Quarta-feira, 31.10.12

O Banqueiro Laranjinha (Aguenta lá esta!)

Ontem, Fernando Ulrich lembrou-me aquele alentejano da anedota, a quem perguntam se o burro aguenta a correr atrelado ao combóio, e ele responde: "entã nã há-de aguentar! Claro que aguenta! Ele até se está a rir, de língua de fora!" 

Foi desse alentejano que me recordei ao ouvir Fernando Ulrich dizer que "o país aguenta mais austeridade, claro que aguenta"! Que interessa que o burro já esteja de língua de fora, extenuado? Que interessa que o país esteja carregado de desempregados, que as empresas não consigam vender, que as lojas fechem, que as famílias estejam aflitas? 

Infelizmente, até as pessoas mais inteligentes têm péssimas ideias. É o caso de Fernando Ulrich. A fidelidade perfeitamente canina com que Ulrich defende o Governo só se percebe porque ele é um laranjinha fanático. Daqueles que, se não estivesse a gerir um banco, estava a colar cartazes, numa distrital qualquer. É por isso que, quando já quase ninguém acredita nas políticas deste Governo, lá aparece Fernando Ulrich para dar uma ajudinha aos seus amigos laranjas.

Vítor Gaspar enganou-se nas suas previsões? Fernando Ulrich louva-o, diz que "é um grande ministro das Finanças!" O Tribunal Constitucional examina as leis e obriga a mudanças? Fernando Ulrich ataca-o e chama a atenção para uma tenebrosa e sinistra "ditadura do Tribunal Constitucional"! O país está cansado e massacrado com a austeridade e com os "enormes aumentos" de impostos? Pois lá vem Fernando Ulrich declarar, em grande estilo, que "o país aguenta mais austeridade, claro que aguenta"!

Esta última afirmação caiu mal. Pode não ter sido essa a intenção, mas a verdade é que faz alguma impressão que alguém que ganha tão bem, e que por isso quase nada vai sofrer com a austeridade, venha dizer desta forma que o país "aguenta mais, claro que aguenta", quando para muitos portugueses essa é uma visão terrível do futuro. Para os desempregados, para as famílias que têm cada vez mais dificuldades, essa gozação do "aguenta" soa mal, muito mal, principalmente vindo de banqueiros, que não são propriamente inocentes nesta grave crise que atravessamos.

É que, convém lembrar, foram bancos como o BPI que passaram mais de uma década a emprestar dinheiro às pessoas, às empresas e ao Estado, contribuindo alegremente para este excesso de endividamento em que nos encontramos. E, no auge da explosão da crise financeira, foi com o dinheiro dos nossos impostos que o Estado salvou bancos como o BPI de uma situação bem mais grave. Não fossem as ajudas do Estado, e portanto o nosso dinheiro como contribuintes, e onde estaria agora o BPI?

O "aguenta" de Fernando Ulrich é pois duplamente desagradável, para dizer o mínimo. Ele não se devia esquecer que somos nós, portugueses, que estamos todos a "aguentar" uma vida cada vez pior para o poder ajudar a ele, Fernando Ulrich, a salvar o seu banco de um desastre. Quem devia "aguentar" mais eram os bancos e os banqueiros, não o resto do país. Mas pronto, desta vez Fernando Ulrich foi mesmo o "alentejano" da anedota...

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:10 | link do post | comentar | ver comentários (9)
Terça-feira, 30.10.12

Salvar a Pátria!

Estavam os três sentados à mesa do restaurante, dedicados a salvar a Pátria à hora do jantar. Entre eles, já tinham conseguido reunir para aí umas trinta ideias diferentes que conduziam ao mesmo objectivo, reduzir a despesa do Estado.

Um defendia que era preciso despedir funcionários públicos, não fazia sentido nenhum eles terem empregos garantidos para a vida. O outro proclamava que havia pelo menos 100 institutos do Estado que não serviam para nada, e deviam ser demolidos por um "bulldozer". Ao terceiro, enfurecia-o que os restaurantes fugissem todos ao IVA, e descobrira de imediato uma forma blindada de os obrigar a pagar o que ganhavam à custa de pessoas como eles, que vinham ali beber umas imperiais e comer uns caracóis. 

Entusiasmados, eram três génios à volta da mesa, perfeitamente capazes de resolver qualquer dilema nacional. 

- Ninguém nos mandou viver acima das nossas possibilidades! - rugia o primeiro.

- Isto é tudo culpa dos políticos e da mania das auto-estradas - urrava o segundo.

- Se não fosse a "troika" a pôr ordem nisto, não terminava o regabofe! - indignava-se o terceiro. 

Unidos naquele compromisso de ajustar o país entre o couvert e a sobremesa, lançavam-se em diatribes espectaculares contra a balbúrdia geral da nação.

- Que mal é que tem cortar nos subsídios de desemprego? - questionava o terceiro.

- As pessoas deviam era pagar nos hospitais, assim não passavam a vida a correr para lá cheias de dores! - exclamava o segundo.

- Em Portugal, anda tudo à mama do Estado, isto tem de acabar! - explodia o primeiro.

Nisto, entram no restaurante três mulheres, todas afiadas para a noite, e sentam-se na mesa ao lado da deles. O terceiro pisca o olho ao segundo. O primeiro foi o último a dar por elas, e ainda estava a falar da corrupção e do Sócrates, já os outros dois se tinham desligado da conversa e miravam, com uma pontinha de desejo, as senhoras da mesa do lado. Em especial uma delas, que tinha um decote generoso, uma saia curta, e meias pretas. 

- Adoro meias pretas - murmurou o segundo.

- Quem não adora? - questionou o terceiro.

De repente, o primeiro calou-se, esqueceu a política e a salvação nacional, e fixou-se no decote daquela mulher que já sorria na direcção dele. Animado, virou-se para os amigos e comentou, em voz baixa, para não ser ouvido na mesa das senhoras:

- Que belo par de mamas...

Esqueceram o país num segundo, meteram conversa com as moças, e quando regressaram às respectivas casas, no final de uma longa e divertida noite, já nenhum se lembrava da Pátria em perigo. 

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Quanto mais Portugal paga, mais deve!

Já reparam que tanto Portugal, como a Grécia e a Irlanda, quando mais dívida pagam, mais devem? Eis, em todo o seu esplendor, a terrível ratoeira em que a Europa colocou os países com dívidas.

Em 2009, o peso da dívida no PIB da Grécia chegava aos 120%. Três anos depois, já ultrapassou os 150%. E quanto mais os gregos pagam, mais devem. O mesmo se passa com a Irlanda, que já pediu ontem para renegociar a dívida, pois assim não consegue pagá-la.

Portugal é caso idêntico, quanto mais paga, mais deve. Em 2011, o peso da dívida no PIB era de 109%, este ano vai acabar perigosamente perto dos 120%, informação oficial dada pelo Ministro das Finanças. Quanto mais pagamos em juro, e mais amortizamos a dívida, mais devemos. 

Chama-se a isto o "paradoxo da desalavancagem", e acontece quando os esforços feitos por um país endividado para reduzir a sua dívida criam um ambiente que agrava ainda mais o seu endividamento. O que acontece é que todos - pessoas, empresas, bancos, Estado - estão tão endividados que têm de cortar as despesas ao mesmo tempo, e isso provoca uma enorme contração económica, gera uma recessão e no final o peso do endividamento é cada vez maior. Quanto mais os devedores pagam, mais devem.

É terrível, mas é assim que está a Europa do Sul. A austeridade selvagem que nos foi imposta pela Sra. Merkel e pela "troika" revelou uma situação complexa: os devedores não podem gastar, e os credores não querem gastar. E como ninguém gasta, caímos todos numa espiral destrutiva de efeitos dantescos.

Mas, não é só este o único paradoxo em acção. Há mais dois de idêntico sentido. O segundo é o "paradoxo da poupança". Supostamente, é boa ideia poupar, ainda por cima em tempos difíceis como os que atravessamos. Contudo, se toda a gente poupar ao mesmo tempo, consome-se menos e a economia encolhe. Mais uma armadilha em que caímos todos, incluindo o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que declarou há tempos que, para sua surpresa, os "portugueses tinham poupado mais do que se previa, e por isso a recessão aumentara". Como se a culpa agora fosse nossa...

Por fim, existe o terceiro, o "paradoxo da flexibilidade". Para este Governo e para a "troika", parece ser necessária uma baixa geral de salários dos portugueses, para recuperarmos "competitividade" e baixar o desemprego, pois as pessoas assim trabalham por salários menores. Pois, mas se toda a gente baixa os salários, ficamos todos mais pobres e gastamos menos, contudo o endividamento continua exactamente o mesmo, e por isso é bem mais difícil pagar as dívidas, sejam as nossas, sejam as do país!

É por causa destes três paradoxos - o da desalavancagem, o da poupança e o da flexibilidade - que a austeridade não funciona nos países do Sul da Europa. Quando já se está dentro de um buraco, é um bocado estúpido continuar a cavar esse mesmo buraco cada vez mais fundo, mas há gente que não quer perceber isto...

Como dizia  Scolari: "e o burro sou eu?"

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Segunda-feira, 29.10.12

O que se passa com o cabelo das mulheres?

A maior diferença entre os homens e as mulheres não é o sexo, mas o cabelo. No sexo, até somos parecidos. Suamos, gememos, usamos a boca e as mãos, gostamos de antecipar com gozo e descansar no fim. Mas nos cabelos, somos totalmente diferentes. Os homens pensam muito pouco no cabelo, mas as mulheres só pensam no cabelo. 

Não quero com isto dizer que as mulheres não pensam em mais nada, bem pelo contrário. A grande diferença é que as mulheres, além de pensarem por dia em milhares de coisas, pensam todos os dias e quase todas as horas também no cabelo, enquanto os homens pensam em muitas coisas por dia, mas só pensam no cabelo para aí duas ou três vezes por mês, pois quando se penteiam de manhã quase nem reparam no que estão a fazer. 

O cabelo das mulheres é uma preocupação permanente (a expressão é adequada, embora não queira dizer que elas estejam com uma "permanente"), é uma angústia diária mas também uma fantasia contínua. Logo de manhã, pensam nele, admiram-no, lavam-no, secam-no, penteiam-no, voltam a penteá-lo, criticam-no por estar em má forma, por ser teimoso ou caprichoso, por ter manias, por estar fofo demais ou meramente baço.

A meio da manhã, voltam a olhar para ele, a fazer-lhe festas, a planear mudá-lo ou a repensá-lo, coisa que virão a repetir antes do almoço, a meio da tarde, à chegada a casa, antes do jantar, depois do jantar, antes de deitar e quando se levantam pela última vez antes de adormecerem, só para ir espreitar como é que poderia ficar o cabelo se lhe fosse aplicada uma certa ideia com que andam na cabeça.

Já pensei em organizar um dicionário específico para compreender as 300 coisas diferentes que uma mulher pode fazer ao seu cabelo. Desisti quando percebi que eram bem mais de 300, e que por mais que me esforçasse iria ter imensa dificuldade em distinguir as diferenças entre "nuances", "madeixas", "brushing", "extensões", "permanentes", "colorações", "descolorações", "desfrisar", e mil e outras expressões que agora não recordo, mas que pertencem a uma linguagem típica feminina, o "cabelês", uma explosiva mistura entre francês, inglês, latim e crioulo, com leves influências de maori e paquistanês, que só é falada por mulheres e que o cérebro masculino não consegue compreender, quanto mais falar correctamente. 

Isto não quer dizer que não goste dos cabelos das mulheres. Eu gosto muito. Sejam eles lisos ou encaracolados, curtos ou compridos, com rabo de cavalo ou ganchos, apanhados ou soltos, loiros, morenos ou ruivos, todos me agradam, dependendo do dia e da hora. Quer dizer, não gosto de tudo. Por exemplo, não gosto de cabelos "armados", tipo jubas de leão, esse género volumoso que às vezes se vê em certos anúncios e algumas festas. Nem percebo muito bem como é que eles ficaram assim, parecem uma instalação de arte falhada. 

Mas o que eu gosto mesmo é da alegria feminina que nasce quando as mulheres se sentem bem com o seu cabelo, o que é normalmente na meia hora seguinte a terem vindo do cabeleireiro, ou de o terem penteado em casa. As mulheres ficam radiosas, os olhos brilham de felicidade quando se sentem bem com os seus cabelos. É como se um raio de luz as tivesse atingido, um pequenino milagre tivesse acontecido na vida delas. É o momento certo para os homens as elogiaram, não só porque é verdade, mas sobretudo porque elas gostam muito de ser elogiadas quando os cabelos delas estão no momento "Premium" do dia. É preciso estar à coca, e saber aproveitar esse instante maravilhoso para as mimar e amar, pois é o momento mais feliz da existência feminina diária, e não se deve deixar passar sem o celebrar devidamente.

Até porque costuma ser um momento breve, como o momento em que o sol toca na água antes de se pôr. Dez ou quinze minutos mais tarde, já há um leve atrito entre uma mulher e o seu cabelo, uma ponta solta, um caracol maroto que se desfez, um irritante tufinho que teve a suprema lata de se mexer imprevisivelmente e lançar uma pequenina sombra sobre a alma daquela rapariga.

Portanto, se falhar o momento certo do elogio, não arrisque muito. É perigosíssimo passar por forçado. As mulheres têm um radar que percebe de imediato quando os homens estão a dizer coisas só por dizer, e não gostam disso. Por mais estranho que pareça, as mulheres preferem uma crítica mais franca a um indiferente "está óptimo", dito sem convicção. 

Mas atenção, que a fronteira entre franqueza e brutalidade é, no que que toca ao cabelo feminino, mais fina que o próprio cabelo. Ser desagradável com uma mulher, dizendo que não se gosta do cabelo dela, é semear uma ventania na relação que pode originar numa tempestade. É que não gostar do cabelo de uma mulher é o mesmo que não gostar dela, o que gera um enorme melodrama doméstico que colocará em risco essa noite, mas sobretudo a crença dela de que seja mesmo amada pelo homem. São muitos os homens que, por esse mundo fora, tiveram de explicar às mulheres que gostavam mesmo delas, depois de terem dado um passo em falso, criticando o seu cabelo.

Aliás, o célebre "vê-se mesmo que já não gostas de mim" nasceu numa certa noite, quando um homem das cavernas olhou para o "brushing" espantoso da sua mulher das cavernas e perguntou, apontando com a moca para o seu cabelo: "o que é esse ninho de ratos na tua cabeça"? O resto é história universal...

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A Grécia é um buraco negro!

Na Grécia, correu tudo mal. E ninguém parece ter aprendido a lição. Este fim de semana, a "troika" propôs que os países europeus "perdoassem" cerca de 50% do dinheiro que emprestaram à Grécia. Sim, leu bem, metade do dinheiro que os europeus emprestaram para "salvar" a Grécia está praticamente perdido. E reparem que isto não é nenhum partido de esquerda a falar, mas sim a própria "troika", que vem finalmente reconhecer o que muitos dizem há muito tempo, que as soluções europeias falharam rotundamente, e a "austeridade" só agravou a situação.

Três anos depois, é por demais evidente que todos perderam. Perderam os gregos, cuja economia está de pantanas, e em recessão económica profunda há vários anos. Perderam os credores privados, que há uns meses suportaram perdas de 80 por cento nos seus empréstimos, e agora vão perder os países europeus, que serão obrigados a encaixar perdas de metade dos empréstimos oferecidos. Se isto não é um desastre económico, não sei o que é um desastre económico. Se isto não é um absoluto falhanço, não sei o que é um absoluto falhanço. 

Com o desemprego altíssimo, o sistema político à beira do colapso, a extrema esquerda quase a chegar ao poder e a extrema direita a crescer todos os dias, a Grécia transformou-se num país miserável e perigoso, e toda a Europa devia aceitar que tem muitas culpas no cartório. A solução da "austeridade", imposta pela Alemanha da Sra Merkel, e implementada pela "troika", foi o mais incompetente falhanço económico das últimas décadas, e chega a ser aterrador que a Europa persista em impôr este caminho errado.

E para quem defende que nós somos diferentes dos gregos, é importante lembrar que não somos assim tanto, e por cá as coisas aproximam-se assustadoramente dos mesmos resultados. A recessão impera, o desemprego cresce, o sistema político sofre convulsões sucessivas, o rácio da dívida pública sobre o PIB não pára de crescer, e muito em breve chegaremos à situação grega, e seremos forçados a reconhecer que não vamos conseguir pagar as nossas dívidas.

A austeridade brutal que se anuncia para 2013, tão do agrado desde PSD e deste ministro das Finanças, vai empurrar Portugal cada vez mais para uma situação semelhante à da Grécia. O próprio FMI já avisou que Portugal vai ter uma recessão prolongada. Só os cegos, os fanáticos e os teimosos persistem em não ver que o abismo se aproxima...  

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Sexta-feira, 26.10.12

Um amor antigo (parte IV e fim)

Na telenovela, o marido matara a tiro a mulher e o amante dela, e foi nisso que ele pensou quando a encontrou naquela festa, acompanhada. Porque é que se lembrou desse melodrama sangrento? Não fazia qualquer sentido, eles não eram casados, não eram sequer namorados, ela não o estava a trair por estar com outro homem. Além disso, achava que tiros e honra eram coisas antigas, já não faziam qualquer sentido nos nossos tempos. Contudo, lembrou-se do episódio, da pistola, dos mortos nos lençóis, e nesse momento percebeu que nunca a iria perdoar, nunca iria esquecer o que se passara muitos anos antes, quando ela o traíra. Eram namorados apenas, muito novos, mas cornos são cornos, em qualquer idade doem e raramente se apagam da memória.

Viu-a ao fundo, encostada ao bar. Parecia divertida, falava com um homem muito animada. As cabeças quase se tocavam, murmuravam ao ouvido e olhavam nos olhos um do outro. Era fácil de perceber que estavam muito concentrados, e isso tinha um significado tão cristalino que ele não precisou de observar mais, e colocou naquele momento um epitáfio sobre o seu amor antigo. Por ali não ia mais.

Mas, não abandonou a arena, a festa até estava divertida, a música recordava os anos 80, um hábito que ele adorava, e deixou-se ficar. Pediu um whisky, encontrou amigos, falou da crise e de futebol, e foi conhecendo algumas mulheres que por ali passavam. Pelo canto do olho, ia espreitando, a ver se os via, e lá para as duas da manhã cruzaram-se, perto da pista de dança. Ela vinha à frente, o amigo atrás, ele sorriu e beijaram-se na cara. Ela apresentou o amigo, que tinha sotaque do Porto, trocaram duas ou três palavras de ocasião, e seguiram o seus respectivos caminhos. 

Ele gostava de dançar e na pista, animado, viu alguém que o interessou, meteu conversa, exibiu-se. Meia hora mais tarde estava encostado ao bar outra vez, mas agora já acompanhado por uma rapariga bem mais nova do que ele e bem mais gira do que ela, o seu amor antigo. Ou pelo menos era isso que ele achava agora, bem bebido e ainda ressentido do abandono a que ela o votara. 

O ressentimento é uma motivação como outra qualquer, e portanto investiu na moça. Trocaram beijos rápidos, e foi depois de um desses que sentiu uma mão nas costas. Não foi uma mão suave, foi mais um beliscão. Era ela, e estava sozinha. O amigo com sotaque tinha desaparecido, ou pelo menos não estava à vista. Queria esclarecer alguma coisa, mas ele já estava um bocado tocado, por isso não entendeu a pergunta.

- O quê?

Baixou o pescoço, encostou o ouvido mais próximo da boca dela, esforçando-se. Ela repetiu o que dissera.

- Porque é que não combinaste para virmos juntos?

Ele encolheu os ombros. Não valia a pena inventar desculpas. E ripostou:

- Mas tu não perdeste tempo...

Ela revirou os olhos, irritada:

- É um amigo, estava cá hoje, veio comigo à festa.

Nesse momento, talvez o amor antigo deles ainda tivesse salvação, mas a rapariga com que ele já trocara uns beijos decidiu intervir e perguntou, em voz alta, para que ela ouvisse bem:

- Então, não íamos até ao carro?

Ela ficou estupefacta, limitou-se a abanar a cabeça e sorriu, dizendo em voz baixa:

- Divirtam-se...

Afastou-se, foi ter com o amigo do Porto que estava à espera dela, como um fiel guarda-costas. Foram dançar, e provavelmente a história deles pegou fogo a partir dessa noite, mas isso ele já não sabe, há meses que não a vê. Só sabe é que confirmou o que pensava desde a primeira vez que tinham estado juntos, que ressuscitar um amor antigo raramente resulta. 

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Quinta-feira, 25.10.12

Os limites da troika

Vítor Gaspar, ministro das Finanças, disse ontem no Parlamento que Portugal está muito próximo dos limites de tolerância da "troika", no deficit orçamental e na dívida pública. Disse-o de uma forma tranquila e serena, naquele tom lento e monocórdio a que já nos habituou, como se as suas políticas em nada tivessem contribuído para isso. Parecia que o ministro tinha acabado de aterrar, vindo de Júpiter, ou mesmo de Saturno, tendo encontrado uma situação grave com a qual nada tinha a ver, mas que queria resolver com as melhores intenções. 

Mas, é sempre bom lembrar que foram as políticas recessivas deste governo (aumentos no Iva, sobretaxas, retirada dos subsídios aos funcionários públicos e pensionistas) que agravaram o deficit orçamental do Estado, pois as receitas fiscais em vez de subirem, como desejava o governo, desceram; além de terem provocado desemprego, e portanto aumento dos subsídios a pagar! Como consequência direta, tivemos menos crescimento económico (quedas no PIB), o que fez aumentar o rácio da dívida pública sobre o PIB.

Desta forma, se Portugal está hoje mais próximo dos limites de tolerância aceites pela "troika", seja no deficit orçamental seja na dívida pública, isso em muito se deve ao exagero austeritário deste governo, do qual Vítor Gaspar é o principal responsável e defensor. É estranho ouvir o ministro das Finanças a constatar uma evidência, como se ela não fosse da sua responsabilidade. Se calhar, para Vítor Gaspar, a recessão é culpa dos portugueses. Ou de quem vive em Júpiter ou Saturno, já agora.

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Quarta-feira, 24.10.12

Carta a Luís Filipe Vieira

Caro Presidente

Venho dizer-lhe publicamente que, desta vez, vou votar em si e na sua lista. Há três anos não o fiz, votei em branco. Não estava nada agradado com a forma como tinha gerido o Benfica. Tínhamos ficado quatro anos a ver o FC Porto ser campeão, e o Sporting ficar à nossa frente. Tínhamos voltado a ter instabilidade no banco de treinadores, com o despedimento de Fernando Santos e a saída prematura de Camacho. Não tinha gostado das associações excessivas do Benfica aos processos judiciais do "Apito Dourado", e mais algumas coisas desse tipo que me dispenso de relembrar.

Enfim, em 2009 estava desagradado e escrevi-o publicamente. No entanto, considero que nos últimos três anos, o Benfica melhorou muito. A aposta em Jorge Jesus, e a sua manutenção em momentos difíceis, como em inícios de 2011, foi acertada. Em apenas três temporadas, Jesus conseguiu ganhar tantos títulos como todos os outros que o antecederam desde 1997. Não só foi campeão, como ganhou 3 taças da Liga. E também recuperou a credibilidade europeia do Benfica, fosse na Liga Europa, fosse na excelente Liga dos Campeões que fizémos na época passada.

Além disso, e como vou mostrar em livro que publicarei em Novembro, Jesus foi melhor para os cofres do que para o museu do clube. Com ele, o Benfica deu um enorme salto nas suas receitas, seja porque aumentaram as assistências no Estádio da Luz, seja porque cresceram os prémios da UEFA, seja sobretudo porque o clube conseguiu potenciar jogadores e vendê-los, em excelente negócios, como nos casos de Ramires, Di María, David Luiz, Fábio Coentrão, Javi García e Witsel. 

É claro que existiram erros graves (Roberto, Emerson, demasiados jogadores comprados que não valiam grande coisa), mas no geral, o balanço é positivo. O Benfica está hoje melhor do que estava há três anos atrás, e isso também é mérito seu, pois enquanto presidente soube tomar as decisões certas para tal ser possível. Isto não significa que eu aprove tudo, discordei de algumas decisões e discursos, mas reconheço que houve mérito e competência neste seu terceiro mandato, mais do que no anterior.

Por fim, parece-me evidente que a sua equipa está este ano mais reforçada, com nomes bons na direção, e isso também conta. Os próximos anos serão complicados, devido à dupla crise, portuguesa e europeia, que vai afetar muito o futebol, e tenho mais confiança na sua equipa do que naquela que se apresenta como alternativa. Espero apenas que certos erros não se repitam, e que a aposta na estabilidade se mantenha, pois ela dará frutos, mais tarde ou mais cedo.

Com os melhores cumprimentos

Domingos Amaral

Sócio nº 184369 

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Europa: a recessão a "transbordar"!

Um dos grandes motivos de orgulho deste governo é que a balança comercial do país está positiva, pela primeira vez em muitas décadas. À primeira vista, isto parece bom. Portugal exporta mais do que importa, as exportações cresceram e as importações diminuíram, portanto devíamos estar contentes, certo? Sim e não. Sim porque é bom exportar, não porque a queda das importações é apenas uma consequência da recessão económica, e portanto significa que temos todos menos dinheiro para gastar, e por isso compramos menos bens importados.

Além disso, há um outro efeito grave que está esquecido, que é o efeito de "transbordo". É fácil de perceber: se Portugal deixou de importar, então outro ou outros países deixaram de exportar. A recessão portuguesa, provocada pelo programa de ajustamento, "transborda" para os nossos parceiros comerciais, que assim são afectados por ela. Nós transbordámos a nossa recessão para eles, e eles transbordaram as deles para nós.

Neste momento, a Grécia, a Irlanda, Portugal, a Itália, o Reino Unido, a Espanha e a França estão todos a praticar austeridade, e portanto a diminuir as suas importações. Mas, se todos cortam as suas importações, então quem é que consegue exportar?

É devido a este efeito de "transbordo" que a recessão europeia se tem vindo a ampliar. Começou na Grécia, mas agora está generalizada, e já chegou até à Alemanha, que está a sentir as suas exportações a cair porque os outros países europeus estão todos em recessão, recessão essa causada em grande parte pelas políticas de austeridade tão do agrado da Sra Merkel.

Este efeito de "transbordo" é uma das razões porque, com uma moeda única, as políticas nacionais não resultam. E isto ainda vai piorar. Em 2013, Portugal irá praticar mais austeridade, devido ao "enorme aumento de impostos". Os portugueses vão importar ainda menos, em especial de Espanha, que é o nosso maior parceiro comercial. Ao mesmo tempo, em 2013 a Espanha também vai praticar profunda austeridade, o que significa que também vai importar muito menos, e Portugal vai sofrer, porque Espanha é o nosso principal mercado exportador. Como dois náufragos que mal sabem nadar, Portugal e Espanha irão assim abraçados para o fundo...

É por estas e por outras, que a Europa está como está.

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Terça-feira, 23.10.12

Um amor antigo (parte III)

É evidente que, uns dias depois, foi ele que pegou no telefone e falou para ela. Os homens dão muito mais importância ao sexo do que as mulheres, e ele tinha ficado fascinado, porque agora ela fazia "aquilo", e ainda por cima fazia bem, mesmo muito bem. Tinha pensado nisso, várias vezes, à noite na cama. A imagem dos dois, a recordação daqueles momentos tórridos, era uma fantasia que renascia contastantemente no seu cérebro.

Portanto, não resistiu. Queria mais, mais daquele amor antigo tornado presente, mais do que ela não fora mas agora era. E isso sobrepôs-se a tudo, até ao seu instinto de precaução. A força do desejo fê-lo esquecer a traição de que fora vítima do passado, tão antiga que parecia diminuída na sua gravidade, e a ambiguidade dela no presente. Nos homens, é muitas vezes assim, o deslumbramento sexual tolda-os, como toldam meio litro de cerveja pela goela abaixo, ou dois whiskies duplos. 

Portanto, aqui vai disto, telemóvel e ela atende. Parece contente, mas depois das banalidades não se revela disponível. Tem programas para os próximos dias. Não, não vai ao Porto outra vez, e ri-se quando ele fala disso, comenta "tu és mesmo de ideias fixas". Mas, é claro que não lhe conta que um dos amigos do João, que ela conheceu na festa no Porto, troca com ela mensagens todos os dias no Facebook. Ela aprendeu, com a vida, que certas coisas não são para se contar aos homens, porque eles nunca mais se esquecem disso, e vão repeti-las, vida fora, como uma menemónica irritante, sempre que se zangarem com ela.  

Entretanto, ele acha que ela se está a fazer de cara. Pressentiu a sua fragilidade negocial - foi ele que falou, quem pega no telefone é quem está mais dependente - mas já a transformou numa arma de arremesso contra a recusa dela.

- Tu é que querias estar mais vezes juntos...

Ela sorri, sabe que tem dúvidas, o seu coração não está decidido, não o quer totalmente, mas também não o quer perder, pois não tem nada ainda a que se agarrar, a não ser umas breves frases escritas num computador a mais de 300 quilómetros de distância. Decide que é melhor não o irritar, aceita vê-lo, e lá combinam o seu terceiro encontro, outra vez em casa dela. 

Quando ele toca à porta, ela está a acabar de se arranjar. Beijam-se, ela com o secador na mão, ele com nova garrafa de vinho tinto e novos queijos. Ela pensa que ele devia variar, talvez presunto ou mesmo paté fosse boa ideia, mas não o diz.

Ele está apenas deslumbrado com os cabelos dela. O que é que se passa com os cabelos das mulheres, pensa? Porque é o cabelo tão importante para elas ? Segue-a de regresso à casa de banho, observa-a a secar as pontas molhadas, e depois a pentear-se. Gosta dos longos caracóis dela, mas gosta ainda mais do rabo de cavalo que ela costumava fazer, mas esta noite não faz. Ela olha-se ao espelho, passa mais uma vez a escova (ou será um pente?) no cabelo, e parece satisfeita com o resultado. 

Meia-hora mais tarde, o cabelo dela ficou um desastre, pelo menos é disso que ela se queixa. Cabelo de mulher depois do sexo é como um lençol depois do sono, amarrotado, com volteios imprevisíveis, curvas e lombas que ninguém sabe como se formaram. O sexo foi bom, pensa ele, mas ela convenceu-se de que o seu cabelo parece o de uma boneca animada de um cartoon televisivo, depois de apanhar um choque eléctrico. Afasta-se dele, volta à casa de banho, e passa muitos minutos a pentear-se, e a chegar à conclusão que continua com dúvidas. Depois, regressa à cama, e decide vestir-se, o que o surpreende.

Ele quer mais, gostava de repetir, ficar ali no bem bom, quem sabe até dormir. Ela não, diz que não quer estragar o cabelo, passa por fútil por ter usado tal desculpa, mas não se importa. Está angustiada, já percebeu que o único motivo pelo qual ele regressou foi o sexo, e isso assusta-a. Não porque não tenha gostado, até gostou, mas porque sabe que o sexo para eles está a tornar-se um biombo, atrás do qual ficam escondidas as verdades mais profundas. Ela duvida que ele consiga esquecer o passado, nem mesmo o sexo será garantia segura, e pressente que, se ficarem juntos, vai ter de ouvi-lo a vida toda. 

Portanto, despedem-se mais uma vez, sem grandes combinações. Ele finge que não se importa, e depois da porta dela se fechar, jura a si próprio que não voltará a falar-lhe. Já no sofá, ela sente-se estranha, gostava de gostar mais dele, de o querer ali, mas não é isso que sente. Chora um pouco, e depois liga o Facebook e conversa com o amigo do Porto.

Mas, a história é capaz de não acabar aqui. 

publicado por Domingos Amaral às 11:31 | link do post | comentar | ver comentários (9)
 

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