Sexta-feira, 09.05.14

Passos Coelho e a esquizofrenia dos impostos

Na última semana, fiquei completamente baralhado com as variadas e contraditórias declarações de Passos Coelho sobre os impostos.

Num dia, o Governo apresenta um documento onde revela as subidas do IVA e da TSU.

No mesmo dia, Passos Coelho declara que "os impostos não vão aumentar".

Uns dias depois, o Governo faz saber que admite descer o IRS em 2015.

Há notícias de que o facto é "escondido" ao FMI, mas que o Governo tem mesmo essa ideia, no âmbito da reforma fiscal que está a ser preparada.

Elementos do CDS fazem saber que essa é uma óptima notícia.

A seguir, há mais notícias de que Passos quer mesmo descer o IRS, mas no mesmo dia, ou seja hoje, o primeiro-ministro declara na Assembleia da República que, se o Tribunal Constitucional não deixar passar certas medidas, os impostos terão de subir.

Em que é que ficamos?

Sobem, descem, ficam na mesma, ou tudo ao mesmo tempo?

Com tanta mudança de ideias, não admira que a questão dos "impostos" já seja uma esquizofrenia que ninguém entende.

Provavelmente, já nem o Governo sabe o que irá acontecer...

 

publicado por Domingos Amaral às 16:45 | link do post | comentar
Segunda-feira, 05.05.14

Uma saída limpa mas sem brilho político

A "saída limpa" do programa de assistência é uma vitória política do Governo.

Há seis meses, poucos acreditavam que era possível, mas foi.

É claro que a conjuntura internacional ajudou, mas o Governo fez o seu papel, e geriu bem as expectativas dos mercados financeiros.

E pronto: o "regresso aos mercados", o grande objectivo de Passos Coelho, que ele apregoa desde 2011, está cumprido.

Foi para isto que o Governo trabalhou e tudo fez, mesmo o que fez muito mal.

 

No seu estilo político de "gestão por objectivos", Passos Coelho atingiu o objectivo a que se propôs, mas já todos perceberam que um país não é uma empresa.

Pelo caminho, muita coisa se perdeu, e muita coisa correu mal, e Passos, que colocou o imperativo financeiro à frente de todos os outros, só tardiamente percebeu que os caminhos escolhidos foram, muitas vezes, errados e exagerados.

Só assim se compreende que agora, à pressa, o Governo venha anunciar para 2015 o início da reposição de salários e pensões, como se fosse possível passar uma esponja e apagar o que aconteceu.

 

A verdade é esta: para regressar aos mercados não era preciso austeridade tão violenta como a que foi praticada, sobretudo em 2011 e 2012.

Bastaria este Governo ter subido o IRS muito, como fez em 2013 com bons resultados, e tudo teria sido mais fácil.

Em vez de andar a fazer experimentalismos fanáticos nos cortes nos salários e nas pensões, que pelos vistos vão ser todos repostos, o Governo teria tido muito mais sucesso se tivesse optado por uma estratégia mais "light".

2013 e 2014 são a prova dos nove que é possível ter crescimento económico com o IRS alto, e o déficit do Estado a diminuir, o que é o mais importante.

 

Mas, os caminhos foram outros, e agora Passos percebe que o país, embora lhe reconheça o objetivo atingido, não lhe perdoa as violências austeritárias.

Se o PS tivesse um líder mais forte, as europeias seriam uma verdadeira hecatombe para o Governo, e para a Aliança PSD-CDS.

Porém, como a esquerda permenece dividida e mal liderada, não há onda que eleitoral que varra o "regresso aos mercados".

A coligação poderá pois aguentar mais um ano, e terá algum tempo para recuperar.

Mas, sem qualquer emoção.

Passos, com o seu estilo duro e antipático, sempre a dar más notícias, já saiu do coração dos portugueses e não é dando "borlas" como o dia 17 de Maio que os vai recuperar.

A vitória do "regresso aos mercados" é uma vitória sem brilho político, e dificilmente será uma arma eleitoral poderosa.

É uma "saída limpa", mas politicamente é um tiro de pólvora seca. 

publicado por Domingos Amaral às 11:17 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Quarta-feira, 26.02.14

Subir o IRS foi bom para a economia portuguesa

Os números da execução orçamental, que ontem foram revelados, são contundentes: a receita fiscal subiu bastante, e a despesa desceu pouco.

Ou seja, o deficit está claramente a diminuir porque as receitas dos impostos estão a subir, o que é muito bom sinal.

Ao contrário do que dizem a direita e a esquerda portuguesa, que nisso têm a mesma opinião, a subida de impostos foi boa para economia, e não má.

A economia portuguesa adaptou-se muito melhor à subida de impostos de 2013 e 2014, do que aos cortes profundas na despesa de 2012.

 

É evidente que esta realidade é impopular.

À direita, é muito mais popular dizer que se deve cortar na despesa e descer os impostos.

É o que dizem Passos Coelho e Portas, e os seus fiéis estão totalmente de acordo.

À esquerda comete-se erro semelhante.

Seguro ataca o Governo porque subiu os impostos, e ataca o Governo porque cortou na despesa.

Não quer nem uma coisa, nem outra, o que é absurdo.

Estão ambos errados.

 

A direita convenceu-se que é sempre melhor cortar na despesa e baixar os impostos, e não olha para a realidade dos números.

A verdade é que o corte profundo na despesa, realizado em 2012, com cortes dos subsídios e das despesas intermédias, provocou efeitos desastrosos em Portugal.

A recessão instalou-se, o desemprego cresceu muito, houve uma profunda quebra das receitas fiscais, e tudo parecia perdido.

Porém, com a forte subida do IRS em 2013, o que se verificou?

A economia voltou a crescer, o desemprego começou a baixar, as receitas fiscais subiram, e o deficit diminui muito mais!

A conclusão devia ser óbvia: a economia portuguesa absorveu muito bem a subida de impostos, e saiu da crise mais rapidamente.

 

É lamentável que ninguém aceite este facto, e que a direita passe os seus dias a dizer que vai descer os impostos e cortar mais na despesa, o que seria grave para a economia, e a esquerda passe os seus dias a dizer que quer aumentar a despesa e cortar os impostos, o que seria igualmente grave.

Ninguém parece perceber que os portugueses preferem pagar mais impostos e não executar tantos cortes nas despesas, nos salários ou nas pensões.

Ou seja, os portugueses estão dispostos a pagar mais impostos para manterem o Estado Social como está.

É essa a conclusão desta crise, e esquerda e direita deviam percebê-lo. 

Mas, é sempre mais popular dizer que se quer descer impostos ou aumentar despesa, e os políticos que temos caiem sempre nessa tentação da popularidade fácil e rápida. 

A verdade é que, se desde 2004 tivessemos todos pago mais impostos, o país não tinha acumulado os deficits que acumulou...

publicado por Domingos Amaral às 10:42 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Sexta-feira, 24.01.14

As estatísticas são como os biquinis, mostram muito, mas não mostram tudo...

Nas últimas semanas, várias têm sido as estatísticas positivas divulgadas sobre a economia portuguesa.

O PIB cresceu, sobretudo no último trimestre de 2013.

O desemprego diminuiu, tendência que se notou ao longo do segundo semestre do ano passado.

A receita fiscal subiu muito, em especial a do IRS e do IRC, embora a do IVA tenha crescido pouco.

O deficit vai ficar abaixo dos 5,5% do PIB, combinados com a troika, o que revela capacidade de contenção e cumprimento de objectivos.

As exportações continuam a subir, embora as importações tenham também subido um pouco.

Este somatório de estatísticas positivas não deve ser ignorado, mas também é preciso perceber um pouco melhor porque isto acontece, e qual o verdadeiro impacto na vida dos portugueses.

 

As estatísticas são como os biquinis, mostram muito, mas não mostram tudo...

É verdade que o PIB cresceu, e isso é bom, mas o crescimento é ainda muito pequeno, frágil e há dúvidas se está bem sustentado. 

Crescemos porque houve mais turismo, mais exportações, mais consumo, mas não porque tenha existido mais investimento durante 2013.

O modelo económico português continua o mesmo, e se os estrangeiros não puxarem por nós, é sempre difícil crescer.

Além disso, os cortes orçamentais previstos para 2014, como avisou ontem a Universidade Católica, vão travar o crescimento e podem mesmo contraí-lo.

 

É evidente que a queda do desemprego é o número mais relevante, pela importância social e indivdual que tem, mas há dúvidas sobre se ele cai porque há mais emigração, ou se há mesmo mais emprego a ser criado. 

De qualquer forma, uma taxa de desemprego nos 15% é ainda muito alta, e muito maior do que era hábito.

O grande desafio é perceber se, daqui para o futuro, a economia portuguesa tem capacidade para absorver este desemprego, ou se vamos passar uma década com números desta dimensão, o que será sempre um drama social.

 

Quanto à parte fiscal, o deficit desce sobretudo porque os impostos cresceram, e isso é positivo.

Na verdade, e embora o Governo não o deseje reconhecer, a economia portuguesa adaptou-se muito melhor à subida de impostos de 2013 do que aos cortes brutais na despesa de 2012.

Como a recessão não foi tão funda, as receitas fiscais subiram, e o deficit desceu.

Porém, o governo para 2014 decidiu regressar aos cortes, e por isso é incerto qual será esse impacto em 2014. 

 

É evidente que, com este panorama de sinais positivos, e com as taxas de juro da dívida pública em baixa, muito próximas dos 5 por cento, há condições para Portugal sair do programa de ajustamento em Maio, e até para não necessitar de um programa cautelar.

Mas, cuidado, pois até Maio ainda faltam cinco meses, e as condições económicas têm mudado muito depressa.

O BCE já avisou que a crise não acabou, que os bancos europeus têm graves problemas, e a deflação espreita ao fundo do corredor.

Estar bem em Janeiro não significa que em Maio se vai estar melhor...

 

Por fim, há algo que este Governo parece esquecer.

O povo não se alimenta de boas estatísticas, e embora do ponto de vista psicológico se sintam melhorias em relação ao ano anterior, os benefícios ainda não começaram a chegar ao bolso dos portugueses.

Crescimento económico nem sempre significa crescimento dos rendimentos das pessoas, sobretudo se são valores pequenos.

E há ainda muitos portugueses para quem 2014 vai ser um calvário de sacrifícios, como os funcionários públicos e os pensionistas.

Se contarmos as suas respectivas famílias, são muitos milhões de pessoas que não sentem qualquer melhoria na sua vida.

Tentar criar expectativas positivas com as estatísticas não muda o essencial: o que o biquini esconde não é, neste caso, nada bonito de se ver. 

publicado por Domingos Amaral às 10:17 | link do post | comentar
Segunda-feira, 11.11.13

Governo: há as boas notícias...e há o Rui Machete!

O Governo só pode andar contente com as últimas notícias.

O desemprego baixou um pouco, o que é bom.

Pode ser por más razões (emigração), pode ser passageiro (sazonalidade), ou por boas razões (mais turismo).

Mas, ninguém no seu juízo perfeito pode considerar isso mau para Portugal.

As exportações também continuam a crescer bem, o que é bom.

Pode ser porque há uma nova fábrica da Galp, ou porque China está a aumentar a procura, mas ninguém no seu juízo perfeito pode dizer que isso é mau, para Portugal.

As taxas de juro da dívida pública também estão a descer, o que é muito relevante.

Pode ser porque o Banco Central Europeu desceu as taxas, pode ser porque algumas agências de rating mudaram um pouco a sua opinião sobre o nosso país, ou porque o Governo é visto como mais credível.

Mas, ninguém no seu juízo perfeito pode dizer que isso é mau para Portugal.

Embora estes sinais positivos não sejam, nem de perto nem de longe, um "milagre económico", são positivos.

Porém, e infelizmente, o Governo não parece perceber três coisas.

A primeira é que a estratégia para 2013, aumentar o IRS cortando menos da despesa, parece ter sido bem menos negativa do que a estratégia de 2012, onde se cortou salários e pensões.

Ou seja, a austeridade do lado dos impostos é menos gravosa para a economia.

A segunda coisa que o Governo não percebe, é que repetir para 2014 a mesma estratégia de 2012 (cortes fortes nos salários e nas pensões), será um risco muito forte, pois pode gerar uma nova recessão.

Para quê provocar nova recessão quando os sinais de recuperação são relevantes?

Não será, digo eu, pouco inteligente voltar a cometer o mesmo erro que se cometeu em 2012?

Por fim, a terceira coisa que este Governo não parece perceber é que Rui Machete é uma tragédia de relações públicas permanentes!

Este Governo, pelos vistos, precisa de ter sempre uma maçã podre, que vai degradando a sua imagem, sem pressa, mas também sem pausas.

Na primeira fase, foi o inimitável Miguel Relvas.

Agora, é o sempre incompreensível Machete. O pobre ministro não acerta uma!

Agora até se aventurou a falar em taxas de juro, como se fosse ministro da economia ou das finanças! 

É um marreta, que só diz inconveniências, como se fosse uma tia velha que já não tem a noção das coisas...

E curiosamente, Passos parece aturá-lo exactamente como se atura uma tia velha.

Por mera caridade, não o expulsa da sala e não o mete num lar de idosos.

publicado por Domingos Amaral às 14:20 | link do post | comentar
Quinta-feira, 24.10.13

Portugal e a recessão em W

Os economistas gostam muito de usar as letras do abecedário para classificar as recessões.

Há a recessão em V, com uma queda que é muito profunda, uma estadia curta no fundo, e uma recuperação tão rápida como a queda.

Há a recessão em L, onde há uma queda inicial muito profunda, e depois não há qualquer tipo de recuperação, apenas um prolongamento do fundo.

E depois há a recessão em W, que são duas recessões, dois V seguidos, onde por vezes a zona central do W é menos cavada.

Nesse caso, há uma primeira queda violenta, descendo pelo primeiro V, depois chegamos a uma zona de recuperação, que é mais pequena que a descida.

De seguida, a meio do W, há uma segunda descida para o fundo, que pode ser menos forte que a primeira

Só depois se volta a recuperar fortemente, subindo pelo segundo V acima.

Será isso que irá acontecer em Portugal, uma recessão em W?

Olhando para o que foram os dois últimos anos, podemos admitir que em 2012, com um corte na despesa pública, os efeitos recessivos foram fortes, e caímos pelo primeiro V abaixo.

Depois, em 2013, houve o aumento enorme de impostos, mas a recessão foi bem menos forte.

Não sendo ainda uma subida, foi uma melhoria ligeira, uma subidinha a meio do W.

Contudo, para 2014, o orçamento prevê brutais cortes na despesa e por isso arriscamo-nos a nova recessão.

É muito possível uma nova queda, embora menos grave que a primeira, e que vamos parar a um ponto recessivo semelhante ao acontecido em 2012.

Segue-se depois um crescimento rápido, subindo o segundo V depressa?

É cedo para fazer esse tipo de previsões.

Como diz toda a gente, incluindo Passos Coelho, há muitos "riscos".

Mais do que riscos, ou além deles, há um evidente dilema português.

O que é melhor: tentar corrigir o déficit do Estado, aumentando a recessão?

Ou tentar evitar a recessão, deixando o déficit ser maior do que a troika pede?

Eu pela minha parte, prefiro a segunda opção; mas a Europa e o Governo, é evidente, preferem a primeira.

publicado por Domingos Amaral às 16:34 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Quarta-feira, 16.10.13

Desta vez, Portas e Passos estão nisto juntos, e enterrados até ao pescoço!

Desta vez, com o Orçamento para 2014, não há divisões na coligação.

Não há PSD para um lado, e CDS para o outro.

Desta vez, não há linhas "vermelhas", ou "se me perguntarem se eu concordei eu digo que não concordei".

Desta vez, não há Vítor Gaspar acima de Portas, como número 2 do Governo, uma coisa humilhante que causava mal estar.

Desta vez, não há nada disso.

Com a remodelação, Portas passou a número 2 e a todo poderoso da economia, e até negoceia com a troika.

E Pires de Lima, que fora do Governo era um crítico, dentro é apenas mais um dos seguidores.

Desta vez, Portas e Passos são uma entidade única, há um Governo unido, para o bem e para o mal. 

A margem de liberdade, ambígua mas inteligente, que Portas adquirira ao longo de dois anos, esfumou-se.

Portanto, o que devemos concluir é que este orçamento de 2014 é o primeiro em que há uma genuína união entre PSD e CDS, e que ambos o apoiam sem qualquer reserva.

E isso é que é estranho, pois este pode vir a ser o mais duro orçamento deste Governo.

Além disso, é um orçamento que demonstra, mais do que qualquer outro até agora, que o Governo não só não aprendeu com os erros, como entre a crença e a eficácia, escolhe sempre a crença.

Em primeiro lugar, o Governo devia aprender com os erros, económicos e constitucionais.

Em 2012, houve cortes profundos na despesa, quebra de salários e retirada de subsídios aos funcionários públicos.

Qual foi o resultado? Uma recessão muito profunda, muito desemprego, e muita perda de receita fiscal.

Além disso, o Tribunal Constitucional vetou a repetição dessas medidas em 2013.

Assim, o Governo mudou a estratégia, e para 2013 aumentou os impostos, sobretudo o IRS.

O que se verificou? A recessão foi bem menos grave que em 2012, e há claros "sinais positivos" de recuperação.

O que é que as pessoas inteligentes deviam deduzir destes resultados? Que a economia se adapta melhor à subida de impostos do que ao corte na despesa!

É essa a lição dos últimos 2 anos: cortar na despesa causa mais recessão do que subir os impostos!

E, ainda por cima, subir os impostos tem a vantagem de não ser uma estratégia inconstitucional!

Mas, aprendeu o Governo essa lição?

Nada disso. Para 2014 o Governo vai voltar a apostar num violentíssimo corte de despesa, repetindo o erro de 2012.

E, também no plano constitucional, faz novo braço de ferro com o TC, que já no passado por várias vezes avisou que os cortes salariais deviam ser transitórios...

Porque é que o Governo faz isto? Porque é que não aprende com os erros?

A única explicação para a persistência nesta estratégia de "corte brutal na despesa" não pode ser a "troika", pois a "troika" já permitiu várias soluções diferentes, desde 2011 até agora.

O que a "troika" impõe são as metas, não os caminhos para lá se chegar, esses foram variando, ano após ano.

A explicação é outra: é uma questão de crença fortíssima, quase de fé.

Há uma crença profunda entranhada no centro-direita português, tanto no PSD como no CDS.

Para a maioria das pessoas de direita, há uma trindade dogmática de crenças:

1- O peso do Estado tem de ser diminuído

2- Cortar na despesa é essencial

3- Qualquer subida de impostos é terrível.

Quando se acredita nisto como quem acredita na Santíssima Trindade, em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, as pessoas perdem alguma lucidez para ver a realidade que está à frente dos seus olhos.

O centro direita português quer transformar essa crença em realidade, sem ter percebido uma coisa essencial, que há muitas décadas muitos economistas perceberam: quando se está numa recessão, o comportamento das pessoas é diferente, e as soluções não funcionam da mesma maneira.

A "economia da recessão" é diferente da "economia da expansão" ou da "economia da estabilidade".

Soluções que funcionam num momento, são desastrosas noutro momento.

Por isso, as pessoas deviam deixar as suas crenças de lado, e tentar a melhor solução.

A economia não é uma questão de fé, mas sim de eficácia.

Portanto, se tudo falhar, como pode falhar, Portas e Passos desta vez vão morrer juntos, atrelados à sua crença quase religiosa que este é o único caminho.

Não é, mas tal como na religião, também na economia o fanatismo das crenças costuma cegar as pessoas.

publicado por Domingos Amaral às 12:37 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Terça-feira, 15.10.13

O orçamento e a armadilha da dívida de Portugal

O orçamento de 2014 é mais uma prova evidente que Portugal está apanhado na "armadilha da dívida". 

Tudo o que o Governo fizer para tentar diminuir o déficit, cortando a despesa do Estado, cortando pensões, cortando salários aos funcionários públicos, pode descer o déficit num primeiro momento, mas irá provocar efeitos recessivos fortes.

Assim, num segundo momento, como se passou em 2012, vai crescer o desemprego, vai diminuir o crescimento económico interno, e isso vai diminuir de novo as receitas fiscais. 

Corta-se na despesa, mas a recessão que se provoca tira-nos uma parte do ganho, pois as receitas do Estado caem, e sobem os custos, se houver mais subsídios de desemprego a pagar.

A melhoria do déficit não é pois muito grande, como se viu nos últimos anos; e ainda por cima, se o PIB cair, o rácio da dívida pode voltar a crescer.

Mas, e esse é um grande sarilho também, tudo o que o Governo fizer para tentar estimular a economia, como por exemplo descer o IRC, vai fazer descer as receitas fiscais, e portanto criar mais déficit.

É claro que, num momento posterior, pode ser bom, pois o investimento pode aumentar, mas inicialmente será mau, pois as receitas diminuem.

É a "armadilha da dívida" em todo o seu esplendor.

Se cortamos na despesa, provocamos recessão; se cortamos os impostos, aumentamos o déficit.

Esta é uma situação muito complexa para qualquer país, e nós não somos caso único.

Há saída para esta armadilha?

Sim, há. Se as exportações crescerem a 20% ao ano, ou se o turismo crescer a 30% ao ano, se calhar saímos da armadilha pelo nosso próprio pé.

Mas, com o crescimento que tem existido, bem mais baixo, isso não é possível.

Só se consegue sair desta aramdilha com ajuda, seja através da reestruturação da dívida, seja através da mutualização da dívida pela Europa.

Só libertando-nos da carga extraordinária de juros que pagamos é que a saída é airosa.

Caso contrário, corremos o risco de andar mais de uma década neste sarilho...

Tal como Sócrates antes deles, Passos e Portas arriscam-se também a acabar trucidados pela armadilha...

publicado por Domingos Amaral às 16:11 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 20.03.13

Os seis graves erros deste Governo

Quase dois anos depois de ter tomado posse, é já possível listar quais foram os seis erros mais graves deste Governo, que o fizeram perder muita credibilidade e legitimidade aos olhos dos portugueses. Aqui vai a lista:

 

1 - Desvio estratégico em relação ao memorando original assinado com a "troika".

Como ontem aqui escrevi, as principais medidas emblemáticas deste Governo (sobretaxa de IRS, corte nos subsídios dos funcionários públicos e pensionista, tentativa de mudar a TSU, e aumento enorme de IRS) não estavam escritas no memorando original assinado entre Portugal e a "troika" em Maio de 2011. Na ânsia de despachar o ajustamento, o Governo decidiu medidas de austeridade muito mais graves e profundas do que aquelas que estavam acordadas. Com isso, agravou brutalmente a recessão e o desemprego subiu para valores altíssimos. A estratégia da austeridade "dura e rápida", cuja responsabilidade é de Vítor Gaspar, falhou rotundamente. 

 

2 - Falta de equidade nos sacrifícios. 

Ao decidir cortar os subsídios de férias e Natal para funcionários públicos e pensionistas, deixando os trabalhadores do sector privado de fora, o Governo dividiu os portugueses, passando a existir portugueses de primeira, que não se sacrificavam tanto, e portugueses de segunda, que suportavam mais sacrifícios. Isso foi um erro grave, de equidade e de moral, além de ter sido uma ilegalidade jurídica, como muito bem o Tribunal Constitucional veio dizer, proibindo a solução para 2013. Mas, o mal estava feito. 

 

3 - Incapacidade para cortar na despesa permanente do Estado

Desde o Verão de 2011 que o Governo decidiu que, em vez de cortar na despesa estrutural do Estado, como estava previsto no memorando original, era mais fácil sobrecarregar o país com impostos, ou então retirar subsídios a certos grupos de pessoas (funcionários públicos e pensionistas). Com isso, demonstrou a sua incapacidade total para perceber a raiz do problema, e preferiu as soluções mais fáceis e rápidas. Como se viu, gerou um problema ainda maior e não conseguiu resolver o problema original. 

 

4 - Desprezo pelo consenso político e social

Em Maio de 2011, quando o memorando original foi assinado, existia um amplo consenso político e social em Portugal, que permitia ao Governo contar com o apoio do PS e dos parceiros sociais. No entanto, durante quase um ano e meio, Passos Coelho desprezou o PS e os parceiros sociais, nunca os tratando com o respeito que eles mereciam. Evidentemente, com o tempo a passar, e sentindo a hostilidade permanente do Governo, tanto o PS como os parceiros sociais se foram afastando, e o consenso nacional necessário rompeu-se. Foi a arrogância do Governo que criou esta situação, o que foi um erro grave. 

 

5 - Colagem patética às posições da Alemanha na Europa.

Desde que iniciaram a sua governação, Passos Coelho e Vítor Gaspar alinharam, de forma acéfala e seguidista, com as ideias da Alemanha sobre como resolver a crise europeia e as crises nacionais dos países com elevadas dívidas. Em momento algum o Governo percebeu que essa colagem era prejudicial aos interesses de Portugal, e que por mais que fosse necessário ganhar credibilidade nos mercados financeiros, era igualmente necessário ter uma posição mais crítica contra a linha dura da Sra Merkel e do Sr. Schauble. Como se viu na questão da renegociação dos prazos da dívida, o Governo da Alemanha está-se nas tintas para os nossos problemas, e só pensa em ser reeleito, e não mostrará qualquer boa vontade para com Portugal antes de isso acontecer. Qual foi então o benefício de estarmos colados à Alemanha?

 

6 - Relvas e companhia

É evidente que manter Relvas no Governo foi um erro, bem como alguns outros personagens menores. No entanto, comparado com os outros erros e o que eles custaram ao país, este foi o menos grave. Mas, o seu simbolismo é ainda assim bastante degradante da credibilidade de Passos Coelho.  

 

 

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 14:47 | link do post | comentar | ver comentários (14)
Terça-feira, 18.12.12

O precipício orçamental da América é trágico? E o nosso?

Desde a reeleição de Obama que na América não se fala noutra coisa que não seja o "precipício orçamental", ou em inglês "fiscal cliff". A expressão feliz é da autoria do governador do banco central americano, o FED, que é o senhor Ben Bernanke. 

E o que é o precipício orçamental da América? Pois bem, se Obama e os Republicanos não chegarem a um acordo, a partir de Janeiro próximo entram em acção uma enorme quantidade de cortes de despesa do Estado, e sobem de forma drástica os impostos.

Ou seja, para os americanos o "precipício orçamental" é a austeridade enorme, e as suas consequências graves. Se os impostos subirem e ao mesmo tempo se executarem cortes profundos na despesa do Estado federal, isso vai provocar uma contração muito forte na economia americana, impedindo a recuperação económica em curso, e provavelmente provocará uma forte recessão, coisa que ninguém, no seu juízo perfeito, deseja.

Portanto, para os americanos, "o precipício orçamental" é uma tragédia a evitar a todo o custo, e nem republicanos nem democratas querem lançar o país para a crise, e rejeitam fortemente uma solução que passe pelo aumento drástico da austeridade.

Como tudo é diferente na América e na Europa! Lá, têm juízo, percebem de economia, e sabem que não é com crises, falências, recessões e desemprego que se conseguem pagar as dívidas, por mais elevadas que sejam. Porém, na Europa, o caminho é o oposto, e a Sra Merkel e os seus seguidores não pensam noutra coisa que não seja massacrar os países com austeridade, com cortes na despesa do Estado e aumentos "enormes" de impostos.

"Precipício orçamental" na América? Nós, em Portugal, é que estamos a cair no precipício orçamental! Há um abismo a abrir-se debaixo dos nossos pés, com os aumentos de impostos que aí vêm, e que ainda será mais agravado com os cortes de 4 mil milhões de que fala o Governo. É um precipício orçamental e não é nada pequeno, e infelizmente temo que todos iremos cair nele. 

publicado por Domingos Amaral às 12:52 | link do post | comentar | ver comentários (1)
 

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