Sócrates, guerra e paz
José Sócrates veio de Paris para trazer a guerra política a Portugal. Ontem, na RTP, foram feitas verdadeiras declarações de guerra, contra os inimigos do costume e outros. Cavaco, Passos, Seguro, "a direita" em geral, que se cuidem, que ele não brinca em serviço e ataca com contundência.
O principal problema de Sócrates não é porém o que ele diz, mas o que ele é, ou representa. Com o seu estilo agreste, tenso e conflituoso, Sócrates não gera emoções positivas, embora nos dê que pensar. É um estranho alimento para o cérebro, mas não para o coração.
O vínculo emocional com a maioria dos portugueses já se quebrou, e não é com prestações como a de ontem que se recupera. As pessoas ouvem Sócrates, mas dificilmente simpatizam com ele. Estão ainda cansadas do personagem, desgatadas pela sua passagem pelo poder. Não passou tempo suficiente para as emoções se reinventarem.
Sócrates parece uma espécie de ex-marido que tem razão em muito do que diz, mas de quem a mulher já não consegue gostar. Pode temê-lo, ou mesmo respeitá-lo, mas já não o ama, nem o quer.
Contudo, Sócrates tem razões, e várias. Tem razão quando diz que foi a crise financeira de 2008 que castigou em demasia a economia portuguesa. Tem razão quando diz que fez tudo para evitar o resgate a Portugal, ao contrário do PSD e de Cavaco, que para o atirarem abaixo defenderam o resgate. E tem razão quando diz que foi o chumbo do PEC IV que precipitou o resgate.
Além disso, tem também razão quando diz que o PSD alterou profundamente o memorando negociado com a troika, e que foi isso que precipitou a recessão; ou quando diz que a dívida pública já subiu mais com o PSD, entre 2011 e 2012, do que com ele, entre 2008 e 2010.
Porém, ter razão em muitas questões de fundo não altera nada. A verdade é que Sócrates nunca conseguiu convencer nem os portugueses, nem os outros partidos ou o Presidente da República, das suas razões, e por isso foi derrotado nas eleições. A sua capacidade de liderança e de persuasão estava completamente esgotada em finais de 2010, e ter razão não lhe valeu de nada.
Um político ou um líder só são bons, não quando têm razão, mas quando conseguem convencer o seu povo a segui-los, independentemente de terem ou não razão. E isso Sócrates deixou de conseguir. Tinha cometido demasiados erros, e tratado mal tanta gente, que os portugueses estavam cansados dele, e já não o desejavam a conduzir os destinos do país. Por isso perdeu.
É evidente que um país no estado em que está, muito pior do que quando Sócrates saiu, lhe dá uma oportunidade imprevista e imprevisível. Mas, não nos iludamos. Ele continua a ser a mesma pessoa de sempre. E ter razão não muda nada.
Se ontem Sócrates, em vez de perder tempo com ataques menores a certos jornais ou certos assessores, tivesse reconhecido mais erros próprios, e sobretudo se tivesse mudado o registo agreste e conflituoso em que fala, talvez as emoções dos portugueses fossem diferentes. Assim, foi mais do mesmo. Igual a si próprio, em guerra com tudo e com todos. E Portugal neste momento não precisa de mais guerra, precisa de calma.
Sim, quando estamos dentro de um buraco, é preciso deixar de escavar. Mas também é preciso deixar de andar aos berros e à estalada com todos, e isso Sócrates não consegue. Veio de Paris para trazer a guerra, mas esbarra com um país que não a deseja.