A minha profunda desilusão pessoal com Passos Coelho
Fez esta semana dois anos que Passos Coelho venceu as eleições, e dois anos chegaram para o considerar uma das maiores desilusões da minha vida política.
Conheci Passos Coelho em meados da década de 90. Eu era jornalista, n´O Independente, e a minha tarefa era dedicar-me ao Parlamento. Conversava com deputados de todos os partidos, e guardo boas recordações de muitos deles, entre os quais Passos Coelho.
À data, Marcelo liderava o PSD, Marques Mendes era presidente do Grupo Parlamentar, e tinha em Passos Coelho um fiel e dedicado vice-presidente. Na Assembleia da República, Mendes e Passos formavam uma boa dupla. Eram empenhados, lúcidos, e eram também bem dispostos.
Por várias vezes, almocei e jantei com os dois, e dava-me bem com eles. Reservando a necessária distância, imposta pelos cargos deles e pelo meu trabalho, conseguimos desenvolver uma boa relação, de respeito e estima.
No caso de Passos Coelho, formei desses tempos uma boa opinião. Era preparado, atento, e era também simpático, cordial. Além disso era, tal como Mendes, divertido, e parecia bem com a vida.
Embora os tempos nos tenham afastado, quando Passos Coelho se tornou líder do PSD, acreditei que tinha todas as características para convencer o país das suas ideias, e para chegar a primeiro-ministro de Portugal.
Para mais, o seu discurso até vencer as eleições era acutilante, verdadeiro e parecia confiável. Com o país já farto da arrogância de Sócrates, e com a situação europeia a degradar-se a olhos vistos, Passos emergia como uma solução, e pelo que conhecia dele, era fiável.
Embora me pareça que o PSD foi precipitado a rejeitar o famoso PEC IV, pois trocava um ganho de curto prazo (a derrota de Sócrates) por um sarilho de médio prazo (governar Portugal sujeito a uma resgate da troika), acreditei que Passos Coelho o fazia pelas razões que à época explicou ao país.
É fundamental relembrar isto, pois é essa a fonte da minha desilusão. Passos, até vencer as eleições, sempre defendeu que a "austeridade" era o caminho errado. Mais: prometeu não subir impostos, nem cortar salários, subsídios ou pensões!
A sua posição fundamental era a defesa intransigente de um corte na "despesa do Estado"! O seu discurso era a "reforma do Estado", o "corte nas gorduras", as "reformas estruturais", o ataque aos interesses e ao desperdício do Estado!
Inocente e iludido, como muitos, acreditei nele. Apesar de Portugal já ter vistos dois filmes semelhantes, pois tanto Barroso como Sócrates tinham prometido não subir os impostos e depois fizeram-no; apesar disso, eu acreditei que Passos Coelho seria diferente, que se ia manter fiel às suas promessas e às suas prioridades.
Quando tomou posse como primeiro-ministro, interpretei o "ir para além da troika" como ambição reformista, e desejo de alterar mais regras e comportamentos no Estado, para além do que já estava combinado com a "troika". Nunca me passou pela cabeça que esse "ir além da troika" fosse o que veio a ser.
Nos meses seguintes, já sentado em São Bento, Passos Coelho deu a maior cambalhota política a que Portugal assistiu e fez tudo ao contrário do que prometera.
Prometera não subir impostos e subiu! Prometera não cortar subsídios e cortou! Prometara não cortar salários e cortou! E prometera cortar a sério na despesa do Estado, reformando-o, e...não cortou, nem o reformou em quase nada.
Ou seja, fez o que prometera não fazer e não fez o que prometera fazer!
Para além disso, e para minha grande surpresa, alinhou a 100 por cento pelas teorias da Sra Merkel, impondo alegremente uma "austeridade violenta", e acreditando com a fé de um fanático que isso ia dar bom resultado.
Para quem o conhecia pessoalmente, como eu conhecia, e para quem criara boas expectativas sobre ele, como eu criara, esta conjugação de faltar à palavra, executar piruetas políticas, revelar fezadas infantis e mostrar puras incompetências, danificaram de forma absoluta a ideia que tinha dele.
Hoje, posso dizer que Passos Coelho me enganou, me desiludiu e considero-o mais um político em que não confio, porque não tem palavra, não tem lucidez e não tem competência para o lugar que ocupa.
Mas, o mais grave não é isso, nem a minha desilusão pessoal é muito relevante para Portugal. O mais grave é que Portugal julgou que, ao livrar-se de Sócrates ia para melhor, e foi para pior.
Passos Coelho colocou Portugal num buraco negro bem mais fundo do que aquele que já existia. A recessão é profundíssima, o desemprego assustador, a dívida colossal.
É verdade que a culpa não é só dele. Merkel, Schauble, Rehn e Gaspar são igualmente responsáveis pela desgraça que assola a Europa e Portugal.
Mas, desses eu nunca esperei grande coisa. Nunca me iludiram e, portanto, nunca me desiludiram.