Sexta-feira, 21.02.14

Quem tem razão: Portas ou o FMI?

Esta semana, muitos foram o que escreveram sobre a suposta querela entre Portas e o FMI, que teriam interpretações muito diferentes sobre o que aconteceu, e o que está a acontecer, à economia portuguesa.

Para Portas, e de uma maneira geral para o Governo, há um "milagre económico".

As exportações portuguesas dispararam, o desemprego baixa, o ajustamento está completo, e o país pode libertar-se da "troika".

Para o FMI, o cenário não é tão cor-de-rosa, e não há qualquer "milagre económico".

Portugal apenas teve uma recessão muito forte, deixou de importar e por isso a balança comercial ficou positiva; as exportações cresceram pouco, e se não fosse a nova refinaria da GALP o resultado era minúsculo; e os salários ainda têm de descer muito, para o país ser competitivo.

Quem tem razão? Portas, com o seu entusiasmo; ou o FMI, com o seu cepticismo?

O que é interessante nesta questão é que ambos têm razão.

Aquilo que separa Portas e o FMI é uma emoção, um estado de alma, não uma realidade.

Portas está super-optimista, e o FMI está pessimista, e portanto cada um vê a realidade em função do sentimento de futuro que sente.

 

Vejamos a situação objectiva.

As exportações subiram? Sim, subiram, mas não subiram espectacularmente, e de facto, se tirarmos a refinaria da Galp do cenário, o crescimento é curto. 

Portas tem razão, quando diz que as exportações cresceram; mas o FMI também, quando alega que a estrutura de exportações não melhorou muito, Galp à parte.

Há crescimento económico? Sim, há, e isso deve ser celebrado, e aí Portas tem razão.

Porém, é frágil, como alerta o FMI, e baseia-se muito no turismo e nas exportações da Galp, e se o crescimento acelerar lá vai fazer crescer as importações outra vez, e complicar a balança comercial.

O desemprego está a descer? Sim, está, e isso é uma boa notícia, como diz Portas.

Contudo, como aponta o FMI, e outras entidades, na descida do desemprego contam muito a emigração e a sazonalidade do turismo, e por isso não se deve celebrar em demasia aquilo que pode esvair-se a qualquer momento.

E quanto à descida dos salários, quem tem razão? Os salários não têm de descer mais, como dizem Portas e Pires de Lima, e o ajustamento está feito?

Ou têm de continuar a descer, como dizem o FMI e a Comissão Europeia, para o país ser mais competitivo?

Em teoria, estas últimas entidades têm razão, mas há décadas que essa teoria económica foi contestada.

Em meados do século XX, Keynes avisou que há muita rigidez nos salários, e é muito difícil eles descerem, seja em que país for. Os ajustamentos salariais não funcionam bem por causa disso, e portanto outras soluções devem ser procuradas.

Pelos vistos, nem o FMI nem a Comissão leram Keynes, e a insistência neste ponto é uma tontaria.

O comportamento de Portas e Pires de Lima revela o que Keynes há muitos anos explicou: os países, as sociedades, os sistemas políticos, rejeitam as descidas de salários, e portanto não vale a pena ter grandes ilusões nesse campo.

Mas, nada como uma fútil polémica para entreter a malta... 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:44 | link do post | comentar
Sexta-feira, 13.12.13

O erro do FMI e o erro de Passos Coelho

Às vezes, é preciso olhar para os números para percebermos a gravidade do que se passou em Portugal.

Eis os números da austeridade, quatro anos depois.

 

Em 2010, o PIB português era de 172,8 mil milhões de euros.

Em 2013, deverá rondar os 164 mil milhões de euros.

Ou seja, a austeridade anulou-nos mais de 8 mil milhões de euros de riqueza produzida em Portugal! 

 

Em 2010, a taxa de desemprego portuguesa foi de 10,8.

Em 2013, a taxa de desemprego portugesa deverá ficar pelos 15,8, um aumento de quase 50%.

Quatro anos de austeridade criaram mais 300 mil desempregados do que havia antes.

 

Em 2010, a dívida pública portuguesa rondava os 160 mil milhões de euros, já incluindo aqui muita coisa que na altura não estava contabilizado.

Em 2013, quatro anos depois, a dívida pública portuguesa está em cerca de 230 mil milhões de euros, um aumento de 70 mil milhões de euros!

É este o resultado de quatro anos de austeridade, Portugal tem mais 70 mil milhões de dívida do que tinha!

 

Em 2010, a taxa de juro da dívida portuguesa no mercado secundário era no início do ano de 5,5%.

Em 2013, a taxa de juro da dívida pública portuguesa é no final do ano de 5,8%.

Ou seja, para curar o trágico perigo das dívidas soberanas, estivemos quatro anos em austeridade, e a taxa de juro é agora mais alta do que quando começámos!

 

A directora do FMI, a sra Lagarde, já admitiu o óbvio, que as políticas de ajustamento cometeram muitos erros, e que os resultados foram muito piores do que se esperava, especialmente em Portugal e na Grécia.

No entanto, por cá temos um primeiro-ministro que continua apaixonado pela ideia da "austeridade expansionista", e que fica muito irritado quando ouve o FMI reconhecer os erros.

Infelizmente, Passos Coelho jamais terá a humildade do FMI, e jamais reconhecerá que as suas políticas, que ele implementou e implementa com entusiasmo, não produziram bons resultados, bem pelo contrário.

Os fanáticos de uma ideia não querem saber da realidade, querem é ter razão!

 

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:14 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Quarta-feira, 18.09.13

O PSD ataca finalmente o FMI!

E, de repente, o partido que sempre disse que iria "além da troika", nas reformas e nas políticas, desata a atacar o FMI!

É verdade: o PSD, em palavras ditas pelo seu porta-voz e vice-presidente, Marco António Costa, defendeu que é preciso "combater a hipocrisia institucional do FMI, que faz proclamações muito piedosas, mas depois revela uma atitude inflexível nas negociações"!

Traduzindo por miúdos, para que todos entendam: o PSD acha que é lamentável e hipócrita o FMI publicar relatórios e documentos onde constata que "as políticas de austeridade foram um erro"; e que "é preciso ir mais devagar no corte nas despesas"; e depois, quando vem a Portugal, como membro da "troika", obriga a medidas cada vez mais duras e não mostra um pingo de flexibilidade nas metas do deficit.

Há aqui várias coisas importantes para notar.

A primeira é que o PSD, partido que sustenta o Governo, foi o grande defensor da necessidade da "troika" vir para Portugal.

Antes das eleições, muitos no PSD exigiam o "resgate internacional" e a "vinda do FMI", julgando eles que o resgate seria um poço de virtudes.

Por calculismo político, para derrotar Sócrates; e por crença ideológica na "diminuição do Estado", o PSD tornou-se o grande aliado da "troika" e do FMI.

Disse mesmo que "iria para além da troika", o que se revelou verdadeiro e ao mesmo tempo desastroso.

Em segundo lugar, é preciso relembrar que, ao longo de quase três anos, o PSD e o Governo nunca defenderam mais "flexibilidade", e Passos chegou mesmo a dizer, orgulhosamente, que Portugal não precisava nem de "mais tempo", nem de mais "dinheiro".

No entanto, os resultados da austeridade foram terríveis, e os vários países a quem foi aplicada a receita das "troikas" afocinharam em recessões muito mais duras do que se previa.

Aos poucos, Europa fora, todos foram percebendo que esta fórmula não estava a dar resultados, mas ninguém quis dizer isso muito alto, para não perder a face.

Honra lhe seja feita, o FMI foi até agora a única instituição que, em vários documentos e relatórios, já reconheceu os graves erros das políticas de austeridade, seja na Grécia, seja em outros países como Portugal.

Contudo, amarrado que está ao BCE e à Comissão Europeia, nas "troikas", e com muito dinheiro enterrado nesses países, o FMI não irá facilitar muito até ao final deste programa de resgate.

É evidente que há uma certa hipocrisia em dizer que se está a fazer mal, e contudo continuar a fazê-lo.

Mas, não haverá maior hipocrisia ainda no PSD, que sempre quis ir além "da troika" e agora se queixa dela?

Este partido, cujo líder é primeiro-ministro há mais de dois anos, e que implementou com convicção todas as medidas, agora vem dizer que é preciso a "troika" mostrar "flexibilidade"?

A verdade é que o PSD está preso no labirinto que criou para si próprio.

Acreditou tanto na troika e na austeridade, que agora que as coisas falharam, tem de arranjar um inimigo novo. 

Dos ataques ao Tribunal Constitucional, por não deixar executar cortes na despesa, passamos aos ataques ao FMI, por não praticar o oposto, deixando a despesa crescer mais! 

Coitado do PSD, está esquizofrénico mas ainda não percebeu. 

publicado por Domingos Amaral às 14:44 | link do post | comentar | ver comentários (6)
Terça-feira, 02.07.13

Gaspar: a revolução da austeridade devora os seus próprios filhos

A demissão de Vítor Gaspar não é apenas uma derrota pessoal, ou uma derrota política grave, do Governo.

A demissão de Vítor Gaspar é sobretudo uma profunda derrota da linha dura da Europa, dos austeritários que impuseram por todo o lado uma receita que falhou.

Vítor Gaspar era um menino querido do "establishment" europeu que nos governa.

Era louvado no Banco Central Europeu; era admirado no FMI; era estimado na Comissão Europeia, sobretudo por Oli Rehn; e era verdadeiramente mimado e amado pela Alemanha, especialmente pelo seu amigo Schauble.

Nada disto espantava, pois Vítor Gaspar foi o mais diligente executor da estratégia europeia da austeridade.

Decidida entre finais de 2009 e princípios de 2010, e aplicada com entusiasmo a partir daí na Grécia, na Irlanda, em Portugal, no Chipre, e mesmo em outros países como Itália e Espanha, a estratégia da "austeridade expansionista" foi a resposta convicta da Europa à crise das dívidas soberanas.

Schauble e Merkel, na Alemanha; Oli Rehn, na Comissão Europeia; e ainda Trichet, no BCE; aos quais se juntou depois o FMI; decidiram que existiam dois princípios orientadores para combater a crise das dívidas.

O primeiro era que o "ajustamento" seria feito apenas pelos países devedores, esses irresponsáveis. E o segundo era que os programas de "ajustamento" seriam rápidos, intensos e profundos, com uma enorme dose de austeridade, que provocaria efeitos fortes no início, mas rapidamente se tornaria "expansionista", regressando os países, em 3 anos, a um crescimento económico mais saudável.

Foram estes dois princípios: o sofrimento e a punição dos países devedores, de uma forma rápida e profunda; que orientaram a Europa, e Vítor Gaspar, que entra no combóio apenas em meados de 2011, apressou-se a levar estas orientações à prática com um zelo e uma dedicação notáveis.

No princípio, durante o segundo semestre de 2011, as coisas ainda pareceram resultar.

Mas, com o passar do tempo, tornou-se evidente que os pequenos ganhos positivos da estratégia "austeritária", como a recuperação de alguma credibilidade e a descida dos juros, eram pouco face ao descalabro na frente económica, onde tudo ia de mal a pior, do desemprego à dívida, do deficit ao crescimento.

Nos últimos meses, a linha "austeritária" tem vindo a perder força, perante a tragédia que assola a Europa.

Há cada vez mais vozes na Europa a pedirem uma direção diferente; o FMI já fez o seu mea culpa. O choque com a realidade é total, a linha austeritária falhou em toda a linha, e deixou a Europa mais dividida e mais pobre.

Pelo menos desde 2011, muitos economistas, entre os quais me incluo, defendem que só a reestruturação das dívidas dos países mais frágeis resolverá este imbróglio; e que só uma verdadeira União Europeia, política, orçamental, bancária e da segurança social; nos permitirá sair deste monumental sarilho.

Até há pouco tempo, a "Europa dos duros" venceu sempre, mas agora começa a ser claro para todos que por este caminho não se vai a lado nenhum. Como diz a música dos Talking Heads, "we are on the road to nowhere".

A demissão de Gaspar é pois o reconhecimento absoluto da derrota da linha austeritária.

Apesar de ser adorado pelos alemães, apesar de ser "credível" aos credores, a verdade é que, como ele próprio reconhece na sua carta de despedida, a sua "credibilidade" foi destruída pela realidade dos resultados económicos. Despede-se com um deficit trimestral de 10,6 por cento, uma enormidade depois de tanta austeridade inútil.

Gaspar é uma vítima de si próprio e dos seus famosos amigos e mentores, da sua estratégia austeritária, da sua "blitzkrieg" financeira, da sua Quimioterapia Fiscal. A "revolução austeritária", como se diz que acontece em todas as revoluções, acabou a trucidar e a devorar um dos seus filhos mais amados.

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:09 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Terça-feira, 25.06.13

Zangam-se as comadres (FMI e Comissão Europeia) e descobrem-se as verdades...

As "troikas" têm os dias contados. O FMI e a Comissão Europeia já andam pegados, e há acusações mútuas e ressentimentos de parte a parte.

Embora não seja fácil o divórcio imediato, há pelo menos uma separação clara, e a "troika" já vive, por assim dizer, em casas separadas.

O que levou a zanga tão profunda? O reconhecimento da verdade, pela parte do FMI, e a continuação em "estado de negação", por parte da Comissão Europeia. Uns já admitem os erros, outros continuam cegos pelo seu próprio fanatismo.

Na semana passada, o FMI tornou público um documento onde diz, preto no branco, que a acção das "troikas" na Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre foi um terrível falhanço!

E quais são as causas desse humilhante falhanço? Em primeiro lugar, os países credores nunca reconheceram a evidência de que a dívida dos países do Sul não era pagável, e tinha de se proceder a um imediato perdão geral, com renegociação da nova dívida.

Ou seja, o FMI vem reconhecer em meados de 2013 aquilo que muitos economistas, entre os quais me incluo, tinham defendido desde pelo menos 2010!

Era evidente, para quem estivesse de boa fé e percebesse um mínimo de economia, que jamais as dívidas públicas da Grécia e da Irlanda, mas também de Portugal e Chipre, poderiam ser pagas na totalidade. Não o aceitar, logo em 2010, foi uma perda de tempo e um sacrifício inútil para essas economias.

Mas, o FMI diz mais. Diz que foi sobretudo a teimosia de certos países (leia-se Alemanha) mas também da Comissão Europeia e do BCE, dominados ambos pela linha dura dos falcões da austeridade, que impôs o princípio de que só os devedores é que ajustavam, nunca os credores!

Esse princípio é totalmente errado, pois a irresponsabilidade foi mútua. Tanto foram irresponsáveis os devedores, que pediram demasiado dinheiro emprestado; como os credores, cegos pela ganância de ganhar dinheiro fácil e que fizeram péssimas avaliações de risco.

Porém, os falcões de Merkel e do Bundesbank, bem como o BCE e o patético Oli Rehn da Comissão, não aceitaram nenhum "perdão"! Era preciso fazer sofrer os "irresponsáveis" devedores do Sul da Europa.

Nasceu aí o segundo grave erro, que o FMI agora reconhece: os programas de "ajustamento" impostos pelas "troikas" foram demasiado rápidos, demasiado bruscos, e substimaram os efeitos recessivos de tanta austeridade!

Durante três anos, muitos economistas, entre os quais me incluo, pregaram no deserto, dizendo precisamente isso. A "austeridade" à bruta que foi imposta à Grécia, à Irlanda, a Portugal, mas também um pouco por todo o resto da Europa, não traria bons resultados. 

Como está à vista de todos, foram os críticos que tiveram razão. A Europa está numa crise geral, o desemprego cresceu para valores tremendos, e nenhum dos países do Sul está hoje em melhores condições para pagar a sua dívida pública, pelo contrário, as dívidas cresceram imenso!

Infelizmente para todos nós, a lucidez e auto-crítica do FMI é tardia, e além disso parece-me que não mudará nada de essencial. A Europa continua cega e não quer admitir que errou e que é fundamental mudar de caminho.

A Europa toda? Não. Curiosamente, a Sra Merkel revelou há dias os seus planos de governo para os próximos anos. A Alemanha prepara-se para gastar 20 mil milhões de euros em "auto-estradas" e aumentar a despesa do Estado em muitos outros "subsídios"!

Viva Merkel, a dona da Europa, que obriga os outros a poderosos sacrifícios para depois poder gastar à tripa forra no seu país. Grande senhora, sem dúvida!

 

publicado por Domingos Amaral às 11:41 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Sexta-feira, 14.06.13

A esquizofrenia económica e mediática do Governo

Qualquer estudante de Economia sabe que a psicologia dos povos é tão ou mais importante para a economia do que as decisões reais dos governos. 

Desde Keynes até aos pensadores das expectativas racionais, todos estão de acordo que os "estados de alma" de um povo, o seu optimismo e pessimismo, a sua esperança ou a sua descrença no futuro, podem determinar o andamento da economia.

Não é pois de estranhar que os Governos tentem, com os seus discursos, influenciar a psicologia de um país. Por vezes com avisos, como o de Cavaco, com o célebre "gato por lebre"; ou o de Barroso, com o não menos célebre "o país está de tanga". 

Por outras, há uma intenção clara dos políticos de tentar inverter as expectativas, passar do pessimismo ao optimismo. Foi isso que vez Vítor Gaspar, quando há uns dias atrás proclamou bem alto: "este é o momento do investimento"!

Porém, estes discursos psicológicos têm de ser coerentes. Se o discurso visa "arrefecer" a economia, tem de se ser consistente durante uns tempos. Se, pelo contrário, o discurso visa "reanimar" a economia, não se pode dar boas notícias à segunda-feira e más notícias à sexta.

Ora, é precisamente essa coerência que não vejo neste Governo. Tão depressa Passos diz que "as condições de financiamento estão a melhorar", como diz que "o desemprego vai continuar a aumentar". 

Num dia fala-se em "voltar a crescer", passados dois dias fala-se em "cortes substanciais nos salários e nas pensões". De manhã acorda-se a dizer que há "sinais muito positivos na receita fiscal", e à tarde decide-se não pagar os subsídios de férias porque "não há dinheiro".

Esta permanente montanha-russa de boas e más notícias mostra bem o descontrole comunicacional do Governo. Como acreditar que "este é o momento do investimento" quando se anuncia ao mesmo tempo profundos "cortes nas pensões e nos salários"? Como acreditar que há "sinais encorajadores" quando o desemprego bate recordes todos os meses?

Cada semana que passa fico mais convencido que este Governo teve um ataque agudo de esquizofrenia económica, é um Governo bipolar, que anda a deixar os portugueses à beira de um ataque de nervos.

E as coisas não parecem estar a melhorar. Há dois dias, por exemplo, Passos Coelho zurziu no FMI por este ter feito umas críticas à União Europeia, e Cavaco chegou a pedir a saída do FMI da "troika".

Porém, apenas um dia depois, o Governo confirmou que vai levar à prática todas as medidas que o FMI propôs para cortar na despesa. Em que é que ficamos? Então o FMI é duvidoso, mas fazemos o que ele manda?

É natural que o país ande confundido. Nestes altos e baixos permanentes, vivemos entre crenças que duram uns dias e depressões que duram umas semanas. Como os infelizes pais de um filho esquizofrénico, estamos esgotados e sem saber em quem acreditar.

 

publicado por Domingos Amaral às 11:22 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Quinta-feira, 14.03.13

Seja bem vindo Francisco I

Um Papa vindo da Argentina nunca pode deixar de ser uma boa notícia!

E ainda por cima chamado Francisco, um nome muito bonito, que ao ser escolhido deu logo uma dimensão diferente ao novo Papa. É com pormenores destes que se começa a ganhar o coração das pessoas.

Mas, voltemos à Argentina. É um país fascinante e preocupante ao mesmo tempo, e é também uma espécie de laboratório para o que se pode vir a passar na Europa. A crise económica, por lá, dura há mais de cinquenta anos.

A Argentina já passou por tanta coisa, que ainda me espanto como é que têm energia para passar por mais. É bom o Papa vir de lá, é bom "que o tenham ido buscar ao fim do mundo", como ele disse, numa frase que soa a Luís Sepúlveda ou a Vargas Llosa, que não são argentinos mas são da região.

Vindo dessa Buenos Aires que é sempre linda e sempre dorida, acredito que este Papa seja uma nova força, pois compreende muito bem a grave crise económica porque a Europa está a passar.

Também por lá, na Argentina, se praticou esta austeridade dura e cruel, e o resultado foi uma enorme desastre. Depois de quatro ou cinco anos de violentos sacrifícios impostos pelo FMI e pelos "neo-liberais", o desemprego explodiu, a recessão agravou-se, e o país entrou numa espiral depressiva gravíssima, que acabou numa convulsão social e política ainda mais grave.

Em 2001, para espanto do mundo, a Argentina revoltou-se e viveu anos de puro pavor económico. Uma década depois, as feridas da crise ainda não sararam. A Argentina teve muito azar. Primeiro, levou com a loucura da austeridade neo-liberal. Depois, levou com a loucura de um populismo de esquerda do casal Kirsnher, que só agrava a situação.

Francisco I, o novo Papa, viu tudo isto aos seus olhos, as loucuras políticas que a direita e a esquerda argentina têm praticado no país, e sempre criticou ambas. Criticou a austeridade neo-liberal e o FMI, e depois criticou o populismo esquerdista que só tem gerado miséria.

E é também por isso que ele será importante como Papa, porque nos pode mostrar uma terceira forma de estar na política, que tanto critica o capitalismo financeiro desenfreado como o socialismo pateta e torpe.

Seja bem vindo também por isso Francisco I. Que Deus o ajude e a nós também, que bem precisamos. 

publicado por Domingos Amaral às 10:11 | link do post | comentar
Quinta-feira, 10.01.13

Já começou a revolução neoliberal?

Odeio revoluções. São precipitadas, causam enormes sofrimentos, e só servem para atrasar o desenvolvimento económico dos países. Se as revoluções fossem boas, o Haiti era riquíssimo. E não me interessa a cor delas. Não tenho pachorra para cravos, vermelhos ou brancos. 

Em 1975, já tivemos um PREC (Período Revolucionário em Curso) de esquerda. E agora parece que iremos ter um PREC de direita. O relatório do FMI, se for levado à prática, provocará uma revolução no país. Tão profunda e precipitada como a que tivemos em 1974 e 75, só que de sinal contrário.

É importante relembrar que o PREC de esquerda foi uma tragédia. Nacionalizou milhares de empresas, paralizou a banca, degradou a economia, e deu exagerados poderes, e direitos, aos trabalhadores. Com ele, Portugal perdeu anos de desenvolvimento.  

Agora, está em preparação um PREC de direita, um PREC neoliberal, tão utópico e precipitado como o anterior. Milhares de funcionários públicos para a rua, 20 por cento é o número avançado pelo FMI! Cortes drásticos nos salários, mudanças violentas na função pública, na educação, na saúde. Um arraso no Estado, que para os neo-liberais é o grande Satanás!

É evidente que há importantes diferenças entre os dois PREC. O PREC de esquerda atacou os bancos, os ricos, os industriais, os grupos económicos. Já o PREC de direita proteje os bancos e as grandes empresas, mas ataca os funcionários públicos, os remediados, os professores, os desempregados e os pensionistas.

Mas, há uma relevante semelhança entre os dois PREC: o timing errado. O PREC de esquerda foi feito em má hora, depois de uma grande subida dos preços do petróleo. Já o PREC de direita é anunciado quando o país está mergulhado numa profunda crise. Cortar 4 mil milhões de euros à despesa do Estado é cortar 2% do PIB, e agravar a recessão. Se os desempregados já são 800 mil, despedem-se mais 150 mil pessoas? E para quê, para lhes ter de pagar indemnizações e subsídios de desemprego? Como é possível pagar a dívida do país com quase 1 milhão de pessoas sem trabalho? 

E o pior de tudo é que, depois da revolução e como é costume, teremos de aturar a contra-revolução. Se a direita aplica o seu PREC agora, daqui a uns tempos perde as eleições e aparece a contra-revolução de esquerda, que anula a maior parte das medidas agora tomadas. Já vi o filme várias vezes, e é isso que acontece quando não se procura um consenso social, e se faz as coisas à pressa.

Sejam de que cor forem, os PREC não prestam. Se a estabilidade política tem ajudado Portugal a vencer a crise, para quê estragá-la com uma revoluçãozinha neoliberal?

   

publicado por Domingos Amaral às 14:10 | link do post | comentar
Terça-feira, 20.11.12

Os "Zandingas" e as "Mayas" da Economia

Os seres humanos sempre adoraram prever o futuro, e quem o consegue conquista um poder especial, quase divino. Os druidas gauleses observavam as entranhas dos peixes, a Nancy Reagan consultava uma cartomante, os meteorologistas avisam o tempo dos próximos dias, os espectadores matinais da SIC escutam os horóscopos da Maya, e os economistas do mundo inteiro fazem previsões sobre 2013 e 2014. 

Para enfrentar a ansiedade da vida, nada melhor do que uma crença positiva sobre os dias de amanhã. Será que vai chover? Consulte-se o weather.com. É amanhã que ela vai descobrir o amor da sua vida? Ela é Peixes, e diz na revista que a próxima semana é fundamental no Amor! Ele irá ser bem sucedido na operação aos intestinos? A carta do Tarot anunciava um bem-estar radioso! Será que Portugal vai crescer em 2014? A previsão do Governo diz que sim, 0,8 por cento!

O problema do futuro é que há cada vez mais gente a tentar prevê-lo! Nas sociedades primitivas, esse poder era exclusivo dos sacerdotes, que mandavam matar quem os desafiasse. Com o tempo, o número de druidas cresceu exponencialmente, e hoje é escusado esventrar animais ou esfregar bolas de cristal, há modelos matemáticos que não sujam as mãos nem nos fazem passar por charlatão.

Só que, havendo tantos a prever o futuro, quem tem razão? Sim, é a Maya ou é o professor Bamba? Será o Tarot mais eficaz que o horóscopo Chinês? Será o weatherchannel mais preciso que o Instituto de Meteorologia? E quem está mais perto da verdade, nas suas previsões para 2013: o Banco de Portugal, o Governo ou o FMI?

Há umas décadas, na semana anterior a qualquer passagem do ano, os jornais publicavam as previsões dos astrólogos para o ano seguinte. Foram os tempos do saudoso Zandinga e de outros personagens semelhantes. Hoje, já não há Zandinga, mas há a OCDE, a União Europeia, o Conselho Económico Social, e muitos outros organismos capazes de nos adivinharem o futuro. 

Mas quem é o melhor Zandinga da economia? Por exemplo, em 2013 o PIB poderá retrair-se 1 por cento (Zandinga do Governo); 1,6 por cento (Zandinga do Banco de Portugal); ou 2 por cento (outro Zandinga qualquer, cujo nome agora não recordo, mas que não era a Maya nem o professor Bamba). E o deficit poderá ser de 4%, 5%, 4,5%, ou mesmo 3,5%, consoante se consulte a cartomante de Berlim ou a de Bruxelas.

No final do dia, é natural que os portugueses estejam um pouco confusos. A guerra das previsões económicas é uma guerra feroz, onde cada druida tenta ganhar ascendente sobre os outros, provando que andou mais perto da verdade. Na realidade, o que isso interessa? Em 2013 já ninguém se vai importar com as previsões feitas um ano antes, e toda a gente já estará a consultar a Maga Patalógica para saber o que vai acontecer em 2014, ou mesmo em 2015.

E amanhã, será que vai mesmo chover? Pelo seguro, como dizia a minha avó, é melhor levar o guarda-chuva.    

 

publicado por Domingos Amaral às 11:34 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Quarta-feira, 26.09.12

O Fantasma da Argentina

Sempre que alguém defende que a "austeridade" é o caminho errado para pagar a "dívida soberana", há logo alguém que contrapõe: "então, qual a alternativa, queres acabar como a Argentina?" Ora, convinha que nos recordássemos todos do que se passou na Argentina entre 1998 e 2002, para evitar os erros que lá se cometeram, e fugir a um desfecho tão caótico.

E o que se passou por lá? Pois bem, em 1998 o FMI aterrou na Argentina e impôs ao país uma política de austeridade muito forte - cortes na despesa do Estado, aumento de impostos directos e indirectos, privatizações das principais empresas públicas, e redução salarial geral, para funcionários públicos e privados. Além disso, e ao contrário do que tinha feito no passado noutros países, o FMI impôs uma taxa de câmbio fixa entre o peso e o dólar, o que em muitas coisas é semelhante a ter uma moeda única.

Quais foram os resultados desta política? Foram o que se esperava: queda da actividade económica, recessão generalizada, queda das receitas fiscais e aumento do defict do Estado e da dívida pública. Ou seja, entre 1998 e 2001, aconteceu na Argentina precisamente o que está a acontecer nos nossos dias na Grécia, em Portugal, e também em Espanha, Irlanda ou Itália. Esmagados entre uma brutal austeridade e uma impossibilidade de desvalorização cambial, os argentinos foram-se afundando numa espiral depressiva, ou naquilo que em economia se chama "a armadilha da dívida e da deflação".

E, sem ver resultados positivos, os argentinos começaram a revoltar-se, nas ruas e depois nas urnas. A receita de austeridade provocou uma convulsão social e uma revolta política profunda, e em 2001 subiu ao poder um populista de esquerda, chamado Nestor Kirchner - marido da actual presidente da Argentina - que para acalmar a revolta do povo tomou a decisão drástica de suspender os pagamentos da dívida argentina (vulgo, calote), e de desvalorizar o peso.

O que se seguiu não foi bonito de se ver. Durante quase um ano, a Argentina viveu momentos dramáticos, com fome, sem dinheiro nos bancos, e um desespero generalizado. Porém, a partir de meados de 2002, a situação começou a melhorar e o país voltou ao crescimento económico e regressou a paz política e social.

Devíamos pois retirar do exemplo argentino vários ensinamentos. O primeiro é o de que as políticas de austeridade do FMI ou da "troika" não resultam. A dívida em vez de diminuir aumenta; o deficit em vez de diminuir aumenta; o desemprego em vez de diminuir, aumenta. A recessão provoca mais recessão, e não há crescimento económico, mas sim decrescimento. O segundo ensinamento é o de que as políticas de austeridade conduzem normalmente a graves crises sociais e políticas, que podem desestabilizar fortemente um país, levando-o a tomar atitudes drásticas de revolta. 

Basta ver o que se está a passar na Grécia, em Portugal, e até em Espanha, para perceber que o filme na Europa está cada vez mais parecido com o filme argentino, e que se a direção das políticas não mudar, o resultado pode ser idêntico. Daqui a algum tempo, a revolta política e social será profunda e imparável, e ninguém sabe o que poderá acontecer. É isso que queremos para Portugal? É que, não tenham ilusões, ou paramos a tempo este caminho, ou o caos vai mesmo aparecer. De Atenas, Madrid ou Lisboa em 2012, a Buenos Aires em 2001 é um instante...

publicado por Domingos Amaral às 12:28 | link do post | comentar | ver comentários (2)
 

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