É um drama o Syriza ganhar as eleições na Grécia?

O melodrama da Grécia tem sido sempre um enorme exagero.

Como pode uma economia que vale apenas 2% da zona euro colocar tudo em causa?

É assim como se a questão de saber quem governa a Madeira fosse essencial para Portugal.

Ora, como se sabe, Jardim e o PSD governaram a Madeira durante décadas e o resultado foi ainda pior do que o continente, com uma dívida colossal.

Mas, a dívida da Madeira valia pouco, no total da dívida portuguesa, e o mesmo se passa com a Grécia.

Os seus milhões de euros de dívida são uma gota de água no oceano das dívidas públicas de todos os países europeus.

 

Enão, porque é que que a Grécia é tão importante, e há tanto melodrama à volta dela?

A verdade é esta: a Grécia é importante porque o país pode estar à beira de desafiar o pensamento único europeu (leia-se alemão)!

Como sabemos, a Sra Merkel impôs uma linha dura e austeritária à Europa, desde 2010, e a Grécia foi a primeira a levar com essas medidas draconianas.

Merkel queria o sacrifício dos devedores, e não admitiu até hoje qualquer desvio da linha original.

Austeridade para cima dos gregos, nada de reestruturar dívidas, nada de mutualizar dívidas na Europa, e nada de aumentar a despesa pública nos países com dívidas grandes.

 

Infelizmente para todos nós, esta dieta não produziu grandes resultados, pelo contrário.

A austeridade provocou recessão, desemprego, e os países em vez de diminuírem as dívidas, aumentaram-nas!

Devido à austeridade da Sra Merkel, a Europa afocinhou na recessão e na deflação.

Pior: por todo o lado, os movimentos políticos extremistas estão em crescimento.

Na Inglaterra, em Espanha, em França, em Itália, na Grécia, mesmo na Alemanha, crescem os partidos que não aceitam a via oficial germânica, e aumentam os radicalismos nacionalistas, e os desejos contra o euro.

 

O Syriza, que a Sra Merkel tanto despreza, é um filho bastardo da própria Sra Merkel.

Foi à conta da austeridade, da recessão e do desemprego gregos que o Syriza medrou e cresceu.

É um filho revoltado, e como costuma acontecer nesses casos, a sua revolta é contra os pais, ou neste caso a mãe.

Embora nos últimos tempos, prestes a vencer as eleições, o Syriza tenha moderado o seu discurso, a verdade é que pela primeira vez pode chegar ao poder um contestarário do discurso oficial.

 

E, regresso à pergunta de partida, qual a gravidade disso?

É evidente que isso é grave...para os paizinhos da austeridade.

Pela primeira vez, alguém os pode obrigar a mudar um pouco a política, e a terem de gramar com alguém que não pensa como eles, e quer fazer as coisas de forma diferente.

Um herético no poder, pensa a sra Merkel? Pode lá ser! Isso é inaceitável!

Porém, a democracia é assim, e se o Syriza lá chegar, é com ele que Merkel e a Europa terão de negociar.

 

Será isso que se passará em seguida: uma negociação entre o frágil Syriza e a toda poderosa Merkel.

É evidente que quem pensa que o Syriza conseguirá mudar muito as coisas, deve baixar as expectativas.

Negociar na Europa não será fácil, mas também não é drama nenhum.

É bom que os políticos europeus se habituem a isso, a ter de negociar com quem, em cada país, é eleito pelo seu povo.

E é bom também que os eleitos em cada país se habituem a isso, a ter de negociar com a Europa, neste caso com a Sra Merkel.

 

A democracia é negociação permanente, e só pode ser positivo que alguém, na Europa, obrigue a Sra Merkel a negociar, coisa que ela pouco fez nos últimos tempos.

Desta vez, terá de negociar com o seu filho bastardo.

Pode não ser agradácel para ela, mas também não é o fim do mundo. 

publicado por Domingos Amaral às 10:24 | link do post | comentar