Sexta-feira, 13.12.13

O erro do FMI e o erro de Passos Coelho

Às vezes, é preciso olhar para os números para percebermos a gravidade do que se passou em Portugal.

Eis os números da austeridade, quatro anos depois.

 

Em 2010, o PIB português era de 172,8 mil milhões de euros.

Em 2013, deverá rondar os 164 mil milhões de euros.

Ou seja, a austeridade anulou-nos mais de 8 mil milhões de euros de riqueza produzida em Portugal! 

 

Em 2010, a taxa de desemprego portuguesa foi de 10,8.

Em 2013, a taxa de desemprego portugesa deverá ficar pelos 15,8, um aumento de quase 50%.

Quatro anos de austeridade criaram mais 300 mil desempregados do que havia antes.

 

Em 2010, a dívida pública portuguesa rondava os 160 mil milhões de euros, já incluindo aqui muita coisa que na altura não estava contabilizado.

Em 2013, quatro anos depois, a dívida pública portuguesa está em cerca de 230 mil milhões de euros, um aumento de 70 mil milhões de euros!

É este o resultado de quatro anos de austeridade, Portugal tem mais 70 mil milhões de dívida do que tinha!

 

Em 2010, a taxa de juro da dívida portuguesa no mercado secundário era no início do ano de 5,5%.

Em 2013, a taxa de juro da dívida pública portuguesa é no final do ano de 5,8%.

Ou seja, para curar o trágico perigo das dívidas soberanas, estivemos quatro anos em austeridade, e a taxa de juro é agora mais alta do que quando começámos!

 

A directora do FMI, a sra Lagarde, já admitiu o óbvio, que as políticas de ajustamento cometeram muitos erros, e que os resultados foram muito piores do que se esperava, especialmente em Portugal e na Grécia.

No entanto, por cá temos um primeiro-ministro que continua apaixonado pela ideia da "austeridade expansionista", e que fica muito irritado quando ouve o FMI reconhecer os erros.

Infelizmente, Passos Coelho jamais terá a humildade do FMI, e jamais reconhecerá que as suas políticas, que ele implementou e implementa com entusiasmo, não produziram bons resultados, bem pelo contrário.

Os fanáticos de uma ideia não querem saber da realidade, querem é ter razão!

 

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:14 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Quarta-feira, 04.12.13

Portugal pode regressar aos mercados sem programa cautelar?

A maioria das pessoas parece pensar que estão mais próximas tanto a hipótese má, segundo resgate, quanto a menos má, programa cautelar.

Mas, há quem pense que o regresso direto aos mercados é uma possibilidade.

A Irlanda conseguiu-o, e justificou-o de duas formas.

Em primeiro lugar, com as condições dos mercados, as baixas taxas que a Irlanda usufrui. Em segundo, com a confusão ou dúvida europeia perante um programa cautelar.

Como ninguém na Europa sabe o que implica um programa cautelar, os irlandeses temiam, e bem, que a trapalhada europeia os pudesse prejudicar.

E são essas duas situações idênticas ou semelhantes no caso português?

A resposta é sim e não.

Sim, no caso da confusão europeia. Se Portugal necessitar de um programa cautelar, terá de haver mais uma ou duas ou três rondas de conselhos europeus que duram até às tantas da manhã, e no final a solução pode ser desagradável para Portugal, para pacificar alemães e outros.

Nisso, devemos suspeitar da Europa, como a Irlanda fez.

Quanto ao não, é porque as condições de mercado de que Portugal beneficia são ainda muito piores do que as da Irlanda.

Neste momento, em Dezembro, é difícil fazer um regresso directo aos mercados, mas isso não significa que até Junho tal não seja possível.

 

O regresso de Portugal aos mercados vai depender de 3 factores essenciais:

1) A política monetária do BCE. Se Draghi praticar uma política monetária expansionista, seja com novas baixas de juros, seja com outros instrumentos, as taxas de juro da dívida pública de todos os países tenderão a cair, pois haverá mais liquidez no mercado. A queda da taxa portuguesa poderá ser maior, e isso ajudará muito.

2) A política monetária do FED. Se o banco central americano mantiver a sua política monetária expansionista mais alguns meses, as taxas também terão tendência para descer. No entanto, se começar a reduzir a liquidez, o FED pode provocar, como já aconteceu a meio de 2013, uma subida das taxas. A primeira hipótese ajuda Portugal, a segunda prejudica.

3) As medidas orçamentais portuguesas. Se o Tribunal Constitucional vetar a convergência das pensões e os cortes salariais, o governo terá de encontrar medidas para substituir essas, mas pode ver afectada a sua credibilidade. O rating da república pode voltar a descer, e isso impedirá um regresso directo aos mercados. 

No entanto, se o TC não vetar as medidas, haverá um efeito positivo, o rating poderá até melhorar, e nesse caso o regresso aos mercados é perfeitamente possível.

 

Em conclusão: o regresso directo de Portugal aos mercados em 2014, depende da força ou intensidade destes três efeitos. Se todos eles ajudarem, o regresso é possível. Se isso não acontecer, o mais certo é um programa cautelar, seja lá o que isso for...

publicado por Domingos Amaral às 09:55 | link do post | comentar
Quarta-feira, 27.11.13

A Alemanha acabou de virar à esquerda, e ainda bem para nós!

Com o acordo hoje anunciado na Alemanha, entre o SPD e a Sra Merkel, o país vai virar um pouco à esquerda.

Merkel, apesar de contrariada, aceitou a imposição de um salário mínimo mais elevado, e também o crescimento da despesa pública alemã, nomeadamente com mais investimentos públicos em estradas.

De repente, Merkel é obrigada a fazer o que não fez, aumentar a despesa pública!

Essas são boas notícias para a Europa, para o euro e para Portugal.

A Alemanha, país mais rico, é um rebocador das outras economias europeias, e gastando mais pode puxar pelas outras, que exportarão mais.

É o contrário do que Merkel fez durante os últimos quatro anos, e que tanto mal provocou na Europa.

Desde 2009 que muitos vinham pedindo que ela estimulasse a economia alemã, mas ela resistiu teimosamente, sempre defendendo a austeridade, sem perceber que assim agravava a crise europeia.

Quem me lê, sabe bem que não admiro em nada a Sra Merkel. Acho-a lenta a raciocinar, pouco inteligente e com um grave preconceito contra certos países do Sul.

Nos últimos quatro anos, à frente de um Governo com os liberais, Merkel foi tudo o que uma líder europeia não devia ser.

Foi ela que gerou uma enorme crise de confiança no euro, ao dizer em finais de 2009 que a Alemanha não pagava a dívida dos outros países.

A partir daí, a eurozona andou à deriva, e só estabilizaria em 2012, quando Mário Draghi prometeu fazer tudo para "salvar o euro".

Mas, a desastrosa influência de Merkel não se viu só nessas frases assassinas.

Durante vários anos, tentou sabotar qualquer solução europeia da crise.

Tentou evitar os mecanismos de estabilidade europeia, tentou sabotar a intervenção do BCE, e ainda continua a tentar evitar a união bancária.

Em vez de liderar a Europa, na procura de uma solução europeia integrada, que fizesse a zona euro sair da crise, Merkel manteve o discurso obstinado em defesa da austeridade, obrigando os países da Europa do Sul a suportarem sozinhos um ajustamento duro e rápido.

O resultado está à vista de todos: o desemprego aumentou muito na Europa, os países do Sul estão numa recessão dura, a deflação é agora o maior perigo que a zona enfrenta, e por fim, prova dos nove de como as políticas de austeridade falharam, as dívidas soberanas, em vez de terem descido, subiram!

Veja-se o caso de Portugal, por exemplo.

Há quatro anos, em Janeiro de 2009, a taxa de juro da dívida pública rondava os 6%, e o stock total de dívida ia nos 150 mil milhões de euros.

Quatro anos de dura austeridade depois, a taxa de juro continua a rondar os 6%, mas o stock de dívida é agora de 230 mil milhões de euros!

Com mais desemprego, mais impostos e mais recessão. Pior era difícil.

Porém, na Europa, todos já perceberam que a austeridade germânica não leva a lado nenhum.

Finalmente, a partir de agora, será a própria Alemanha a ter de mudar. A viragem à esquerda da Alemanha, contra a vontade da Sra Merkel, é pois uma boa notícia para nós. E para o euro também. 

publicado por Domingos Amaral às 12:17 | link do post | comentar
Terça-feira, 05.11.13

Última opinião do ministro Crato: Portugal um ano sem comer!

Este Governo, quase todos os dias, dá-nos razões para nos divertir. 

Pode ser um Governo muito duro, muito austero, muito dado a chatear a população com os seus cortes, mas ao mesmo tempo é um Governo com uma capacidade criativa inesgotável, e com um sentido de humor apuradíssimo.

Nas últimas semanas, tivemos por exemplo o "milagre económico" do Dr. Pires de Lima, e o "1640 financeiro do Dr. Portas".

Agora, temos mais uma pérola produzida pelo ministro da Educação, o Dr. Crato.

O que disse ele? Algo muito simples: "só é possível Portugal pagar a sua dívida se ficássemos todos um ano sem comer!" 

É uma frase brilhante, digna de um manual de ciência política, ou mesmo de macroeconomia.

Que digo eu? Que mania que as pessoas têm de levar estas coisas à séria. Eu próprio, às vezes deixo-me contaminar pelos vírus da seriedade!

É evidente que o Dr. Crato estava a dizer uma graçola! 

Dizer que, só ficando um ano sem comer é que se paga a dívida só pode ser piada, pois o Dr. Crato sabe muito bem que ninguém sobrevive um ano sem comer!

O Dr. Crato não quer matar ninguém à fome, como é evidente. E também não quer que ninguém deixe de comer, ou coma menos, para pagar as dívidas.

O que o Dr. Crato quer é ter graça, ser divertido! Quer aliviar a crise com piadas, para que as pessoas se riam, e se sintam um pouco melhor a rir.

Na verdade, o que o Dr. Crato quis dizer foi que é impossível pagar a nossa dívida!

Ao explicar que, só ficando um ano sem comer, (uma impossibilidade biológica que conduziria à morte), é que pagamos a dívida, o Dr. Crato está a dizer que é impossível pagá-la, e portanto temos de procurar outras soluções.

Ou terei sido eu a perceber mal?

Bom, na verdade o que me encanta nisto tudo é que até nas piadas o Governo é mal coordenado.

Então numa semana o Dr. Pires de Lima diz que está a acontecer em Portugal um "milagre económico" e na semana seguinte o Dr. Crato diz que, para pagar a dívida, só ficando sem comer um ano?

Não haverá aqui, por assim dizer, uma certa incoerência nas graçolas? 

Se está a acontecer um "milagre económico" para quê ficarmos todos um ano sem comer?

Ou será esse o "milagre económico", salvar o país conseguindo que ele não coma um ano inteiro?

Vou telefonar ao Ricardo Araújo Pereira, para o avisar para ele se pôr a pau, que este Governo é concorrência forte para ele...

 

publicado por Domingos Amaral às 12:36 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quinta-feira, 03.10.13

Cavaco está a chamar masoquistas a quem exactamente?

O presidente Cavaco Silva disse ontem que os portugueses que dizem que a nossa dívida pública é insustentável são "masoquistas".

Ou seja, quem pensar de forma diferente da dele, é um doente mental que gosta de se magoar a si próprio!

Eu estranho esta retórica psíquica de Cavaco, principalmente sabendo que ele é economista, e portanto devia saber destas coisas.

Ora, aquilo que é ensinado nas melhores escolas de economia do mundo sobre a sustentabilidade de dívidas públicas é o seguinte:

1. Se um país tiver uma taxa de crescimento nominal do PIB inferior à sua taxa de juro nominal da dívida, está em graves problemas.

2. Só há duas formas de equilibrar esta equação, uma é ter um excedente primário no orçamento do Estado, e a outra é imprimir moeda.

3. Como a segunda hipótese não existe no euro, só resta a primeira, um excedente orçamental primário.

4. Caso esse excedente não exista, a dívida pode tornar-se insustentável porque cresce mais depressa (a taxa de juro) do que cresce o país (a taxa de crescimento do PIB).

Foi isto, e é isto que tem sido ensinado durante anos nas escolas de Economia, e por isso causa uma certa estranheza que Cavaco considere "masoquistas" quem se limita a afirmar aquilo que é mais ou menos óbvio, e que se aprende nas universidades.

Senão, vejamos:

a) Portugal tem um rácio de dívida pública próximo de 130 por cento do PIB.

b) A taxa de juro a que paga essa dívida anda próxima dos 7 por cento.

c) A taxa de crescimento do PIB o ano passado foi negativa (-3%) e este ano deverá voltar a ser negativa outra vez (talvez -2%).

d) Portugal não tem ainda um saldo primário positivo, permanente e significativo, no orçamento, mesmo com muita contabilidade criativa.

Assim sendo, se a dívida cresce a 7 por cento ao ano, e o PIB contrai, como é que é possível estabilizar a equação?

Como é possível dizer que a dívida é sustentável?

Talvez Cavaco saiba algo que os outros economistas não sabem, mas a mim parece-me que sem ajudas claras, sem prolongamentos das maturidades, sem reestruturações, e sem esse tipo de coisas, será difícil pagar esta dívida pública.

Ou será que alguém acredita que Portugal, por milagre, vai passar a crescer a 8 por cento ao ano?

Nessa caso, não é masoquismo, é mesmo delírio...

  

publicado por Domingos Amaral às 11:46 | link do post | comentar | ver comentários (9)
Segunda-feira, 08.07.13

A segunda grande utopia do euro

O euro não é uma união monetária, mas sim uma ilusão monetária.

Ou melhor, o euro são duas grandes utopias, duas ilusões monetárias.

A primeira ilusão, a primeira utopia, foi a de que os países, ao entrarem no euro, iriam ser prósperos, o seu crescimento económico ia aumentar e sobretudo, as suas finanças públicas iriam ser disciplinadas.

Como se viu, nem dez anos foram precisos para destruir esse monumental mito.

O euro não espalhou a prosperidade na Europa, não provocou grande crescimento económico na maioria dos países, e quanto à disciplina das finanças públicas dos orçamentos dos 17, estamos conversados.

O que o euro permitiu a todos foi uma ilusão monetária, a de que com baixas taxas de juro podíamos ser todos ricos.

O resultado está à vista, em quase todos os países da Europa o sistema financeiro desequilibrou, e a partir de 2008 descobriu-se um precipício de dívidas.

Todos - pessoas, empresas, bancos, Estados - se endividaram demais na zona euro, e todos acabaram em pânico.

Os monstros das dívidas públicas, ou soberanas, são apenas a ponta visível do iceberg da dívida, porque se olharmos mais fundo descobrimos que a dívida privada é bastante mais alta que a pública.

Mas, mal a crise rebentou, e principalmente a partir de 2010, uma nova ilusão, uma nova utopia, poderosa e intensa, se instalou na zona euro.

De um dia para o outro, todos quiseram acreditar na ilusão de que, com muito sacrifício, era possível pagar a colossal dívida. 

Oficialmente, a Europa mantém viva essa ilusão, e continua a tentar que os povos europeus acreditem que, com "ajustamentos" e "austeridade", é possível aos países pagarem as suas dívidas.

Grécia, Portugal, Irlanda, Chipre, até a Espanha e a Itália, são agora as principais vítimas dessa tremenda ilusão do euro.

Na verdade, as dívidas desses países não são pagáveis pelos próprios. Portugal, Irlanda, Grécia e Chipre, pelo menos estes quatro, não têm qualquer hipótese de pagar as suas dívidas.

Nem 100 anos de austeridade tornariam possível tal objectivo, e no entanto a Europa não quer deixar cair a ilusão.

O estado de negação europeu é preocupante, pois há muito que quem estuda a história destes "ajustamentos" sabe que eles raramente funcionam, e quando funcionam é porque os países têm uma moeda para desvalorizar, o que não é o caso.

Assim sendo, a austeridade deprime os países, aumenta o desemprego, e no fim eles ainda têm dívidas maiores do que tinham no início!

É o "paradoxo da dívida" em todo o seu esplendor. Quanto mais sacrifícios fazemos, mais cresce a dívida em percentagem do PIB! 

Além disso, e como já aqui escrevi muitas vezes, além da violência económica destes programas, há os desequilíbrios sociais e políticos que geram.

A maior parte dos programas de "ajustamento" dos últimos 50 anos falhou porque os sistemas políticos não aguentaram, e entraram em convulsão.

Nós portugueses, temos a tendência para olhar apenas para o pátio da nossa paróquia, e achar que tudo isto não passam de incompetências dos Passos, erros dos Sócrates, birras dos Portas, ou fanatismos dos Gaspares.

Até certo ponto, a dimensão nacional de cada crise é verdadeira, mas só é compreensível se percebermos o contexto, e esse chama-se "armadilha da dívida". 

É essa armadilha que sabota os sistemas políticos nacionais, e os desequilibra, e é por causa dela que nascem as crises. Que se vão repetindo, com maior ou menor gravidade, mas sem fim à vista. 

A segunda grande utopia do euro, a utopia redentora e sacrifical, que nos dizia que os "ajustamentos" iam resolver o problema, está a começar a estilhaçar-se à nossa frente com violência.

Na verdade, os ajustamentos não nos fazem sair da armadilha da dívida, pelo contrário, ainda nos atam mais os pés.

Para sair desta armadilha, só há duas formas. A primeira é não pagarmos a dívida, o que é desastroso e humilhante, mas já aconteceu muitas vezes em muitos países europeus, que beneficiaram de enormes perdões.

A segunda forma possível é a Europa "mutualizar" a dívida, libertando os pequenos países dessa carga. 

Uma dessas alternativas terá de existir nos próximos tempos, ou o perdão ou a mutualização.

Quem pensar o contrário, e acreditar que a austeridade nos vai permitir pagar a dívida, continua a não viver na realidade.

O melodrama da semana passada teve uma única virtude. Com novas funções, Paulo Portas passará a coordenar as negociações com a "troika", o que abre um importante oportunidade.

É essencial que a Europa perceba que tem de mudar o paradigma, passando do "ajustamento" para a resolução da "dívida". 

Talvez Portas consiga explicar à Europa que esmifrar mais Portugal e outros países não leva a lado nenhum. 

publicado por Domingos Amaral às 11:38 | link do post | comentar
Terça-feira, 14.05.13

Europa: vem aí a repressão financeira! (E ainda bem!)

Ao contrário de quase toda a gente, eu não sou contra a medida europeia de obrigar os depositantes com mais de 100 mil euros a participarem no resgate ao seu banco.

Sim, admito que no contexto actual, é uma medida difícil, pois pode abalar ainda mais a confiança no sistema bancário europeu...

O que é que eu acabei de escrever? "Abalar a confiança no sistema bancário europeu"? Peço desculpa por ter escrito tal expressão, é esta mania de repetirmos o que ouvimos, também me assalta a mim.

Na verdade, não há qualquer razão para qualquer pessoa com dois dedos de testa ter confiança no sistema bancário europeu, e não há qualquer razão há muitos anos.

O sistema bancário europeu é um casino de abutres, gananciosos e especuladores, que viveram na mais absoluta e dissoluta libertinagem financeira durante mais de duas décadas, e é por isso que estamos onde estamos.

Nos últimos vinte anos, pelo menos, não deve ter havido banco nenhum na Europa que não fez os mais inenarráveis disparates, que não arriscou tudo o que podia e mais o que não podia, e que não tenha vivido na maior e mais vergonhosa irresponsabilidade.

Os bancos, os americanos mas também os europeus, foram os grandes culpados pela grave crise financeira de 2008, que está na origem da grave crise económica que ainda devasta a Europa.

Foram eles, com as suas "alavancagens diabólicas" e as suas mirabolantes teorias de risco, que geraram um monstro descontrolado, chamado dívida, pública e privada.

E claro, quando a merda finalmente bateu na ventoínha (desculpem o palavrão, mas a expressão ajusta-se bem a esta situação), os bancos caíram todos num buraco negro e levaram governos e economias a reboque. 

Porque devem ser os contribuintes, através da dívida pública, a pagar as dívidas e as loucuras dos bancos? Se um banco privado é mal gerido, porque é que devem ser os meus impostos a salvar o banco da falência?

Só em Portugal, por exemplo, a dívida pública cresceu mais de 14 mil milhões de euros só em empréstimos para "salvar os bancos", seja lá o que isso significa, quando no meio da barafunda se salva tanto o BPN (um caso de polícia), como o BPI (um banco com dificuldades pontuais), o BCP (um banco que foi ambicioso demais) a CGD (um banco político do Bloco Central), ou o Banif (um banco sem qualquer peso real no sistema). 

Portanto, tudo o que se faça para obrigar os accionistas e os credores dos bancos (sim, os depositantes são credores dos bancos) a meterem juízo na cabecinha dos administradores dos bancos, é bem feito.

E tudo o que se faça para evitar que seja o contribuinte a pagar a orgia dos bancos, também é bem feito.

Claro que isto "abala a confiança", mas sinceramente ainda bem. Aquilo que todos hoje devemos ser é "desconfiados" dos bancos. É a principal sequela da crise de 2008, uma saudável e vibrante desconfiança sobre os bancos é muito bem vinda.

É por isso que eu defendo estas medidas de "repressão financeira". Tal como existiu a "Tolerância Zero" nas estradas, devia também existir uma "Tolerância Zero" para os mercados financeiros, com limites de excesso de velocidade do crédito, e coisas assim.

Devia, por exemplo, ser proibido conceder crédito à habitação que fosse mais do que 50% do valor da casa a comprar, devia ser estabelecido um limite máximo para o endividamento das empresas, deviam ser proibidas a maioria das operações de "alavancagem" sem capitais próprios, etc, etc.

E devíamos mesmo ir mais longe. No estado em que a Europa está, deviam ser limitados os movimentos de capitais entre países.

Qual liberdade, qual carapuça! A liberdade total de movimentos de capitais deu no que deu, uma balbúrdia financeira sem rei nem roque. Se houvesse mais limites, talvez os "hedge funds", e os outros sinistros "funds" que por aí existem, tomassem juízo em vez de fazerem disparates.

Liberdade a mais levou-nos à anarquia geral financeira, portanto que venha a "repressão financeira". Eu por mim, assino por baixo.  

publicado por Domingos Amaral às 16:04 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Quarta-feira, 08.05.13

Voltar aos mercados é mesmo bom?

O regresso de Portugal aos "mercados", com uma emissão de dívida pública a 10 anos, foi ontem festejado com grande alegria e fanfarra, não só pelo Governo, mas também por vários financeiros da nossa praça. 

É um avanço "espectacular" disseram alguns, e prova que o país está no bom caminho, não só para se safar de vez da "troika", como para iniciar a recuperação financeira.

Mas, será que é mesmo assim? Há três perguntas a que devemos responder perante o que se passou ontem. 

A primeira pergunta é: a dívida pública portuguesa ontem aumentou, ou diminuiu? Resposta: ontem Portugal endividou-se em mais 3 mil milhões de euros.

Ou seja, a nossa divída pública, que rondava os 220 e tal mil milhões de euros, a partir de ontem aproximou-se dos 230 mil milhões de euros. E nem vale a pena falar no deprimente rácio da dívida sobre o PIB, que ontem deu mais um pulito.

É claro que me vão dizer que a nova dívida é para pagar dívida antiga, e é verdade, mas não deixa de ser mais dívida. Para quem quer baixar o endividamento do país...

A segunda pergunta é: e a taxa de juro que vamos pagar a estes credores é boa? Segundo informação oficial, a taxa de juro será de 5,669%, o que não sendo muito alto, também não é baixo. Comparando com o que conseguiríamos com um segundo resgate da "troika", é pior.

Ou seja, Portugal ontem endividou-se perante credores internacionais, e não perante os seus aliados europeus, a uma taxa superior àquela que pagaria por um segundo resgate!

Bem sei que pedir um segundo resgate à Europa seria uma humilhação, mas é um bocado desagradável esta sensação de que, para recuperarmos a nossa honra financeira nos mercados, temos de pagar uma pipa de massa adicional em juros!

Por fim, a terceira pergunta: será que o risco de futuras subidas de taxas de juro aumentou ou diminuiu, com este regresso aos mercados? Não é preciso pensar muito tempo para perceber que o risco aumentou.

Ao abrigo de um resgate da "troika", temos pelo menos a garantia que as taxas de juro não vão disparar até à estratoesfera só porque os mercados entram em pânico catatónico à primeira má notícia! Mas, ao voltar aos "mercados", esse risco volta a existir.

É certo que é menor, a cortesia do Banco Central Europeu fez baixar o risco na zona euro. Mas, quem nos garante que, daqui a uns tempos, as taxas não desatam a subir outra vez, com medo da Eslovénia ou da Itália, ou de outro qualquer problema?

Portanto, e em resumo: ao regressar aos mercados, Portugal aumentou a sua dívida pública em 3 mil milhões de euros, vai pagar uma taxa mais alta, e aumentou o risco de futuros dissabores.

É evidente que este é o preço a pagar por um certo regresso à "normalidade financeira", mas não é fácil de ver em que é que a nossa capacidade para pagar as dívidas aumentou. 

Portugal pode estar a recuperar a "confiança dos mercados", mas será que os mercados são de confiança para nos colocarmos de novo nas mãos deles? 

publicado por Domingos Amaral às 11:28 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quarta-feira, 23.01.13

Vítor Gaspar e os Universos Paralelos

Em Portugal, parece-me que existem dois universos paralelos, que quase nada têm a ver um com o outro, e só às vezes se tocam. 

O primeiro é o Universo da Alta Finança, onde reina Vítor Gaspar. Nessa galáxia, hoje foi um dia grande. Portugal voltou a emitir dívida a 5 anos, um feito histórico, e muito antes do que se previa, só lá mais para Setembro. O regresso aos mercados é, naturalmente e com justiça, festejado, e as nuvens negras sobre Portugal parecem estar defintivamente afastadas.

Porém, depois há o Outro Universo, o dos portugueses. Nesse universo, as coisas vão de mal a pior. O desemprego continua a crescer, as empresas não contratam, os impostos não param de subir, as falências não param de aumentar, e todos os portugueses se sentem a viver muito pior, desanimados e sem esperança.

A divergência entre os dois Universos Paralelos é cada vez maior. Enquanto no Universo da Alta Finança a crise geral do euro parece regredir todos os dias; cá em baixo, no Outro Universo, a depressão continua.

Esta cada vez mais aguda clivagem entre os dois Universos é preocupante, e paradoxalmente pode tornar-se um enorme sarilho para este governo. É que, enquanto existia uma crise no Universo da Alta Finança, havia uma grande justificação para as políticas fortíssimas de austeridade que Gaspar implementou. Com o Universo da Alta Finança em aflição, no Outro Universo criou-se uma sensação de inevitabilidade dos sacrifícios, e os portugueses foram aceitando tudo, mesmo o que nunca deviam ter aceite. Mas, era tudo em nome de uma grande causa, a salvação de Portugal no Universo da Alta Finança! Para salvar Portugal nesse planeta, era preciso o Outro Universo contrair, sofrer e penar.

Ora, se a crise acabou no Universo da Alta Finança, se Portugal já é tão bem visto que até já pode emitir dívida nos mercados, como justificar a penúria no Outro Universo? Como vai agora o Governo obrigar o país a tão profundos sacrifícios se no Universo da Alta Finança tudo voltou ao normal?

Esperemos para ver, mas a partir de agora, a ideia de inevitabilidade das políticas de austeridade perdeu grande parte da sua tração. Antes, era uma austeridade 4x4, às quatro rodas, mas agora perdeu a tração atrás e não sei mesmo se não a perdeu também à frente. 

publicado por Domingos Amaral às 14:46 | link do post | comentar
Quarta-feira, 28.11.12

O euro e a reputação de Portugal

Daqui a cinquenta anos, quando os historiadores olharem para as estatísticas do início do século XXI, vão ser difíceis de perceber os benefícios da entrada de Portugal no euro. À medida que o tempo for passando, e os efeitos da ilusão monetária em que o país viveu se dissiparem, a imagem nítida que vai aparecer é a de que a adesão à moeda única prejudicou muito Portugal.

Em 2012 e comparando com 1998, último ano do escudo, quase tudo está pior. O desemprego em 2012 é muito superior, a carga fiscal em 2012 é muito superior, o endividamento privado é muito superior, o deficit orçamental do Estado é mais alto, a dívida pública é muito mais alta, o desequilíbrio da balança comercial ou da de capitais são muito superiores ao que eram em 1998. E, claro, o crescimento económico de Portugal desde que entrou no euro é bem menor do que o das décadas anteriores, quando ainda tínhamos escudo. 

Quinze anos depois, Portugal só desceram a inflação e as taxas de juro, ambas menores do que antes. O euro desinflacionou a nossa economia, mas o preço que pagámos foi altíssimo. Nem as finanças públicas se equilibraram, nem as privadas melhoraram, nem a moeda única trouxe crescimento económico para novos sectores, enquanto os tradicionais sofriam e alguns quase desapareciam, como a agricultura e muita indústria.

Mais grave do que isso, é que o euro colocou em causa a reputação de Portugal nos mercados internacionais. Durante todo o século XX, Portugal não entrou em bancarrota nem uma única vez! Nem a confusão da República, nem Salazar, nem o 25 de Abril causaram tantos transtornos ao país como o euro. 

No século XIX, tínhamos sofrido crises dessas por seis vezes, mas a última fora em 1890, e não mais o país sofrera um problema grave de dívida externa, ao contrário por exemplo da Grécia, que teve uma bancarrota em 1932, ou mesmo da Alemanha, que teve duas bancarrotas, em 1932 e 1939.

As crises de inflação em Portugal também foram poucas em 100 anos, e nunca tivemos nenhum surto de hiperinflação, ao contrário por exemplo da Grécia, em 1922 e 1923, ou da Alemanha, em 1920 e 1923.

E ainda mais impressionante é o nosso registo perfeito no que toca a crises bancárias. Até 2008, Portugal era a única economia avançada que não tivera uma única crise bancária grave desde a Segunda Guerra Mundial! Apesar de termos tido duas crises de balança de pagamentos, em 1976-77 e em 1983-84, nenhuma delas foi suficientemente grave para manchar a nossa reputação internacional, que o euro em pouco mais de 10 anos colocou em risco. 

Em 2011, o resgate internacional a Portugal, executado pela "troika", mostrou com dureza que o euro debilitou Portugal, ao ponto de o país ter de se retirar dos mercados internacionais, coisa que nunca lhe acontecera desde 1890! Além disso, deram-se vários colapsos bancários. Faliram rotundamente o BPP e o BPN, e mesmo o BCP, o BPI e a Caixa Geral de Depósitos tiveram de ser resgatados pela "troika", pois corriam o risco de se afundarem.

A liberalização financeira, a liberdade de movimentação de capitais e as descidas abruptas da taxa de juro, trazidas pelo euro, foram uma cocaína perigosa para Portugal, e produziram uma grave crise que vai durar várias décadas a corrigir. Algo correu mesmo muito mal, para um país tão cumpridor e tão estável nas suas finanças, como Portugal foi durante mais de cem anos, acabar como está.

E, para quem acha que fomos os únicos, convém dizer que não fomos. Itália, Espanha, Grécia, Irlanda, e mesmo Áustria ou Chipre, estão parecidos. O que me leva a pensar que o problema talvez não esteja em nós, mas sim no euro, uma união monetária tão imperfeita que se transformou numa armadilha perigosa.  

publicado por Domingos Amaral às 11:47 | link do post | comentar
 

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