Terça-feira, 25.09.12

A Cigarra, a Formiga e o Ministro

Ontem, devido ao mau tempo que a impedia de ir à praia, uma cigarra dirigiu-se ao café, para tomar uma bica. Sentou-se numa mesa e ali ficou, com um ar abatido. Pouco depois, entrou no café uma formiga, que vendo a cigarra tão desanimada, dirigiu-se a ela e perguntou:

- O que é essa cara, estás doente?

A cigarra encolheu os ombros. Não estava doente, estava com a neura. E explicou:

- Estou farta disto. Sempre que os políticos têm de chamar preguiçosos a alguém, usam as cigarras como exemplo. Ouviste o ministro da Administração Interna, o Macedo?

- Sim, ouvi - respondeu a formiga.

- Diz que os portugueses deviam ser mais formigas e menos cigarras.

A cigarra bufou:

- Como se nós fossemos preguiçosas!

A formiga franziu as sobracelhas:

- Bem, não vou dizer que ele tem razão, mas vocês são um bocado...sei lá, são cigarras!

A cigarra abanou a cabeça, desconsolada e disse:

- Só porque não trabalhamos como vocês, isso não quer dizer que sejamos preguiçosas. Não trabalhar não significa que não façamos nada. Ir à praia também é gastar gasolina, gastar dinheiro em cremes para o bronze, gastar dinheiro em biquinis, em cervejas, em gelados, em comunicações de telemóveis. Bolas, então agora as pessoas acham que é mal gastar dinheiro? 

A formiga ficou em silêncio. Percebeu a ideia, mas não estava muito de acordo com a cigarra.

- Achas que a crise não afecta as cigarras? - perguntou a cigarra.

A formiga nunca tinha pensado naquele ponto de vista e permaneceu calada. A cigarra insistiu:

- É cada vez mais difícil ir à praia. A gasolina está cara, o iva subiu, o dinheiro não dá para nada! Mesmo que eu não queira fazer nada, tenho cada vez menos dinheiro para não fazer nada! 

A formiga começou a percebê-la e confirmou com um aceno de cabeça.

- Lá isso é verdade, eu também tenho cada vez menos dinheiro...

A cigarra olhou para ela espantada, não estava à espera de ouvir tais palavras:

- Então?

A formiga encolheu os ombros:

- Trabalho como um cão, o ano inteiro a levar comida para casa, e depois o governo sobe o IRS, corta-me o salário, e tira-me uma parte do que eu amealhei. Além disso, é cada vez mais difícil armazenar comida para o inverno, com as subidas do IVA. Trabalho o mesmo e cada vez tenho menos. 

A cigarra estava espantada a olhar para ela e mais espantada ficou quando a formiga disse:

- Está a ser cada vez mais difícil ser formiga. 

Aproximou-se da cigarra, e falou mais baixo:

- Sabes, há dias em que me apetece ser como tu...

A cigarra abriu muito os olhos:

- Como eu?

- Sim, respondeu a formiga. Ser cigarra. Não trabalhar. 

A cigarra estava estupefacta e indignou-se:

- É pá, isso não pode ser! Tu não és uma cigarra, tu tens de ser uma formiga, senão a fábula perde o sentido!

A formiga encolheu os ombros:

- Que se lixe a fábula! Estou farta disto! É um massacre, tiram-nos o dinheiro todo!

Neste ponto, a cigarra estava totalmente de acordo:

- Tens toda a razão! Estes gajos andam a lixar a economia toda, e ficamos todas pior, cigarras ou formigas!

Sentindo-se com confiança, a formiga levantou a voz:

- Estou farta da troika, da austeridade, destes imbecis! E do ministro também!

- Apoiado! - gritou a cigarra.

- Qualquer dia rebento com esta merda toda, pegamos fogo ao país, fazemos como as formigas gregas!

- Apoiado! - gritou a cigarra.

Num ímpeto de indignação, a formiga levantou-se e berrou bem alto, para que todos no café a ouvissem:

- Estou farta de ser formiga, de ser honesta e trabalhadora! E a minha amiga cigarra, também está farta de ser cigarra, pois já nem para isso tem dinheiro!

A cigarra sorriu, lisonjeada pela referência. A formiga continuou, empolgada:

- A partir de agora, acabam-se as formigas e acabam-se as cigarras! A partir de agora, vamos todas ser vespas! Vespas insuportáveis, que azucrinam a cabeça dos ministros e dos políticos! E que os picam, e picam, e picam!

Houve um aplauso geral no café. Todos estavam indignados com a crise e com o governo. Todos estavam fartos de ser cigarras ou formigas, todos queriam passar a ser vespas, perigosas e zangadas! Juntaram-se para pensar o que fazer. Ainda sentada no seu lugar, a cigarra encontrou uma razão adicional para querer ser vespa. É que ela achava as vespas criaturas com muito bom gosto. Vestiam-se bem, misturando aqueles tons amarelos e negros com uns padrões listados. Além de temidas por todos, as vespas eram bonitas, com um ar de "femmes fatales". A cigarra estava a achar o "máximo" a ideia de se transformar numa vespa...

publicado por Domingos Amaral às 12:08 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 24.07.12

Formigas algarvias

As formigas algarvias, aqui na região de Castro Marim, são diferentes das do resto do país. Há dois tipos delas: as grandes e pretas, as formigas Terrano, e as pequenas e castanhas. As primeiras são formigas todo-o-terreno, só se passeiam no jardim e raramente fazem investidas dentro de casa. Passam por cima de tudo, até da água, são claramente insectos habituados ao Paris-Dakar e não têm qualquer interesse pelas actividades humanas ou pelos restos de comida que existem dentro de casa. Já quanto às outras, as mais pequenas, têm uma estranha cor. Normalmente, na região de Lisboa, as formigas pequenas são pretas, mas aqui são castanhas, de um castanho claro, e com as patas quase transparentes. Este aspecto suave leva-nos a subestimá-las, e quando damos por isso o chão está repleto delas, atacando furiosamente um pequeno pedacinho de corn-flakes que alguma criança deixou cair no chão. Mas, se pensam que andam só no chão, desenganem-se. Elas sobem às bancadas da cozinha com enorme facilidade, circulando junto do lavatório e aventuram-se mesmo no cesto do pão. É uma das guerras mais duras das férias, a batalha entre as pessoas e as formigas. Dura há milhares de anos e pelo que vejo aqui, elas ganham quase sempre!

publicado por Domingos Amaral às 12:18 | link do post | comentar | ver comentários (1)
 

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