Sexta-feira, 24.01.14

As estatísticas são como os biquinis, mostram muito, mas não mostram tudo...

Nas últimas semanas, várias têm sido as estatísticas positivas divulgadas sobre a economia portuguesa.

O PIB cresceu, sobretudo no último trimestre de 2013.

O desemprego diminuiu, tendência que se notou ao longo do segundo semestre do ano passado.

A receita fiscal subiu muito, em especial a do IRS e do IRC, embora a do IVA tenha crescido pouco.

O deficit vai ficar abaixo dos 5,5% do PIB, combinados com a troika, o que revela capacidade de contenção e cumprimento de objectivos.

As exportações continuam a subir, embora as importações tenham também subido um pouco.

Este somatório de estatísticas positivas não deve ser ignorado, mas também é preciso perceber um pouco melhor porque isto acontece, e qual o verdadeiro impacto na vida dos portugueses.

 

As estatísticas são como os biquinis, mostram muito, mas não mostram tudo...

É verdade que o PIB cresceu, e isso é bom, mas o crescimento é ainda muito pequeno, frágil e há dúvidas se está bem sustentado. 

Crescemos porque houve mais turismo, mais exportações, mais consumo, mas não porque tenha existido mais investimento durante 2013.

O modelo económico português continua o mesmo, e se os estrangeiros não puxarem por nós, é sempre difícil crescer.

Além disso, os cortes orçamentais previstos para 2014, como avisou ontem a Universidade Católica, vão travar o crescimento e podem mesmo contraí-lo.

 

É evidente que a queda do desemprego é o número mais relevante, pela importância social e indivdual que tem, mas há dúvidas sobre se ele cai porque há mais emigração, ou se há mesmo mais emprego a ser criado. 

De qualquer forma, uma taxa de desemprego nos 15% é ainda muito alta, e muito maior do que era hábito.

O grande desafio é perceber se, daqui para o futuro, a economia portuguesa tem capacidade para absorver este desemprego, ou se vamos passar uma década com números desta dimensão, o que será sempre um drama social.

 

Quanto à parte fiscal, o deficit desce sobretudo porque os impostos cresceram, e isso é positivo.

Na verdade, e embora o Governo não o deseje reconhecer, a economia portuguesa adaptou-se muito melhor à subida de impostos de 2013 do que aos cortes brutais na despesa de 2012.

Como a recessão não foi tão funda, as receitas fiscais subiram, e o deficit desceu.

Porém, o governo para 2014 decidiu regressar aos cortes, e por isso é incerto qual será esse impacto em 2014. 

 

É evidente que, com este panorama de sinais positivos, e com as taxas de juro da dívida pública em baixa, muito próximas dos 5 por cento, há condições para Portugal sair do programa de ajustamento em Maio, e até para não necessitar de um programa cautelar.

Mas, cuidado, pois até Maio ainda faltam cinco meses, e as condições económicas têm mudado muito depressa.

O BCE já avisou que a crise não acabou, que os bancos europeus têm graves problemas, e a deflação espreita ao fundo do corredor.

Estar bem em Janeiro não significa que em Maio se vai estar melhor...

 

Por fim, há algo que este Governo parece esquecer.

O povo não se alimenta de boas estatísticas, e embora do ponto de vista psicológico se sintam melhorias em relação ao ano anterior, os benefícios ainda não começaram a chegar ao bolso dos portugueses.

Crescimento económico nem sempre significa crescimento dos rendimentos das pessoas, sobretudo se são valores pequenos.

E há ainda muitos portugueses para quem 2014 vai ser um calvário de sacrifícios, como os funcionários públicos e os pensionistas.

Se contarmos as suas respectivas famílias, são muitos milhões de pessoas que não sentem qualquer melhoria na sua vida.

Tentar criar expectativas positivas com as estatísticas não muda o essencial: o que o biquini esconde não é, neste caso, nada bonito de se ver. 

publicado por Domingos Amaral às 10:17 | link do post | comentar
Quinta-feira, 03.10.13

Cavaco está a chamar masoquistas a quem exactamente?

O presidente Cavaco Silva disse ontem que os portugueses que dizem que a nossa dívida pública é insustentável são "masoquistas".

Ou seja, quem pensar de forma diferente da dele, é um doente mental que gosta de se magoar a si próprio!

Eu estranho esta retórica psíquica de Cavaco, principalmente sabendo que ele é economista, e portanto devia saber destas coisas.

Ora, aquilo que é ensinado nas melhores escolas de economia do mundo sobre a sustentabilidade de dívidas públicas é o seguinte:

1. Se um país tiver uma taxa de crescimento nominal do PIB inferior à sua taxa de juro nominal da dívida, está em graves problemas.

2. Só há duas formas de equilibrar esta equação, uma é ter um excedente primário no orçamento do Estado, e a outra é imprimir moeda.

3. Como a segunda hipótese não existe no euro, só resta a primeira, um excedente orçamental primário.

4. Caso esse excedente não exista, a dívida pode tornar-se insustentável porque cresce mais depressa (a taxa de juro) do que cresce o país (a taxa de crescimento do PIB).

Foi isto, e é isto que tem sido ensinado durante anos nas escolas de Economia, e por isso causa uma certa estranheza que Cavaco considere "masoquistas" quem se limita a afirmar aquilo que é mais ou menos óbvio, e que se aprende nas universidades.

Senão, vejamos:

a) Portugal tem um rácio de dívida pública próximo de 130 por cento do PIB.

b) A taxa de juro a que paga essa dívida anda próxima dos 7 por cento.

c) A taxa de crescimento do PIB o ano passado foi negativa (-3%) e este ano deverá voltar a ser negativa outra vez (talvez -2%).

d) Portugal não tem ainda um saldo primário positivo, permanente e significativo, no orçamento, mesmo com muita contabilidade criativa.

Assim sendo, se a dívida cresce a 7 por cento ao ano, e o PIB contrai, como é que é possível estabilizar a equação?

Como é possível dizer que a dívida é sustentável?

Talvez Cavaco saiba algo que os outros economistas não sabem, mas a mim parece-me que sem ajudas claras, sem prolongamentos das maturidades, sem reestruturações, e sem esse tipo de coisas, será difícil pagar esta dívida pública.

Ou será que alguém acredita que Portugal, por milagre, vai passar a crescer a 8 por cento ao ano?

Nessa caso, não é masoquismo, é mesmo delírio...

  

publicado por Domingos Amaral às 11:46 | link do post | comentar | ver comentários (9)
Sexta-feira, 19.04.13

Então agora há falta de crédito à economia, Dr. Passos?

Passos Coelho está sempre a surpreender-nos. Agora que decidiu ter uma nova postura, toda ela dada ao consenso e ao PS, achou por bem arranjar uns inimigos novos, alguém a quem passar as culpas pela crise.

Depois do Tribunal Constitucional, esta semana foi a vez dos bancos ficarem na mira afinada do primeiro-ministro.

Disse ele que os bancos "têm de dar mais crédito à economia", como se a culpa da recessão fosse dos maldosos dos banqueiros, que agora andam muito agarradinhos ao dinheiro e nada de o emprestarem a ninguém. 

É evidente que a "falta de crédito" na economia é uma consequência da recessão e não uma causa. E, como todos bem sabemos, a causa da recessão ser muito mais profunda do que devia ser é a Quimioterapia Financeira e Fiscal que Gaspar e Passos lançaram sobre o país.

Talvez os conhecimentos rudimentares de economia do primeiro-ministro não cheguem para saber interpretar o que se passou, mas não é muito difícil.

É assim: quando se aumenta brutalmente os impostos, directos e indirectos, e quando se tiram subsídios às pessoas, a torto e a direito, o resultado é uma economia a afocinhar na depressão e uma explosão do desemprego. 

Nessas circunstâncias, ninguém tem dinheiro ou confiança para consumir, e por isso as empresas despedem e não investem. Ora, se as empresa não investem, é evidente que a procura de crédito diminui consideravelmente.

A culpa não é dos bancos, a realidade é que eles não têm ninguém a quem dar crédito, porque ninguém quer investir numa economia neste estado decrépito em que Passos a colocou! 

Além disso, e esta é a suprema ironia moral desta história, fui eu que sonhei ou o problema de Portugal é exactamente o excesso de endividamento? Desde há dois anos que Passos e Gaspar justificam a sua Quimioterapia Financeira e Fiscal precisamente com o excesso de dívidas, seja as do Estado, seja as do sector privado, famílias e empresas. 

Mas então, dois anos depois, de repente, o endividamento já é bom e os bancos deviam promovê-lo mais? É que, caro Passos Coelho, crédito e endividamento são a cara e a coroa da mesma moeda, só muda o ponto de vista!

Não se pode massacrar um país durante dois anos, dizendo que foi o endividamento excessivo que nos conduziu até aqui e depois, quando se percebe que estamos num buraco, desatar a bramar contra os bancos porque eles...não endividam mais as empresas e as pessoas!

Em que é que ficamos, Dr. Passos: o endividamento é bom ou é mau? É que, admito que o senhor não perceba, mas eu não sei como se pode dar mais crédito sem aumentar o endividamento. E olhe que, talvez o senhor se tenha esquecido, mas esse continua muito alto. 

Sabe qual é o endividamento do país, incluindo Estado, pessoas e famílias e empresas? Segundo o Banco de Portugal, esse valor já atinge quase 440% do PIB anual! Sim, leu bem, 440%! E só 126% são do Estado (dívida pública), o restante (314% do PIB) é dívida privada!

Se calhar, Passos acha que 314% do PIB é pouco. Os bancos devem dar mais crédito, diz ele, sem perceber que isso é dizer a todas as empresas e famílias para se "endividarem" e "viverem acima das suas possibilidades"...

É este o supremo o azar de Portugal: temos um primeiro-ministro que percebe ZERO de economia! 

publicado por Domingos Amaral às 12:06 | link do post | comentar
 

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