Terça-feira, 17.12.13

Draghi acabou com as esperanças de Passos?

Sem ser muito específico, Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, foi ontem taxativo quando disse que Portugal precisará de outro programa quando acabar o programa da "troika".

O que quer isto dizer? Se bem entendi as palavras de Draghi, isto significa que ele não acredita numa solução à irlandesa, numa "saída limpa", direta para os mercados.

Portugal, apesar da melhoria da situação económica e sobretudo financeira, não terá ainda em Junho capacidades para andar pelo seu próprio pé, e portanto vai precisar de algum tipo de ajuda.

Na verdade, se formos mais precisos, teremos de reconhecer que Draghi não afasta totalmente a possibilidade de um segundo resgate, mas é suficientemente subtil para não abrir a porta a mais especulações.

Portanto, o mais provável, para o presidente do BCE, é Portugal precisar do chamado "programa cautelar", uma espécie de assistência do BCE às idas ao mercado para vender dívida.

Quais serão as regras desse programa, ainda ninguém sabe, e foi essa uma das razões porque a Irlanda quis seguir sozinha, temendo a confusão europeia.

É provável que Portugal não consiga fazer o mesmo, mas talvez seja ainda cedo para ter certezas.

Daqui até Junho ainda muita água vai correr.

Mas, se assim for e Portugal tiver necessidade de um programa cautelar, será apenas uma meia vitória para o Governo de Passos.

Sair do programa da troika é uma vitória política, mas seguir para um cautelar é menos bom, pois continuará a austeridade forte.

publicado por Domingos Amaral às 11:07 | link do post | comentar
Terça-feira, 13.08.13

A Espanha está um gaspacho azedo

A Espanha parece um gaspacho que não pára de azedar. 

O tomate usado é velho: a monarquia não tem crédito, com um rei idoso, adúltero e sem tino, que esbanja dinheiro a caçar elefantes.

A cebola é demasiado verde: os príncipes não encantam e choramingam em público, e os maridos das princesas foram apanhados em crimes de vários tipos.

O azeite vem sempre ao de cima: a Catalunha rosna, quase todos os meses, exigindo a independência.

O pepino sabe mal: os bancos, até há cinco anos imperiais e globais, estão a ser resgatados pela Europa, falidos e sem reputação.

A salsa está curta: as autonomias, fórmula mágica para manter o reino unido, endividaram-se até acima das orelhas, e nem piam.

Para mais, o cozinheiro Rajoy não tem habilidade. No poder para cumprir as diretizes austeritárias da Europa, afundou a economia na recessão.

E, pior do que isso, já o chamam de mentiroso, por causa de um tesoureiro corrupto do PP.

É um "chef" sem brilho, limita-se a manter o restaurante aberto.

Para ajudar à festa, renasce o problema de Gibraltar, a pedra de gelo que faltava na sopa, e que só agudiza o mau sabor.

Por causa do rochedo, eternamente mal resolvido, há chispas sérias com o Reino Unido.

E o desemprego, a pimenta amarga da economia, embora tenha descido um pouco no Verão, está como nunca se tinha visto, principalmente entre os jovens e os imigrantes vindos do sul.

Mas nós, portugueses, temos de provar esta sopa.

Espanha é e será sempre o principal parceiro de Portugal, e qualquer salmonela que lá assente arraiais pode contaminar-nos.

Se este gaspacho se estraga mesmo, a Europa bem que pode começar a rezar.

publicado por Domingos Amaral às 13:06 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Segunda-feira, 08.04.13

As crises da dívida são como o teatro: aí está o 3º acto!

Aqui há uns meses, escrevi neste blog um post em que comparava as crises da dívida ao teatro ou à ópera, pois têm sempre uma estrutura em 3 actos, como esses espectáculos culturais. 

O primeiro acto é o "incidente inicial", que em Portugal foi o pedido de resgate, feito precisamente há dois anos. É o pico inicial da crise, com os seus culpados e os seus defensores, com muita trapalhada e eleições, normalmente com um novo governo que diz muito mal do anterior, e promete fazer tudo bem para o futuro.

Em 2011, Passos Coelho não só derrubou Sócrates prometendo acabar com a austeridade, como prometeu ir muito para além do memorando da troika, inventando um novo país, bem gerido e cumpridor!

O segundo acto, tal como no teatro, é passado em enormes dificuldades, de mini-crise em mini-crise, mas com a situação económica sempre a piorar.

O Governo vai aplicando mais e mais austeridade, a economia vai definhando, a dívida e o desemprego crescem, e o país vai-se cansando cada vez mais desta crise e deste governo.

Por cá, foram óbvias as mini-crises. Primeiro, foi o primeiro veto do Tribunal Constitucional, em 2012, seguiu-se a crise da TSU, e agora viveu-se mais uma mini-crise, com o segundo chumbo do Tribunal Constitucional.

O ambiente está de cortar à faca, e a situação piora a olhos vistos, tanto cá dentro como lá fora. Como era esperado, o "mau da fita", o sr. Schauble, já veio dizer que Portugal tem é de cortar mais e que não espere simpatia dos credores!

Estamos pois a entrar em pleno 3º acto da crise. Tal como no teatro é aqui que se vai viver o climax desta história. Com a situação económica sempre a piorar, o Governo vai implementar mais austeridade, vai cortar mais na despesa, os credores vão endurecer a posição, e Portugal vai passar de "bom aluno" a "mau aluno".

A situação de crise económica e social ameaça tornar-se insustentável, e a crise política vai ser permanente, com um Governo cada vez mais incapaz de resolver o que quer que seja, e com a população enfurecida com ele.

E, um dia destes, a coisa estoira. E estoira à séria. É evidente que ainda ninguém sabe qual será o final, mas prevejo que vai dar-se uma mega-crise política, e também uma mega-crise económica, que pode passar ou por um segundo resgate, ou mesmo por uma saída do euro no espaço de um ou dois anos.

Infelizmente para todos nós, o guião desta peça de teatro já estava escrito há muito tempo e nós não nos afastámos muito do que tem acontecido por esse mundo fora nos países a quem é imposto um ajustamento deste tipo. É sempre o mesmo filme: a violência da austeridade violenta as sociedades e eles revoltam-se!

Em 120 ajustamentos feitos pelo FMI nos últimos 50 anos, apenas 19 tiveram resultados mais ou menos safisfatórios, e sempre em casos que era possível desvalorizar a moeda do país, como se passou em Portugal em 1983. 

Ao contrário do que dizem os "falcões da austeridade", como a Sra Merkel e o sr. Schauble, o sr. Rehn ou o sr. Barroso, os senhores Passos e Gaspar, bastava olhar para a história económica do último século para saber que esta "onda austeritária" que varre a Europa ia acabar mal, muito mal.

Um a um, a austeridade está a empurrar os países para uma catástrofe, e se não parar depressa vai levar com ela a Europa e o euro.

Nós portugueses, somos apenas mais uma vítima desta decisão europeia de castigar os devedores com austeridade e proteger os ricos credores de qualquer perda. O que se está hoje a passar em Portugal, é mais um episódio da saga "Como Destruir o Euro com a Austeridade", que pode ver num teatro grátis perto de si, ou seja, todas as noites ao vivo na televisão.  

Como somos um país inculto em economia, passamos o tempo a discutir os draminhas da paróquia, quem tem culpa do quê e outras coisas do género. A culpa é do Sócrates, do Cavaco, do Gaspar e dos Passos, do Estado que é grande demais, dos portugueses que viveram acima das suas possibilidades, dos bancos que emprestaram demais, etc, etc, etc. E todos têm razão, e têm as suas razões e as suas culpas.

Porém, há uma coisa que os portugueses deviam perceber. Portugal, e muitos outros países da Europa, têm dois problemas pela frente. O primeiro chama-se Alemanha, pelas condições que impôs desde o início ao funcionamento do euro. E o segundo chama-se Alemanha, pelas regras draconianas que impôs aos "programas de resgate", obrigando a que o ajustamento fosse feito só pelos devedores e não também pelos credores. 

Portanto, podemos ir zangando-nos todos uns com os outros cá na paróquia que não mudamos o essencial. Enquanto a Alemanha impuser aos outros país as suas regras de austeridade, não há saída para o problema.

Esta peça de teatro só tem dois fins: ou a Alemanha muda a sua orientação e aceita um perdão geral e substancial das dívidas dos países pequenos, ou vários países terão de sair do euro. O resto é conversa para entreter...

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:39 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Quinta-feira, 28.03.13

Sócrates, guerra e paz

José Sócrates veio de Paris para trazer a guerra política a Portugal. Ontem, na RTP, foram feitas verdadeiras declarações de guerra, contra os inimigos do costume e outros. Cavaco, Passos, Seguro, "a direita" em geral, que se cuidem, que ele não brinca em serviço e ataca com contundência.

O principal problema de Sócrates não é porém o que ele diz, mas o que ele é, ou representa. Com o seu estilo agreste, tenso e conflituoso, Sócrates não gera emoções positivas, embora nos dê que pensar. É um estranho alimento para o cérebro, mas não para o coração.

O vínculo emocional com a maioria dos portugueses já se quebrou, e não é com prestações como a de ontem que se recupera. As pessoas ouvem Sócrates, mas dificilmente simpatizam com ele. Estão ainda cansadas do personagem, desgatadas pela sua passagem pelo poder. Não passou tempo suficiente para as emoções se reinventarem.

Sócrates parece uma espécie de ex-marido que tem razão em muito do que diz, mas de quem a mulher já não consegue gostar. Pode temê-lo, ou mesmo respeitá-lo, mas já não o ama, nem o quer. 

Contudo, Sócrates tem razões, e várias. Tem razão quando diz que foi a crise financeira de 2008 que castigou em demasia a economia portuguesa. Tem razão quando diz que fez tudo para evitar o resgate a Portugal, ao contrário do PSD e de Cavaco, que para o atirarem abaixo defenderam o resgate. E tem razão quando diz que foi o chumbo do PEC IV que precipitou o resgate.

Além disso, tem também razão quando diz que o PSD alterou profundamente o memorando negociado com a troika, e que foi isso que precipitou a recessão; ou quando diz que a dívida pública já subiu mais com o PSD, entre 2011 e 2012, do que com ele, entre 2008 e 2010.

Porém, ter razão em muitas questões de fundo não altera nada. A verdade é que Sócrates nunca conseguiu convencer nem os portugueses, nem os outros partidos ou o Presidente da República, das suas razões, e por isso foi derrotado nas eleições. A sua capacidade de liderança e de persuasão estava completamente esgotada em finais de 2010, e ter razão não lhe valeu de nada. 

Um político ou um líder só são bons, não quando têm razão, mas quando conseguem convencer o seu povo a segui-los, independentemente de terem ou não razão. E isso Sócrates deixou de conseguir. Tinha cometido demasiados erros, e tratado mal tanta gente, que os portugueses estavam cansados dele, e já não o desejavam a conduzir os destinos do país. Por isso perdeu.

É evidente que um país no estado em que está, muito pior do que quando Sócrates saiu, lhe dá uma oportunidade imprevista e imprevisível. Mas, não nos iludamos. Ele continua a ser a mesma pessoa de sempre. E ter razão não muda nada.

Se ontem Sócrates, em vez de perder tempo com ataques menores a certos jornais ou certos assessores, tivesse reconhecido mais erros próprios, e sobretudo se tivesse mudado o registo agreste e conflituoso em que fala, talvez as emoções dos portugueses fossem diferentes. Assim, foi mais do mesmo. Igual a si próprio, em guerra com tudo e com todos. E Portugal neste momento não precisa de mais guerra, precisa de calma.

Sim, quando estamos dentro de um buraco, é preciso deixar de escavar. Mas também é preciso deixar de andar aos berros e à estalada com todos, e isso Sócrates não consegue. Veio de Paris para trazer a guerra, mas esbarra com um país que não a deseja. 

 

publicado por Domingos Amaral às 12:18 | link do post | comentar | ver comentários (11)
 

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