Quem tem razão: Portas ou o FMI?
Esta semana, muitos foram o que escreveram sobre a suposta querela entre Portas e o FMI, que teriam interpretações muito diferentes sobre o que aconteceu, e o que está a acontecer, à economia portuguesa.
Para Portas, e de uma maneira geral para o Governo, há um "milagre económico".
As exportações portuguesas dispararam, o desemprego baixa, o ajustamento está completo, e o país pode libertar-se da "troika".
Para o FMI, o cenário não é tão cor-de-rosa, e não há qualquer "milagre económico".
Portugal apenas teve uma recessão muito forte, deixou de importar e por isso a balança comercial ficou positiva; as exportações cresceram pouco, e se não fosse a nova refinaria da GALP o resultado era minúsculo; e os salários ainda têm de descer muito, para o país ser competitivo.
Quem tem razão? Portas, com o seu entusiasmo; ou o FMI, com o seu cepticismo?
O que é interessante nesta questão é que ambos têm razão.
Aquilo que separa Portas e o FMI é uma emoção, um estado de alma, não uma realidade.
Portas está super-optimista, e o FMI está pessimista, e portanto cada um vê a realidade em função do sentimento de futuro que sente.
Vejamos a situação objectiva.
As exportações subiram? Sim, subiram, mas não subiram espectacularmente, e de facto, se tirarmos a refinaria da Galp do cenário, o crescimento é curto.
Portas tem razão, quando diz que as exportações cresceram; mas o FMI também, quando alega que a estrutura de exportações não melhorou muito, Galp à parte.
Há crescimento económico? Sim, há, e isso deve ser celebrado, e aí Portas tem razão.
Porém, é frágil, como alerta o FMI, e baseia-se muito no turismo e nas exportações da Galp, e se o crescimento acelerar lá vai fazer crescer as importações outra vez, e complicar a balança comercial.
O desemprego está a descer? Sim, está, e isso é uma boa notícia, como diz Portas.
Contudo, como aponta o FMI, e outras entidades, na descida do desemprego contam muito a emigração e a sazonalidade do turismo, e por isso não se deve celebrar em demasia aquilo que pode esvair-se a qualquer momento.
E quanto à descida dos salários, quem tem razão? Os salários não têm de descer mais, como dizem Portas e Pires de Lima, e o ajustamento está feito?
Ou têm de continuar a descer, como dizem o FMI e a Comissão Europeia, para o país ser mais competitivo?
Em teoria, estas últimas entidades têm razão, mas há décadas que essa teoria económica foi contestada.
Em meados do século XX, Keynes avisou que há muita rigidez nos salários, e é muito difícil eles descerem, seja em que país for. Os ajustamentos salariais não funcionam bem por causa disso, e portanto outras soluções devem ser procuradas.
Pelos vistos, nem o FMI nem a Comissão leram Keynes, e a insistência neste ponto é uma tontaria.
O comportamento de Portas e Pires de Lima revela o que Keynes há muitos anos explicou: os países, as sociedades, os sistemas políticos, rejeitam as descidas de salários, e portanto não vale a pena ter grandes ilusões nesse campo.
Mas, nada como uma fútil polémica para entreter a malta...