Salvar a Pátria!
Estavam os três sentados à mesa do restaurante, dedicados a salvar a Pátria à hora do jantar. Entre eles, já tinham conseguido reunir para aí umas trinta ideias diferentes que conduziam ao mesmo objectivo, reduzir a despesa do Estado.
Um defendia que era preciso despedir funcionários públicos, não fazia sentido nenhum eles terem empregos garantidos para a vida. O outro proclamava que havia pelo menos 100 institutos do Estado que não serviam para nada, e deviam ser demolidos por um "bulldozer". Ao terceiro, enfurecia-o que os restaurantes fugissem todos ao IVA, e descobrira de imediato uma forma blindada de os obrigar a pagar o que ganhavam à custa de pessoas como eles, que vinham ali beber umas imperiais e comer uns caracóis.
Entusiasmados, eram três génios à volta da mesa, perfeitamente capazes de resolver qualquer dilema nacional.
- Ninguém nos mandou viver acima das nossas possibilidades! - rugia o primeiro.
- Isto é tudo culpa dos políticos e da mania das auto-estradas - urrava o segundo.
- Se não fosse a "troika" a pôr ordem nisto, não terminava o regabofe! - indignava-se o terceiro.
Unidos naquele compromisso de ajustar o país entre o couvert e a sobremesa, lançavam-se em diatribes espectaculares contra a balbúrdia geral da nação.
- Que mal é que tem cortar nos subsídios de desemprego? - questionava o terceiro.
- As pessoas deviam era pagar nos hospitais, assim não passavam a vida a correr para lá cheias de dores! - exclamava o segundo.
- Em Portugal, anda tudo à mama do Estado, isto tem de acabar! - explodia o primeiro.
Nisto, entram no restaurante três mulheres, todas afiadas para a noite, e sentam-se na mesa ao lado da deles. O terceiro pisca o olho ao segundo. O primeiro foi o último a dar por elas, e ainda estava a falar da corrupção e do Sócrates, já os outros dois se tinham desligado da conversa e miravam, com uma pontinha de desejo, as senhoras da mesa do lado. Em especial uma delas, que tinha um decote generoso, uma saia curta, e meias pretas.
- Adoro meias pretas - murmurou o segundo.
- Quem não adora? - questionou o terceiro.
De repente, o primeiro calou-se, esqueceu a política e a salvação nacional, e fixou-se no decote daquela mulher que já sorria na direcção dele. Animado, virou-se para os amigos e comentou, em voz baixa, para não ser ouvido na mesa das senhoras:
- Que belo par de mamas...
Esqueceram o país num segundo, meteram conversa com as moças, e quando regressaram às respectivas casas, no final de uma longa e divertida noite, já nenhum se lembrava da Pátria em perigo.