"O Estado deve ajudar a economia a crescer contendo a despesa".
É esta a afirmação mais forte de Passos Coelho na entrevista que dá hoje ao Jornal de Negócios, e que a publicação puxa para título de capa.
Aposto que todos os meus amigos de centro-direita assinariam por baixo, e que adoram que o primeiro-ministro diga estas coisas.
Mas, há um pequeno problema, que pelos vistos escapa a Passos Coelho e a muita gente.
É que a frase é uma enorme contradição, tanto em termos teóricos como em termos práticos, como Portugal bem demonstra nos últimos dois anos.
Vamos primeiro à teoria.
Qualquer aluno de macroeconomia, no segundo ano do seu curso universitário, sabe que a despesa do Estado aumenta sempre o crescimento económico, e que o corte na despesa do Estado diminui sempre o crescimento económico de um país.
É isto que os alunos de economia aprenderam, ao longo de muitas décadas, e não há qualquer economista considerado, em qualquer país do mundo, que ensine outra coisa.
Ou seja, na teoria económica, a frase de Passos é um aborto, nunca se "ajuda" o crescimento com cortes na despesa do Estado.
Mas, além de ser um aborto teórico, é um aborto na prática.
Veja-se por exemplo o que aconteceu em Portugal.
Em 2012, o governo decidiu fazer profundos cortes na despesa do Estado.
Cortou os subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e aos pensionistas, e cortou muitos "consumos intermédios" na despesa do Estado.
E qual foi o resultado?
Como previa a teoria económica, o resultado foi uma recessão dos diabos!
Caiu o PIB, aumentou drasticamente o desemprego, e caíram também as receitas fiscais, levando a que o deficit orçamental do Estado diminuisse muito pouco, e muito menos que o Governo desejava.
E tanto assim foi que o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, se demitiu envergonhado com os resultados.
Ou seja, o corte de 2012, ou "contenção", como lhe chama Passos, na despesa do Estado foi um brutal fiasco económico, com efeitos destrutivos sobre Portugal.
Agora vejamos o que aconteceu em 2013.
Em 2013, impedido pelo Tribunal Constitucional de repetir a dose de cortes, o Governo foi obrigado a subir muito o IRS, com o já famoso "enorme aumento de impostos".
E o que aconteceu?
Bem, o que aconteceu foi que o PIB voltou a crescer, o desemprego começou a descer, as receitas fiscais do Estado cresceram imenso, e o deficit vai reduzir muito, até podendo acontecer que Portugal consiga ficar abaixo dos 5,5% que combinou com a "troika".
Ou seja, e citando o ministro Pires de Lima, em 2013 aconteceu um "milagre económico"!
E reparem que as exportações estiveram sempre a crescer, fosse em 2012 ou em 2013, portanto não foram elas, nem as responsáveis pela queda em 2012, nem pelo aumento do PIB em 2013.
A verdade nua e crua é esta: a economia portuguesa ajustou-se muito melhor ao aumento do IRS de 2013 do que aos brutais cortes de despesa de 2012!
Isto não é uma questão de ideologia ou crença, isto são factos!
Portanto, a frase de Passos Coelho é um estranho absurdo, só explicável por uma crença política.
Ele acredita mesmo numa ideia que é um aborto teórico e num aborto prático!
É isso que é pena, pois devia haver, ao fim destes anos e com estes resultados, mais lucidez em Passos.
Se ele tivesse aprendido alguma coisa com o que se passou em Portugal, o que Passos devia dizer era: "o Estado deve ajudar a economia a crescer mantendo o IRS alto, pois era baixo demais".
Ou: "a melhor maneira do Estado ajudar a economia a crescer é não fazendo cortes à bruta na despesa".
Ou ainda: "há duas maneiras de descer um deficit, uma são os cortes na despesa, outra são os aumentos de impostos, e esta última é muito mais eficaz e não destrói tanto a economia".
Porém, Passos parece nem perceber de teoria económica, nem sequer olhar para a realidade da economia do seu país, e em 2014 vai repetir a receita de 2012, e massacrar Portugal com mais cortes de salários e pensões.
Sendo assim, como prevê a teoria e como a prática vem mostrando, é muito provável que em 2014 entremos em nova recessão.
Lá se irá o "milagre económico" de Pires de Lima para o lixo e a frase de Passos vai mostrar, mais uma vez, o esplendor do seu absurdo.