género. A culpa é do Sócrates, do Cavaco, do Gaspar e dos Passos, do Estado que é grande demais, dos portugueses que viveram acima das suas possibilidades, dos bancos que emprestaram demais, etc, etc, etc. E todos têm razão, e têm as suas razões e as suas culpas.

Porém, há uma coisa que os portugueses deviam perceber. Portugal, e muitos outros países da Europa, têm dois problemas pela frente. O primeiro chama-se Alemanha, pelas condições que impôs desde o início ao funcionamento do euro. E o segundo chama-se Alemanha, pelas regras draconianas que impôs aos "programas de resgate", obrigando a que o ajustamento fosse feito só pelos devedores e não também pelos credores. 

Portanto, podemos ir zangando-nos todos uns com os outros cá na paróquia que não mudamos o essencial. Enquanto a Alemanha impuser aos outros país as suas regras de austeridade, não há saída para o problema.

Esta peça de teatro só tem dois fins: ou a Alemanha muda a sua orientação e aceita um perdão geral e substancial das dívidas dos países pequenos, ou vários países terão de sair do euro. O resto é conversa para entreter...

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:39 | link do post | comentar | ver comentários (3)
 

Livros à venda

posts recentes

últ. comentários

  • Li com prazer o seu primeiro volume volume de assi...
  • Caro Domingos Amaral, os seus livros são maravilho...
  • Caro Fernando Oliveira, muito obrigado pelas suas ...
  • Gostei muito dos dois volumes e estou ansiosamente...
  • Bela e sensata previsão!Vamos ganhar a Final?!...
  • A tua teoria do terceiro jogo verificou-se!No enta...
  • Gostei de ler, os 2 volumes de seguida. Uma aborda...
  • Neste momento (após jogo com a Croácia) já nem sei...
  • Não sei se ele só vai regressar no dia 11, mas reg...
  • No que diz respeito aos mind games humildes, é pre...

arquivos

Posts mais comentados

tags

favoritos

mais sobre mim

blogs SAPO

subscrever feeds