O euro não é uma união monetária, mas sim uma ilusão monetária.
Ou melhor, o euro são duas grandes utopias, duas ilusões monetárias.
A primeira ilusão, a primeira utopia, foi a de que os países, ao entrarem no euro, iriam ser prósperos, o seu crescimento económico ia aumentar e sobretudo, as suas finanças públicas iriam ser disciplinadas.
Como se viu, nem dez anos foram precisos para destruir esse monumental mito.
O euro não espalhou a prosperidade na Europa, não provocou grande crescimento económico na maioria dos países, e quanto à disciplina das finanças públicas dos orçamentos dos 17, estamos conversados.
O que o euro permitiu a todos foi uma ilusão monetária, a de que com baixas taxas de juro podíamos ser todos ricos.
O resultado está à vista, em quase todos os países da Europa o sistema financeiro desequilibrou, e a partir de 2008 descobriu-se um precipício de dívidas.
Todos - pessoas, empresas, bancos, Estados - se endividaram demais na zona euro, e todos acabaram em pânico.
Os monstros das dívidas públicas, ou soberanas, são apenas a ponta visível do iceberg da dívida, porque se olharmos mais fundo descobrimos que a dívida privada é bastante mais alta que a pública.
Mas, mal a crise rebentou, e principalmente a partir de 2010, uma nova ilusão, uma nova utopia, poderosa e intensa, se instalou na zona euro.
De um dia para o outro, todos quiseram acreditar na ilusão de que, com muito sacrifício, era possível pagar a colossal dívida.
Oficialmente, a Europa mantém viva essa ilusão, e continua a tentar que os povos europeus acreditem que, com "ajustamentos" e "austeridade", é possível aos países pagarem as suas dívidas.
Grécia, Portugal, Irlanda, Chipre, até a Espanha e a Itália, são agora as principais vítimas dessa tremenda ilusão do euro.
Na verdade, as dívidas desses países não são pagáveis pelos próprios. Portugal, Irlanda, Grécia e Chipre, pelo menos estes quatro, não têm qualquer hipótese de pagar as suas dívidas.
Nem 100 anos de austeridade tornariam possível tal objectivo, e no entanto a Europa não quer deixar cair a ilusão.
O estado de negação europeu é preocupante, pois há muito que quem estuda a história destes "ajustamentos" sabe que eles raramente funcionam, e quando funcionam é porque os países têm uma moeda para desvalorizar, o que não é o caso.
Assim sendo, a austeridade deprime os países, aumenta o desemprego, e no fim eles ainda têm dívidas maiores do que tinham no início!
É o "paradoxo da dívida" em todo o seu esplendor. Quanto mais sacrifícios fazemos, mais cresce a dívida em percentagem do PIB!
Além disso, e como já aqui escrevi muitas vezes, além da violência económica destes programas, há os desequilíbrios sociais e políticos que geram.
A maior parte dos programas de "ajustamento" dos últimos 50 anos falhou porque os sistemas políticos não aguentaram, e entraram em convulsão.
Nós portugueses, temos a tendência para olhar apenas para o pátio da nossa paróquia, e achar que tudo isto não passam de incompetências dos Passos, erros dos Sócrates, birras dos Portas, ou fanatismos dos Gaspares.
Até certo ponto, a dimensão nacional de cada crise é verdadeira, mas só é compreensível se percebermos o contexto, e esse chama-se "armadilha da dívida".
É essa armadilha que sabota os sistemas políticos nacionais, e os desequilibra, e é por causa dela que nascem as crises. Que se vão repetindo, com maior ou menor gravidade, mas sem fim à vista.
A segunda grande utopia do euro, a utopia redentora e sacrifical, que nos dizia que os "ajustamentos" iam resolver o problema, está a começar a estilhaçar-se à nossa frente com violência.
Na verdade, os ajustamentos não nos fazem sair da armadilha da dívida, pelo contrário, ainda nos atam mais os pés.
Para sair desta armadilha, só há duas formas. A primeira é não pagarmos a dívida, o que é desastroso e humilhante, mas já aconteceu muitas vezes em muitos países europeus, que beneficiaram de enormes perdões.
A segunda forma possível é a Europa "mutualizar" a dívida, libertando os pequenos países dessa carga.
Uma dessas alternativas terá de existir nos próximos tempos, ou o perdão ou a mutualização.
Quem pensar o contrário, e acreditar que a austeridade nos vai permitir pagar a dívida, continua a não viver na realidade.
O melodrama da semana passada teve uma única virtude. Com novas funções, Paulo Portas passará a coordenar as negociações com a "troika", o que abre um importante oportunidade.
É essencial que a Europa perceba que tem de mudar o paradigma, passando do "ajustamento" para a resolução da "dívida".
Talvez Portas consiga explicar à Europa que esmifrar mais Portugal e outros países não leva a lado nenhum.