As crises da dívida externa, ou "soberana", como agora se diz, têm uma estrutura em 3 actos, muito semelhante às peças de teatro, às óperas, aos filmes, ou mesmo aos livros. Há o 1º Acto, com os incidentes iniciais, que lançam a história, depois o 2º Acto, onde se desenvolve a intriga, e por fim tudo acaba num climax espantoso, positivo ou negativo, no final do 3º Acto. Em muitos países, as coisas quase sempre aconteceram assim:
1º Acto - "Descobre-se" uma grande dívida ("externa" ou "soberana"). Seguem-se as primeiras medidas de austeridade, aplicadas pelo governo local. Rebenta uma crise política nacional, ao mesmo tempo que, sem capacidades para pagar a dívida, o país pede ajuda internacional, e entra em cena o FMI, ou a "troika" dos europeus.
Na Argentina, foi isso que aconteceu em 1998. Na Grécia, em 2009, também: descobriu-se a "megadívida", começou a austeridade, aterrou em Atenas a "troika", e deu-se uma crise política, com a eleição de Papandreou. Na Irlanda, o guião foi semelhante, com uma crise política local e o pedido de resgate à "troika". Em Portugal, o primeiro acto ainda tinha Sócrates no Governo, que foi obrigado a pedir a ajuda da "troika". Depois, explodiu uma crise política nacional, e o 1º Acto terminou com a vitória de Passos Coelho, a meio de 2011.
A Itália e a Espanha são ligeiramente diferentes. Em Itália, o 1º Acto terminou com a saída de Berlusconi e a ascensão de Mário Monti, mas não chegou a entrar a "troika", talvez porque o país é grande demais para um resgate. Já em Espanha, o 1º Acto findou com Rajoy a aterrar na Moncloa, e com um pedido de resgate parcial, apenas para a banca.
2º Acto - Tudo se complica. Os governos impõem mais austeridade, causam uma forte recessão económica, falham os objectivos, e portanto têm de aplicar ainda mais austeridade. Os credores aguentam com paciência, mas a população do país, fustigada pelo desemprego e pela descrença, começa a revoltar-se. Tudo termina com uma nova, e mais grave, crise política.
Na Argentina, entre 98 e 2001, as crises sucederam-se. E na Grécia, o segundo acto viveu-se com mais fúria popular e mais incapacidade política. O fim do 2º Acto grego foi o "referendo" de Papandreou, que provocou a sua queda prematura, e a derrota colossal do PASOK nas eleições. Quanto à Irlanda, o segundo acto tem sido mais calmo, e não há ainda sinais de uma crise política, embora o desemprego continue a crescer. A Espanha e a Itália estão mais ou menos a meio do 2º Acto, há perigos de desagregação do Estado espanhol e já se sabe que Monti não vai ficar para sempre. E em Portugal, há evidências de que o 2º Acto se acelerou, a caminho do fim. A enorme austeridade fiscal anunciada para 2013, as dificuldades na coligação PSD-CDS, a instabilidade social e a revolta popular crescente, são tudo prenúncios de que se aproxima uma forte crise política. O Governo anda com medo, protegido pela polícia, e Passos Coelho disse ontem, qual treinador de futebol, que no dia em que não tiver "condições para governar", sairá.
3ª Acto - A bem ou a mal, é aqui que a crise se resolve. Normalmente a mal, pois sobe muito a tensão com os credores, a recessão atinge o limite do insuportável, provoca nova e gravíssima crise política e há um "bang" final, que pode ser a bancarrota, ou então alguma decisão drástica que termina com a crise. Por vezes, são raras as situações mas existem, as tensões diminuem e os países conseguem resolver a bem a crise.
A Argentina, em 2001, foi o falhanço mais drástico. O país revoltou-se, elegeu o "peronista" Kirshner, cortou com o FMI e não pagou a dívida externa. Depois, melhorou um pouco, mas permanece numa situação complexa. É o "mau exemplo", que muitos gostam de citar. No pólo oposto, como "bom exemplo", temos a Islândia, que apesar de ter deixado de pagar as dívidas, conseguiu recuperar-se e está de regresso aos "mercados".
E na Europa, o que se passa? A Irlanda parece estar a safar-se, mas infelizmente a Grécia está perto do final do 3º Acto. Há enorme tensão com a "troika", no Verão explodiu uma grave crise política, a esquerda radical do Syrisa ficou a 1 por cento de vencer as eleições, e não há forma de pagar as suas dívidas. À Grécia, já só restam duas hipóteses: falir dentro do euro (o que seria terrível mas suportável), ou falir fora do euro (o que seria uma catástrofe europeia).
Quanto a Portugal, Espanha ou Itália, é prematuro dar palpites, mas as coisas não vão no caminho certo. Tudo visto e ponderado, talvez fosse melhor a Europa reconhecer que o "guião da austeridade" criou problemas novos e gigantescos (económicos, sociais e políticos) e não resolveu o problema financeiro da dívida. Em vez de mudar de povos, talvez fosse melhor mudar o guião do combate à crise...