Terça-feira, 10.12.13

A estranha contradição de Passos Coelho

"O Estado deve ajudar a economia a crescer contendo a despesa".

É esta a afirmação mais forte de Passos Coelho na entrevista que dá hoje ao Jornal de Negócios, e que a publicação puxa para título de capa.

Aposto que todos os meus amigos de centro-direita assinariam por baixo, e que adoram que o primeiro-ministro diga estas coisas.

Mas, há um pequeno problema, que pelos vistos escapa a Passos Coelho e a muita gente.

É que a frase é uma enorme contradição, tanto em termos teóricos como em termos práticos, como Portugal bem demonstra nos últimos dois anos.

Vamos primeiro à teoria.

Qualquer aluno de macroeconomia, no segundo ano do seu curso universitário, sabe que a despesa do Estado aumenta sempre o crescimento económico, e que o corte na despesa do Estado diminui sempre o crescimento económico de um país.

É isto que os alunos de economia aprenderam, ao longo de muitas décadas, e não há qualquer economista considerado, em qualquer país do mundo, que ensine outra coisa.

Ou seja, na teoria económica, a frase de Passos é um aborto, nunca se "ajuda" o crescimento com cortes na despesa do Estado.

Mas, além de ser um aborto teórico, é um aborto na prática.

Veja-se por exemplo o que aconteceu em Portugal.

Em 2012, o governo decidiu fazer profundos cortes na despesa do Estado.

Cortou os subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e aos pensionistas, e cortou muitos "consumos intermédios" na despesa do Estado.

E qual foi o resultado?

Como previa a teoria económica, o resultado foi uma recessão dos diabos!

Caiu o PIB, aumentou drasticamente o desemprego, e caíram também as receitas fiscais, levando a que o deficit orçamental do Estado diminuisse muito pouco, e muito menos que o Governo desejava.

E tanto assim foi que o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, se demitiu envergonhado com os resultados.

Ou seja, o corte de 2012, ou "contenção", como lhe chama Passos, na despesa do Estado foi um brutal fiasco económico, com efeitos destrutivos sobre Portugal.

Agora vejamos o que aconteceu em 2013.

Em 2013, impedido pelo Tribunal Constitucional de repetir a dose de cortes, o Governo foi obrigado a subir muito o IRS, com o já famoso "enorme aumento de impostos".

E o que aconteceu?

Bem, o que aconteceu foi que o PIB voltou a crescer, o desemprego começou a descer, as receitas fiscais do Estado cresceram imenso, e o deficit vai reduzir muito, até podendo acontecer que Portugal consiga ficar abaixo dos 5,5% que combinou com a "troika".

Ou seja, e citando o ministro Pires de Lima, em 2013 aconteceu um "milagre económico"!

E reparem que as exportações estiveram sempre a crescer, fosse em 2012 ou em 2013, portanto não foram elas, nem as responsáveis pela queda em 2012, nem pelo aumento do PIB em 2013.

A verdade nua e crua é esta: a economia portuguesa ajustou-se muito melhor ao aumento do IRS de 2013 do que aos brutais cortes de despesa de 2012!

Isto não é uma questão de ideologia ou crença, isto são factos!

Portanto, a frase de Passos Coelho é um estranho absurdo, só explicável por uma crença política.

Ele acredita mesmo numa ideia que é um aborto teórico e num aborto prático!

É isso que é pena, pois devia haver, ao fim destes anos e com estes resultados, mais lucidez em Passos.

Se ele tivesse aprendido alguma coisa com o que se passou em Portugal, o que Passos devia dizer era: "o Estado deve ajudar a economia a crescer mantendo o IRS alto, pois era baixo demais".

Ou: "a melhor maneira do Estado ajudar a economia a crescer é não fazendo cortes à bruta na despesa".

Ou ainda: "há duas maneiras de descer um deficit, uma são os cortes na despesa, outra são os aumentos de impostos, e esta última é muito mais eficaz e não destrói tanto a economia". 

Porém, Passos parece nem perceber de teoria económica, nem sequer olhar para a realidade da economia do seu país, e em 2014 vai repetir a receita de 2012, e massacrar Portugal com mais cortes de salários e pensões.

Sendo assim, como prevê a teoria e como a prática vem mostrando, é muito provável que em 2014 entremos em nova recessão.

Lá se irá o "milagre económico" de Pires de Lima para o lixo e a frase de Passos vai mostrar, mais uma vez, o esplendor do seu absurdo.

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:54 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Segunda-feira, 11.11.13

Governo: há as boas notícias...e há o Rui Machete!

O Governo só pode andar contente com as últimas notícias.

O desemprego baixou um pouco, o que é bom.

Pode ser por más razões (emigração), pode ser passageiro (sazonalidade), ou por boas razões (mais turismo).

Mas, ninguém no seu juízo perfeito pode considerar isso mau para Portugal.

As exportações também continuam a crescer bem, o que é bom.

Pode ser porque há uma nova fábrica da Galp, ou porque China está a aumentar a procura, mas ninguém no seu juízo perfeito pode dizer que isso é mau, para Portugal.

As taxas de juro da dívida pública também estão a descer, o que é muito relevante.

Pode ser porque o Banco Central Europeu desceu as taxas, pode ser porque algumas agências de rating mudaram um pouco a sua opinião sobre o nosso país, ou porque o Governo é visto como mais credível.

Mas, ninguém no seu juízo perfeito pode dizer que isso é mau para Portugal.

Embora estes sinais positivos não sejam, nem de perto nem de longe, um "milagre económico", são positivos.

Porém, e infelizmente, o Governo não parece perceber três coisas.

A primeira é que a estratégia para 2013, aumentar o IRS cortando menos da despesa, parece ter sido bem menos negativa do que a estratégia de 2012, onde se cortou salários e pensões.

Ou seja, a austeridade do lado dos impostos é menos gravosa para a economia.

A segunda coisa que o Governo não percebe, é que repetir para 2014 a mesma estratégia de 2012 (cortes fortes nos salários e nas pensões), será um risco muito forte, pois pode gerar uma nova recessão.

Para quê provocar nova recessão quando os sinais de recuperação são relevantes?

Não será, digo eu, pouco inteligente voltar a cometer o mesmo erro que se cometeu em 2012?

Por fim, a terceira coisa que este Governo não parece perceber é que Rui Machete é uma tragédia de relações públicas permanentes!

Este Governo, pelos vistos, precisa de ter sempre uma maçã podre, que vai degradando a sua imagem, sem pressa, mas também sem pausas.

Na primeira fase, foi o inimitável Miguel Relvas.

Agora, é o sempre incompreensível Machete. O pobre ministro não acerta uma!

Agora até se aventurou a falar em taxas de juro, como se fosse ministro da economia ou das finanças! 

É um marreta, que só diz inconveniências, como se fosse uma tia velha que já não tem a noção das coisas...

E curiosamente, Passos parece aturá-lo exactamente como se atura uma tia velha.

Por mera caridade, não o expulsa da sala e não o mete num lar de idosos.

publicado por Domingos Amaral às 14:20 | link do post | comentar
Quarta-feira, 06.11.13

A Alemanha anda a lixar o euro?

Nas últimas semanas, a Alemanha tem sido muito criticada, seja pelos americanos, seja pelo FMI, seja até subtilmente pela Comissão Europeia.

A causa das críticas é simples: a Alemanha tem um enorme excedente comercial, exporta muito mais do que importa, e isso tem desequilibrado muito a situação na zona euro.

Os outros países, sobretudo os países do Sul, têm grandes déficits comerciais e de capitais com a Alemanha, e apesar de os estarem a tentar corrigir, com tremendos esforços e profundas recessões, o equilíbrio não volta, pois a Alemanha não faz nenhum esforço para corrigir o seu excedente.

A economia é assim, cada moeda tem sempre duas faces.

Se nós temos um déficit na balança comercial ou de transações correntes, alguém tem de ter um excedente. Para que este desequilíbrio se consiga corrigir, ambas as partes têm de alterar as suas políticas.

Contudo, os alemães não aceitam este princípio.

Eles acham que os déficits dos países do Sul existem porque eles são pouco produtivos, pouco competitivos, e consomem demais, importanto mais do que deviam.

Mas, acham que o seu excedente é virtuoso, sinónimo de competitividade alemã e de vitalidade económica, e não querem deixar de o ter.

Portanto, não querem saber nem de conselhos nem de críticas.

Não querem subir salários na Alemanha, não querem mais inflação, nem querem ter de importar mais.

Ou seja, querem continuar como são, porque se julgam melhores que os outros.

Porém, assim não há equilíbrio.

Por mais que os países do Sul tentem corrigir, gastando e importando menos, se a Alemanha não puxar pela sua economia, os países do Sul não conseguem exportar para lá, e por isso não conseguem crescer.

É pois, ou devia ser, evidente para todos que o euro não está a funcionar bem.

Não é possível aceitar que só a Alemanha ganhe com o euro, como tem ganho.

Foram 10 anos de grandes excedentes para a Alemanha, e grandes déficits para os países do Sul!

Para muitos países, começa a não fazer sentido estar numa união monetária em que só a Alemanha ganha, e quase todos os outros perdem.

Se os alemães não perceberem isto depressa, e continuarem cegos, o que é o mais provável porque eles se acham superiores a todos os outros, em breve será impossível sustentar um euro que provoca estes graves desequilíbrios.

Antes do euro, a única forma que os outros países tinham de impedir esta supremacia da Alemanha, era desvalorizarem as suas moedas.

Agora, não têm essa arma, e por isso estão reféns da Alemanha, que os despreza e humilha constantemente.

Ou isto muda depressa e a Europa se transforma nuns Estados Unidos da Europa, ou a coisa, mais cedo ou mais tarde, fica insustentável.

Que sentido faz termos uma moeda que nos prejudica e empobrece?

 

publicado por Domingos Amaral às 13:06 | link do post | comentar
Sexta-feira, 04.10.13

A economia está melhor, mas ninguém vai sentir muito...

Ontem, a "troika" aprovou as suas avaliações a Portugal, e o Governo confirmou que as medidas austeras são para manter em 2014.

No entanto, Passos, Portas e a "troika", todos nos dizem que a economia "está melhor", e que 2014 será "melhor" que 2013.

É provável que assim seja, mas no seu quotidiano a maior parte dos portugueses não irá sentir muito essas melhorias.

O desemprego pode descer umas décimas, mas os impostos continuarão altos, as pensões sofrerão cortes, bem como os salários dos funcionários públicos.

O crédito também não aliviará muito, nem para as empresas, nem para os particulares.

Tal como durante tantos anos no passado, parece haver uma disfunção clara entre uma entidade abstrata chamada Portugal, e a vida real dos portugueses.

Durante quase uma década, entre 2002 e o presente, os números económicos e financeiros de "Portugal" nunca foram brilhantes.

O crescimento foi fraco, com poucas excepções; o déficit esteve sempre alto, fora dos limites de Maastricht; o déficit comercial foi-se agravando sempre, porque havia muito mais importações do que exportações; os impostos foram sempre subindo; etc, etc.

No entanto, como havia crédito fácil e todos se endividavam (Estado, empresas e pessoas), havia sempre muito dinheiro disponível, e este "efeito riqueza" dava a ilusão a todos que se vivia cada vez melhor.

E, de facto, era verdade. Os portugueses viveram bem, mesmo que os números de Portugal fossem medíocres.

Agora, no presente, e depois de uma violentíssima crise financeira e económica, o que ouvimos é o oposto.

Os números de Portugal começam a melhorar. Há mais crescimento, menos déficit, ligeiramente menos desemprego.

Porém, os portugueses sentem-se muito pior, e todos se habituaram a viver com muito menos dinheiro do que antes.

É estranho, mas os portugueses não parecem ser os habitantes dessa entidade mítica chamada Portugal.

Há entre eles e Portugal um desfasamento permanente, como se não conseguissem acertar com o passo um do outro numa dança.

Quando Portugal parecia anémico, os portugueses dançavam vertiginosamente.

Quando Portugal parece arrebitar, os portugueses estão macambúzios e deprimidos...

Será que algum dia o passo desta valsa acerta? 

publicado por Domingos Amaral às 11:31 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Quarta-feira, 24.10.12

Europa: a recessão a "transbordar"!

Um dos grandes motivos de orgulho deste governo é que a balança comercial do país está positiva, pela primeira vez em muitas décadas. À primeira vista, isto parece bom. Portugal exporta mais do que importa, as exportações cresceram e as importações diminuíram, portanto devíamos estar contentes, certo? Sim e não. Sim porque é bom exportar, não porque a queda das importações é apenas uma consequência da recessão económica, e portanto significa que temos todos menos dinheiro para gastar, e por isso compramos menos bens importados.

Além disso, há um outro efeito grave que está esquecido, que é o efeito de "transbordo". É fácil de perceber: se Portugal deixou de importar, então outro ou outros países deixaram de exportar. A recessão portuguesa, provocada pelo programa de ajustamento, "transborda" para os nossos parceiros comerciais, que assim são afectados por ela. Nós transbordámos a nossa recessão para eles, e eles transbordaram as deles para nós.

Neste momento, a Grécia, a Irlanda, Portugal, a Itália, o Reino Unido, a Espanha e a França estão todos a praticar austeridade, e portanto a diminuir as suas importações. Mas, se todos cortam as suas importações, então quem é que consegue exportar?

É devido a este efeito de "transbordo" que a recessão europeia se tem vindo a ampliar. Começou na Grécia, mas agora está generalizada, e já chegou até à Alemanha, que está a sentir as suas exportações a cair porque os outros países europeus estão todos em recessão, recessão essa causada em grande parte pelas políticas de austeridade tão do agrado da Sra Merkel.

Este efeito de "transbordo" é uma das razões porque, com uma moeda única, as políticas nacionais não resultam. E isto ainda vai piorar. Em 2013, Portugal irá praticar mais austeridade, devido ao "enorme aumento de impostos". Os portugueses vão importar ainda menos, em especial de Espanha, que é o nosso maior parceiro comercial. Ao mesmo tempo, em 2013 a Espanha também vai praticar profunda austeridade, o que significa que também vai importar muito menos, e Portugal vai sofrer, porque Espanha é o nosso principal mercado exportador. Como dois náufragos que mal sabem nadar, Portugal e Espanha irão assim abraçados para o fundo...

É por estas e por outras, que a Europa está como está.

publicado por Domingos Amaral às 11:11 | link do post | comentar
 

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