Quinta-feira, 29.01.15

Os radicais do Syriza e os outros radicais

Por vezes, as palavras têm significados que são um bocado enganadores.

O Syriza, por exemplo, chama-se a si mesmo "radical", e portanto toda a gente o posicionou como tal.

No entanto, se virmos as suas primeiras medidas que já foram anunciadas, não se podem considerar muito radicais.

Despedir os assessores dos ministérios e voltar a empregar as senhoras da limpeza que haviam sido despedidas, não é uma coisa nem muito radical, nem muito custosa.

Suspender a privatização de uma ou duas empresas públicas não é propriamente uma medida radical, houve vários países europeus que suspenderam, ou adiaram, privatizações.

Repor o salário mínimo para o valor que tinha antes da troika chegar à Grécia, só pode ser considerada uma medida radical se usarmos o mesmo termo para caracterizar a anterior descida.

Quem foi mais radical? A "troika", que desceu o salário mínimo em 30% ou o Syriza, que o sobe no mesmo montante?

 

E é precisamente esse o ponto da minha argumentação: hoje, de tão habituados que estamos a certas medidas que têm o apoio da Europa, já nem as consideramos radicais.

Por exemplo, cortar os subsídios de Natal e Férias em 2012, foi uma medida radical?

Eu acho que foi muito radical e exagerada, bem mais que a subida do salário mínimo do Syriza.

E cortar fortemente os salários dos funcionários públicos, mais de 10% em muitos casos, é radicalismo ou é um "mal necessário"?

E cortar fortemente as pensões, é uma política radical?

Eu acho que é, muito mais do que suspender as privatizações de uma ou duas empresas na Grécia.

E realizar um "aumento brutal" de impostos, como fez Vítor Gaspar, é uma política radical?

Eu acho que é bem mais radical do que readmitir 600 empregadas de limpeza...

 

A verdade é esta: nos últimos anos, as políticas de austeridade foram muito radicais, muito extremadas, muito violentas. Nunca na história de várias democracias se tinha ido tão longe.

Os programas de ajustamento das "troikas" é que foram muito radicais e brutos.

Porém, como foram governos de direita, ou de centro-esquerda, que as levaram à prática, isso nunca foi considerado "radical".

Como eram pessoas de fato e gravata, muito sérias, que os impunham, não eram "radicais".

Porém, agora que o Syriza chegou ao poder, eles é que são os "radicais".

Não por causa do que fazem, mas porque se chamam assim, ou porque têm filhos chamados Ernesto, em homenagem ao Che Guevara.

 

As percepções são importantes, bem sei, mas a verdade é que até agora, ainda não vi muito radicalismo nas propostas do Syriza.

Se isto é Che Guevara, vou ali e já venho.

O Syriza e as suas propostas de ontem vão contra a corrente de pensamento dominante, isso é verdade, mas isso não quer dizer que sejam radicais.

Mesmo a conversa sobre o perdão da dívida, é tudo menos radical.

Já houve centenas de países, em muitos momentos históricos, que tiveram perdões de dívida, e nada de muito grave se passou.

 

publicado por Domingos Amaral às 10:22 | link do post | comentar
Segunda-feira, 26.01.15

O Syriza é um filho bastardo da Sra Merkel, mas não é um monstro

Quando a direita é torta e pouco inteligente, a esquerda aproveita bem.

Há anos que isto estava escrito no destino.

A teimosia e o egoísmo da direita europeia geraram o Syriza.

O partido grego que acabou por vencer, e bem, é um filho bastardo da Sra. Merkel.

A mãe da austeridade, de tanto obrigar os povos ao sacrifício, gerou bastardos revoltados e zangados.

É isso que sempre acontece quando as pessoas são obtusas.

 

Ao longo de cinco anos, entre 2009 e 2014, a direita europeia impôs uma política exagerada, errada e contraproducente.

Merkel, mas também Sarkozy, Oli Rehn, Trichet, Rajoy, Samaras, Passos Coelho e outros, aplicaram com entusiasmo políticas de austeridade duríssimas.

A Grécia, a Irlanda, Portugal, mas também a Espanha, a Itália, a França, até a Holanda, foram obrigadas a cortes violentos nas despesas e a uma cura de emagrecimento forçada, mas supostamente salvífica e redentora.

 

Nunca se chegou à terra prometida dos austeritários.

A Europa veio de crise em crise, desde 2009 que não sai dela.

Porém, a direita europeia não admite que esse podia não ser o melhor caminho.

Mais do que isso: a Sra Merkel quis mesmo impedir todos os avanços positivos que ainda se iam conseguindo.

O Mecanismo Europeu de Estabilização, a União Bancária, a intervenção do BCE, foram sempre adiados, sabotados ou fortemente criticados pela Alemanha.

Ao longo de cinco anos, Merkel só tinha uma resposta para tudo: austeridade e reformas estruturais.

 

Tudo lhe saiu furado. As economias nunca recuperaram e as sociedades começaram a reagir.

Na Grécia, Itália, Espanha, França, até na Alemanha e no Reino Unido nasceram movimentos políticos hostis.

Já em 2014, em Maio, quando se deram as eleições europeias, era evidente que algo estava em curso.

A crise saltara das finanças para a economia, e agora saltava desta para a política.

Estavam a nascer os filhos bastardos da austeridade. 

Porém, a sra Merkel e os seus "boys", como Rajoy ou Passos, enfiaram a cabeça no chão, como a avestruz.

 

Fatalmente, um dia algo iria acontecer, e esse dia foi ontem.

A partir de agora, há uma alternativa à austeridade. 

Os povos zangados podem unir-se e obrigar a mãe a concessões.

Na dívida pública, no fim da austeridade, na união política, há muito a fazer para consertar os danos que Merkel e seus "muchachos" provocaram.

 

E descansem as almas mais sensíveis: o euro não vai acabar.

Isso é a conversa do costume, a chantagem do "não há alternativa", do "tem de ser". 

Estão errados. O Syriza vai surpreender, e a Europa vai mudar para melhor. 

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 10:19 | link do post | comentar
Terça-feira, 20.01.15

Soares é o bisavô zangado e rezingão que está ao canto da sala

Desde que deixou de ser Presidente da República, há quase vinte anos, que a carreira política de Mário Soares entrou em lenta, mas permanente, decadência.

Depois das candidaturas falhadas ao Parlamento Europeu e a Belém, Soares limita-se a intervir na vida política através das palavras.

Fala, fala muito, fala sobre tudo e sobre nada, e usa um radicalismo verbal que espanta em muitos casos.

Desta vez, atacou Cavaco Silva, chamando-lhe "salazarista convicto"!

 

 

Nem vale a pena tentar racionalmente explicar esta adjectivação, mas vale a pena constatar que é mais um remate ao lado.

Sim, doutor Soares, mais uma vez falhou o golo.

É que, se há coisa que Cavaco não tem sido, é salazarista!

Salazar mandava em Portugal, tinha convicções profundas, dava ordens graves, mantinha o regime controlado pelo seu pulso de uma forma autoritária, perseguindo os inimigos.

Cavaco salazarista? Nada mais longe da verdade.

Não manda, pouco influencia, fala mal, tem intervenções infelizes, perdeu carisma, autoridade e influência.

Ou seja, tudo ao contrário de Salazar. 

 

Como arma política, as diatribes do doutor Soares são cada vez mais ineficazes.

Ele, que nos seus tempos foi um político hábil, contundente, certeiro, capaz de arrastar multidões atrás de si, hoje não é nada disso, e limita-se a parecer um incontinente verbal, que não fica calado porque não quer.

Ora, dá-me a sensação que, não só Soares perde muito do seu prestígio, como parece violentamente frustrado com o facto de ter envelhecido.

A ideia que fica é que ele não lida bem com a ausência de poder que hoje tem, e por isso tem de ser cada vez mais radical nas suas palavras para ser ouvido.

Se eu berrar com mais força, pode ser que alguém me oiça, parece ser essa a estratégia permanente de Soares.

 

A verdade é que isso não resulta.

Ninguém muda os seus comportamentos políticos só por causa dos "soundbites" de Soares.

Nem no PS, nem no resto do país.   

Há quem já não o suporte, há quem ainda tenha ternura por um velho combatente, mas para a maior parte das pessoas este radicalismo verbal, esta matraca que não pára, é apenas ligeiramente incómodo.

Soares é o bisavô zangado e mal disposto, que está sentado ao canto da sala que é a democracia portuguesa.

As pessoas ouvem os seus berros, e depois encolhem os ombros, como quem diz: pronto, lá está ele outra vez com as manias dele.

Apetece perguntar: já bebeu o seu chá, já fez o seu xixizinho?

Então porque é que está tão maldispostinho, bisavô Soares?

Vá lá, está aqui a sua bengala, vamos dar um volta ao jardim, apanhar sol...

 

Churchill disse um dia que, em democracia, todas as carreiras políticas acabam mal, pois ou acabam com uma grande derrota, ou acabam com a morte.

Esqueceu-se de dizer que podem acabar também como a vida de muitas pessoas, que envelhecem devagar e lentamente, castigando-nos com berrarias exageradas e caprichos inúteis, que nós somos forçados a aturar.

 

publicado por Domingos Amaral às 10:21 | link do post | comentar | ver comentários (12)
Segunda-feira, 19.01.15

É um drama o Syriza ganhar as eleições na Grécia?

O melodrama da Grécia tem sido sempre um enorme exagero.

Como pode uma economia que vale apenas 2% da zona euro colocar tudo em causa?

É assim como se a questão de saber quem governa a Madeira fosse essencial para Portugal.

Ora, como se sabe, Jardim e o PSD governaram a Madeira durante décadas e o resultado foi ainda pior do que o continente, com uma dívida colossal.

Mas, a dívida da Madeira valia pouco, no total da dívida portuguesa, e o mesmo se passa com a Grécia.

Os seus milhões de euros de dívida são uma gota de água no oceano das dívidas públicas de todos os países europeus.

 

Enão, porque é que que a Grécia é tão importante, e há tanto melodrama à volta dela?

A verdade é esta: a Grécia é importante porque o país pode estar à beira de desafiar o pensamento único europeu (leia-se alemão)!

Como sabemos, a Sra Merkel impôs uma linha dura e austeritária à Europa, desde 2010, e a Grécia foi a primeira a levar com essas medidas draconianas.

Merkel queria o sacrifício dos devedores, e não admitiu até hoje qualquer desvio da linha original.

Austeridade para cima dos gregos, nada de reestruturar dívidas, nada de mutualizar dívidas na Europa, e nada de aumentar a despesa pública nos países com dívidas grandes.

 

Infelizmente para todos nós, esta dieta não produziu grandes resultados, pelo contrário.

A austeridade provocou recessão, desemprego, e os países em vez de diminuírem as dívidas, aumentaram-nas!

Devido à austeridade da Sra Merkel, a Europa afocinhou na recessão e na deflação.

Pior: por todo o lado, os movimentos políticos extremistas estão em crescimento.

Na Inglaterra, em Espanha, em França, em Itália, na Grécia, mesmo na Alemanha, crescem os partidos que não aceitam a via oficial germânica, e aumentam os radicalismos nacionalistas, e os desejos contra o euro.

 

O Syriza, que a Sra Merkel tanto despreza, é um filho bastardo da própria Sra Merkel.

Foi à conta da austeridade, da recessão e do desemprego gregos que o Syriza medrou e cresceu.

É um filho revoltado, e como costuma acontecer nesses casos, a sua revolta é contra os pais, ou neste caso a mãe.

Embora nos últimos tempos, prestes a vencer as eleições, o Syriza tenha moderado o seu discurso, a verdade é que pela primeira vez pode chegar ao poder um contestarário do discurso oficial.

 

E, regresso à pergunta de partida, qual a gravidade disso?

É evidente que isso é grave...para os paizinhos da austeridade.

Pela primeira vez, alguém os pode obrigar a mudar um pouco a política, e a terem de gramar com alguém que não pensa como eles, e quer fazer as coisas de forma diferente.

Um herético no poder, pensa a sra Merkel? Pode lá ser! Isso é inaceitável!

Porém, a democracia é assim, e se o Syriza lá chegar, é com ele que Merkel e a Europa terão de negociar.

 

Será isso que se passará em seguida: uma negociação entre o frágil Syriza e a toda poderosa Merkel.

É evidente que quem pensa que o Syriza conseguirá mudar muito as coisas, deve baixar as expectativas.

Negociar na Europa não será fácil, mas também não é drama nenhum.

É bom que os políticos europeus se habituem a isso, a ter de negociar com quem, em cada país, é eleito pelo seu povo.

E é bom também que os eleitos em cada país se habituem a isso, a ter de negociar com a Europa, neste caso com a Sra Merkel.

 

A democracia é negociação permanente, e só pode ser positivo que alguém, na Europa, obrigue a Sra Merkel a negociar, coisa que ela pouco fez nos últimos tempos.

Desta vez, terá de negociar com o seu filho bastardo.

Pode não ser agradácel para ela, mas também não é o fim do mundo. 

publicado por Domingos Amaral às 10:24 | link do post | comentar
 

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