Quinta-feira, 04.10.12

O Bambi da crise

Portugal é um país romântico e às vezes é isso que nos vale. Em vez de andarmos às pedradas aos polícias de choque, tivemos uma menina a abraçar um deles. Adriana Xavier é o Bambi da nossa crise. É bonitinha, tem um olhinho giro, e abraçou corajosamente um elemento do Corpo de Intervenção. Sem o saber, foi ela próprio um corpo de intervenção, naquele que foi um verdadeiro momento Bambi, ligeiramente aterrador. Todos nós temos um certo terrorzinho quando vemos os caçadores a abraçar as corças, mas depois isto é Portugal e o caçador não é bem um caçador, só está vestido de caçador mas tem um coração de manteiga, e o Bambi não será nunca morto pelos caçadores, a mãe dele é que foi mas disso já ninguém se lembra. Um beijinho pois para o nosso Bambi... 

publicado por Domingos Amaral às 12:37 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Melhor ou Pior que a TSU?

Depois da comunicação de ontem de Vítor Gaspar, os portugueses ficaram cheios de dúvidas, e não sabem se as novas medidas são melhores ou são piores que a TSU. É natural, pois como ainda não foram revelados os pormenores específicos de quase nada (novos escalões do IRS, novas taxas, etc), é prematuro dizer mais do que o ministro disse, que será um "aumento enorme de impostos". Há contudo algumas observações gerais que já se podem fazer:

 

1 - Politica e sobretudo culturalmente, as medidas ontem anunciadas são mais inteligentes do que as alterações à TSU, pois não provocam uma cisão grave na sociedade portuguesa. Com elas, o governo recuperou um pouco a legitimidade política e sobretudo cultural para governar, e isso é bom para Portugal, pelo menos no curto prazo, evitando-se uma crise política irresponsável. Posso não estar de acordo com muitas das políticas deste governo, mas não sou dos que pensam que uma explosão política resolva a difícil crise em que nos encontramos. Os portugueses revoltaram-se, e bem, contra uma medida que consideravam inaceitável, as alterações à TSU, e venceram essa guerra. Mas não se pense que, só por causa disso, desejam entrar no caos e na anarquia. Foi uma batalha vencida por Portugal, não contra Portugal, é bom que se entenda a diferença.

 

2 - As medidas ontem anunciadas vão no mesmo sentido geral de sempre. O governo acredita profundamente que é através da "austeridade" que nos iremos "ajustar" e recuperar a "credibilidade" e a "competitividade". Infelizmente, o que se passou no último ano foi que a política deste governo afundou a economia numa recessão profunda, que agravou a resolução do problema da "dívida soberana", pois o deficit do Estado em vez de diminuir, aumentou! Infelizmente, temo que o resultado deste "aumento enorme de impostos" anunciado por Vítor Gaspar produza efeitos semelhantes aos anteriores. A armadilha é a mesma, provavelmente os resultados serão parecidos. Com uma agravante: os portugueses estão hoje mais massacrados e mais descrentes do que estavam o ano passado, e portanto as revoltas serão mais fortes. Esperemos que o lento resvalar para a pobreza ou para um abismo de dificuldades de muitos portugueses não os leve a uma raiva descontrolada.

 

3 - Um dos maiores problemas que irá nascer em 2013 será o do aumento do IMI. Se os pagamentos deste imposto subirem o que se teme que subam, com a retirada da prudente "cláusula de salvaguarda", que obrigava a um certo travão nos aumentos, o governo tem centenas de milhares de pequenas bombas-relógio nas mãos, e acabou de marcar as datas do rebentamento de muitas delas. 

 

4 - Quanto ao IRS, sem saber quais serão os novos escalões e as respectivas taxas, é cedo para emitir opiniões pormenorizadas. Já todos percebemos que vai subir para a maioria dos portugueses, até porque irá incluir a sobretaxa de 4%, mas quanto vai subir ninguém sabe. Se o Governo for inteligente, e o CDS conseguir vitórias neste campo, poderá ser um problema político menos grave, mas será sempre uma quebra forte do rendimento disponível das pessoas e isso vai obviamente provocar péssimos efeitos recessivos. Acho muito optimista pensar que o PIB só irá contrair 1% e o desemprego só irá aumentar para 16,4%. O Governo corre um sério risco de falhar os seus objetivos e as suas previsões também no segundo ano.

 

5 - Porque será que o Ministro das Finanças continua a usar expressões que ninguém entende? O que significa uma taxa média efectiva de imposto que sobe de 9,8 para 13,2%? Taxa média de quê e de quem? Efectiva para quem? Não será melhor explicitar bem como se chega a este número, para que os portugueses o compreendam? Abstrações matemáticas inúteis só contribuem para confundir as pessoas. É assim que se informa um funcionário da subida de impostos? "Ó Sr. Joaquim, ó dona Adelaide, vão ambos subir de escalão no IRS, a vossa taxa de retenção na fonte também sobe, e ainda levam com a sobretaxa todos os meses, mas dêem-se por muito satisfeitos, que no fim a taxa média efectiva de imposto não ultrapassa os 13,2%"! Ó Gasparzinho, falar assim é falar chinês.

 

6 - Percebo perfeitamente a alegria esfusiante do sr. Ministro quando anunciou com pompa que Portugal tinha "voltado aos mercados"! Porém, convinha ser um pouco mais pedagógico. Na verdade, Portugal não "voltou aos mercados" no sentido habitual da expressão, pois não fez novas emissões de dívida pública, nem pagou dívida que se vencesse. O que Portugal fez foi uma "renegociação parcial" de uma dívida, com um grupo limitado e até agora desconhecido de credores (convinha saber quem são, era mais transparente), adiando para o ano de 2017 um pagamento de 3757 milhões de euros que estava previsto ser realizado em Setembro de 2015. Ou seja, Portugal "restruturou" uma pequena parte da sua "dívida soberana", e conseguiu mais dois anos de alguns dos seus credores, apesar de não sabermos quem são eles. Serão alemães, franceses, gregos, portugueses, ou, surpresa das surpresas, finlandeses? Não sabemos, foi uma coisa semi-secreta, mas sejam quem forem revelaram boa vontade, o que é bom e de aplaudir. Aliás, como sempre defenderam muitos economistas, este devia ter sido o caminho escolhido desde o início pela Europa, para tentar resolver a "dívida soberana" dos países aflitos (Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre, Espanha e Itália). A austeridade brutal não é uma solução para pagar a dívida, a "renegociação" é o caminho, e com a ajuda do Banco Central Europeu, a única forma de resolver o problema sem obrigar a uma indesejável e humilhante bancarrota. A Grécia talvez já não vá a tempo, mas Portugal ainda pode conseguir.    

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:19 | link do post | comentar
Quarta-feira, 03.10.12

A moral da História

São sempre os mais fortes que escrevem a moral da História, e a crise das "dívidas soberanas" não é diferente. Desde 2009 a narrativa é poderosa, um conto moral: existem povos que "viveram acima das suas possibilidades", Estados "despesistas", países que "gastaram o que não tinham". A Grécia "aldrabou os números", Portugal e Espanha "viveram a crédito", a Irlanda "arriscou em demasia na banca", e a Itália é "uma desorganização permanente".

Subtilmente, a narrativa da "crise da dívida" criou dois grupos na Europa: os devedores e os credores. De um lado, os vilões, os feios, porcos e maus; os mal comportados e irresponsáveis (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália). Do outro lado, os bons, os puros, os responsáveis, os bem comportados (a Alemanha à cabeça, mas também a Holanda e a Finlândia).

Este conto moral tornou-se imensamente popular. Não só no Norte da Europa, não só em grande parte da imprensa mundial, em especial a económica, mas também e surpreendentemente na maioria da população dos países do Sul. Confrontados com a crise, e com a sua narrativa moral, grande parte dos gregos, irlandeses, portugueses, espanhóis e italianos, interiorizaram estas ideias e sentiram-se "culpados" dos "males" que tinham cometido. Claro que "os políticos" desses países eram os mais fustigados e os dedos acusadores viraram-se para eles, mas dentro de muitos de nós, habitantes do Sul, a fábula moral da culpa e do erro assentou arraiais. O terreno estava adubado para o que viria a seguir.

Evidentemente, se há "culpados", é preciso que eles expiem as suas culpas, é preciso que eles sejam castigados em conformidade. Mais fortes, mais ricos, mais poderosos, os países do Norte, liderados pela Alemanha, decidiram que a redenção do Sul só viria através do sofrimento. Primeiro, era preciso castigá-los, e castigá-los bem, para que eles aprendessem a lição. Só através da punição se purificariam os "pecadores" do Sul.

Nasceram então as "políticas de austeridade", a receita a aplicar aos prevaricadores. Desenhadas pelos técnicos da economia moral, as políticas de austeridade mais não são que um "castigo", mas um "castigo" libertador e evidentemente irrecusável, pois traz dentro dele a promessa de um futuro melhor, cenoura com que nos convenceram. Supostamente, a aplicação do castigo, da austeridade redentora, lavaria as nossas almas mas sobretudo deixar-nos-ia revigorados, "competitivos". A moral da história foi, até agora, sempre esta: és culpado, portanto terás de sofrer, mas se sofreres chegarás à redenção, e no fim serás mais puro e mais forte.

Contudo, há um pequeno problema com este conto moral europeu. É que, cinco anos depois do início da crise, não há forma da redenção chegar. A economia, esse poço profundo onde só nadam problemas humanos, não se compadece com histórias da Carochinha e do João Ratão. A economia, ao contrário do que muitos pensam, não é uma fábula moral, é muito mais complexa do que isso.

De repente, os "supostos" culpados começam a revoltar-se. De repente, o sofrimento não traz purificação nem ressurreição, mas apenas mais sofrimento e degradação. De repente, nascem narrativas alternativas e conspirativas, contra a "hegemonia alemã", contra os "credores", contra o pensamento dominante. Aquilo que parecia uma fábula límpida e eficaz, começa a estilhaçar-se à nossa frente. De repente, os povos do Sul suspeitam que o sofrimento pode ter sido uma estratégia intencional para impôr até à eternidade o domínio dos povos germânicos sobre todos os outros.

Como irá esta história acabar, ninguém o sabe ainda, mas já temos pelo menos uma certeza: o guião da fábula moral que nos contaram estava incompleto, e provavelmente terá de ser revisto e alterado. Aquilo que parecia um conto simples, curto e com um final feliz, tornou-se numa telenovela prolongada e deprimente, todos os dias mais imprevisível. É isto que costuma acontecer quando se mistura a moral com a economia. Se juntarmos um decilítro de água de esgoto com noventa decílitros de leite, o resultado não é um litro de leite, mas sim um litro de água de esgoto...Será que ninguém vê como se está a espalhar a recessão pela Europa, ninguém vê como a água de esgoto está a estragar o leite?      

publicado por Domingos Amaral às 11:07 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Messi na Luz (II)

Grande enchente, ambiente excelente, Benfica a fazer grande primeira parte mas a não marcar, e o Barcelona a marcar cedo demais, logo aos 6 minutos. Pouco antes do jogo, em conversa com o meu filho e com os meus habituais compadres de bancada, tínhamos todos chegado à conclusão que só havia entre 1 e 5 por cento de hipóteses do Benfica ganhar o jogo, ou mesmo de o empatar. Para isso, teríamos de marcar primeiro, de preferência a partir do minuto 80...Claro que aconteceu o que todos esperávamos, o Barça joga mesmo muito à bola, não dá grandes hipóteses, mas se surpresa existiu foi a primeira parte do Benfica, quase de igual para igual, a criar várias jogadas de perigo e muito concentrado. Porém, na segunda parte o Benfica desceu um degrau e o Barça dominou totalmente, passeando a sua classe. Não vale a pena enervarmo-nos, valeu pelo espectáculo, e quanto à Champions continuamos na guerra. Teremos de ganhar os 2 jogos em casa contra o Spartak e o Celtic, e já no próximo jogo tentar também ganhar em Moscovo. Mas, nada disto é certo, e vai ser preciso lutar muito, principalmente contra o Spartak, que já está com a corda ao pescoço...

publicado por Domingos Amaral às 10:28 | link do post | comentar
Terça-feira, 02.10.12

Camões no Purgatório

Há uns dias atrás, estava Camões no Purgatório sentado a um canto, com o cotovelo pousado no joelho e o punho a segurar o queixo, de cara fechada e sombria. No seu habitual passeio diário, passou por ele John Fitzgerald Kennedy (JFK para os amigos), antigo presidente americano, e perguntou:

- Então, pá, que é essa cara?

Camões encolheu os ombros, mas não disse nada. JFK, sempre dado a pequenas provocações, avisou-o:

- Olha que essa posição de mão no queixo, pensativo, à Rodin, não é nada original. E sabes como o gajo é picuinhas, vai ficar irritado se te vir a copiares a sua obra-prima.

Camões desfez de imediato a postura, suspirou e explicou-se:

- Estou farto que me citem fora do contexto. É uma mania dos portugueses. A gente escreve uma obra prima da literatura lusitana, e depois tem de aturar, ao longo de séculos, gente que usa e abusa das nossas palavras!

JFK riu-se:

- A quem o dizes! Mas, quem é que usou mal os teus versos?

Camões encolheu de novo os ombros:

- Não é ninguém de importância, é o primeiro-ministro actual, um tal de Passos Coelho. Como deves imaginar, eu já vi muitos a mandar em Portugal, já aqui estou há séculos. Mas, não deixo de ficar incomodado. Sempre que eles fazem disparates, lá aparecem as citações do velho poeta zarolho! Lá aparecem os meus "ventos", as minhas "tempestades", como se eu estivesse do lado deles, ou tivesse escrito o que escrevi a pensar neles...

JFK, brincalhão, provocou-o outra vez:

- É pá, é a imortalidade, é esse o prémio! A malta escreve uma coisa e o nosso povo fica a repetir isso pela eternidade fora! Não é razão para ficar deprimido!

Camões percebeu o ponto de vista dele e admitiu:

- Tens razão, um homem não se pode enervar com estas coisas. Mas, caramba, escrevi tanta coisa bonita e eles só se lembram das tormentas, do Velho do Restelo...Livra, que neura de gente!

JFK sentou-se ao lado dele. Reparou que o olho direito de Camões continuava ausente, e lamentou que não houvesse maneira de alguém concertar as mazelas das pessoas. Ele, por exemplo, tinha ainda a cabeça furada por uma bala, o cérebro à mostra, um horror. A parva da Jaqueline nem se chegava ao pé dele, agora que tinha um nome grego. 

- Olha...é Camões, não é? 

Camões acenou com a cabeça, confirmando o seu nome. JFK prosseguiu:

- Comigo é o mesmo. Lembras-te do que eu disse no meu discurso de tomada de posse, quando fui investido Presidente? 

Camões desculpou-se, era velho demais, não se lembrava. JFK arqueou as sobrancelhas, achou estranho, mas não comentou aquela falha cultural grave do português. 

- Aquela célebre frase "não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta antes o que tu podes fazer pelo teu país", sabes?

Camões animou-se, conhecia a frase:

- Sim, claro. Mas isso é teu? Pensei que fosse do Churchill! Do gajo do charuto, esse é que tinha jeito para tiradas dessas.

JFK ficou paralisado de raiva um segundo, mas rapidamente se disciplinou. Por ordem de Deus, tinha frequentado na semana anterior um curso de "Contenção Emocional", para não ser tão incontinente nas suas paixões. Respirou fundo e esclareceu:

- Não, essa frase é minha, 100 por cento.

Depois tossiu:

- Bem, aqui só entre nós, na verdade a frase não é minha, mas do gajo que escrevia os meus discursos. Mas, isso agora não interessa. O que eu te queria dizer é que também me passam a vida a citar fora do contexto. Sempre que algum político quer impor sacrifícios excessivos ao seu povo, lá vem a minha citação, para justificar tudo. É uma aberração. Na verdade, aquela citação foi feita com uma intenção: começar a preparar os americanos para irem lutar para o Vietnam...Estás a perceber? O que "tu podes fazer pelo país", ir à guerra...Era evidente não era?

Camões não achava assim tão evidente, mas não o quis contrariar. Afinal, JFK podia enviar pessoas para uma guerra, poder que ele nunca tivera.

Entretanto, distraídos como estavam, os dois não se deram conta que haviam chegado perto deles duas personagens. Uma era Martin Luther King, outra era Churchill, o tal do charuto. Este último, ao ouvir a justificação de JFK, murmurou para Luther King:

- Vá lá, não estavam a falar de mulheres...

Camões e JFK olharam os dois ao mesmo tempo para cima e viram a dupla recém-chegada. Saudaram-se todos, e Camões justificou-se:

- Estavamos a falar de citações nossas retiradas do contexto.

Churchill deu umas baforadas no charuto e sorriu:

- O reverendo King que me perdoe, mas fazia mais sentido estarem a falar de mulheres. Um escreveu sobre a Ilha dos Amores, o outro viveu nela a vida toda!

Camões e JFK abriram um enorme sorriso, mas o antigo presidente americano viu que Luther King estava sério, e desfez o sorriso.

Churchill prosseguiu:

- Mas, o campeão das frases fora de contexto é aqui o reverendo, não é? 

Luther King franziu a testa, sem compreender. Churchill explicou-se:

- É cada maluco a gritar por aí "I Have a Dream!!!" Dá para tudo, não é verdade? Até houve um gajo, aqui há uns anos, que fez uma música a gritar "I Have a Dream, a Wet Dream"! 

Camões, JFK e Churchill deram uma violenta gargalhada e obviamente que Martin Luther King se afastou, decepcionado, convicto de que gente daquela laia não tinha emenda, nem no Purgatório. Depois de limparem as lágrimas de tanto rirem, Camões e JFK revelaram a Churchill o início da conversa, o uso de Passos Coelho dos Lusíadas, para justificar aos portugueses o estado do país.

Churchill escutou-os calado, e no final olhou para Camões e perguntou:

- Tens maneira de comunicar com o teu povo? 

Camões observou-o espantado:

- Comunicar como?

Churchill sorriu:

- Sms, Facebook, Twitter, qualquer coisa moderna...É fácil, crias uma página na net e deixas lá ideias, como se fosses tu mesmo a falar directamente. Não imaginas o número de pessoas que me lê! 

Os outros estavam incrédulos. Churchill era o maior, um espertalhão, conseguia tudo o que queria. Mesmo quando fazia qualquer coisa errada, todos gostavam dele. Mas também, desde que Roosevelt se recusava a passear fora de casa, porque estava farto da cadeira de rodas, e desde que há muitos anos Estaline fora despromovido com fúria para o inferno infinito, Churchill reinava no Purgatório, pois era o único naquele jardim que dera uma abada a Hitler.

- Sugiro o seguinte - continuou Churchill - Diz aos portugueses para "lutarem em todas as ruas, em todas as casas, em todos os campos"! Diz-lhes para "nunca se renderem"!  

Camões estranhou:

- Lutarem contra quem? Nunca se renderem a quem?

JFK sorriu, Churchill parecia ter sido apanhado em contrapé. Mas o homem do charuto deu nova baforada e afirmou:

- Ao governo, à troika, aos credores, sei lá eu! E o que é que isso interessa? O importante é que a citação seja minha, compreendes Camões? As nossas célebres palavras servem para tudo o que quisermos! É por isso que somos génios e a Humanidade nos vai recordar para sempre!

Piscou-lhe o olho e acrescentou, em voz baixa:

- Os pormenores não são relevantes!

JFK aplaudiu, entusiasmado. Deu o braço a Churchill e ambos se afastaram. Quanto a Camões, permaneceu sentado e um bocado baralhado. Mas pronto, pensou o poeta: aqueles dois eram políticos, estavam habituados a manipular as palavras, tinha de lhes dar um desconto.

 

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 10:15 | link do post | comentar
Segunda-feira, 01.10.12

Messi na Luz!

Já só faltam pouco mais de 24 horas para o grande Benfica-Barcelona, e o meu entusiasmo cresce a cada minuto. Que bom que é poder ver grandes jogos no nosso estádio, que provavelmente irá encher para receber o génio Messi e seus colegas. O futebol é grande também por causa desta excitação antecipatória. Como será que o Benfica vai jogar? Estará Jorge Jesus à altura do embate? Iremos enfrentar o Barça de igual para igual, ou optar pela manha? O Barça joga sempre da mesma maneira, e de uma forma tão apurada que raramente se desconjunta. São as outras equipas que se costumam adaptar ao Barça e não o contrário. Chelsea, o ano passado, e Real Madrid, seja este ano ou nos anteriores, nem esses jogaram de igual para igual com os catalães. Optaram por adaptar o seu jogo ao Barça e adaptaram-se bem, conseguindo ultrapassá-lo. Não vale a pena tentar o impossível, pois homens como Xavi, Iniesta, Villa e Messi sabem mais do que os nossos jogadores todos juntos. Portanto, o Benfica de Jesus, cujo DNA é atacante, veritiginoso, quase sôfrego, e por isso muitas vezes sofre golos e perde pontos e jogos, terá de se adaptar. Jogar à maluca, de pernas e asas abertas, é um suicídio colectivo contra o Barcelona. É preciso uma equipa que se saiba fechar, jogadores rapidíssimos a atacar o portador da bola, e expressões desse género em futebolês. É preciso ser manhoso, é preciso ser duro, é preciso ser solidário, para enfrentar o Barça. Se formos tudo isso e ainda conseguirmos dar umas estocadas de agressividade no ataque, pode ser que tenhamos a sorte de não perder. Até porque o Barça tem menos um dia descanso que nós, teve um jogo esgotante em Sevilha, e já está com a cabeça no jogo do próximo domingo, em casa contra o Real Madrid. Talvez o Benfica descubra uma janela de oportunidade...Seja como for, será certamente um grande espectáculo, que não vou perder, eu e o meu filho amanhã lá estaremos.

publicado por Domingos Amaral às 12:36 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Os "adiantados mentais"

O principal problema deste governo, e principalmente do PSD, é que está repleto de "adiantados mentais". Os "adiantados mentais", ao contrário dos "atrasados mentais", são pessoas que estão muito à frente do seu povo, em inteligência, cultura e saber. Os "adiantados mentais" são seres que estão num patamar superior, num pedestral de sapiência e lucidez a que obviamente os outros portugueses, por mais que se esforçem, não conseguem chegar. E, naturalmente, os "adiantados mentais" sofrem horrores por terem de partilhar a vida com os outros, que consideram uma casta inferior sem ponta por onde se lhe pegue.

Devido a esta alergia à casta dos inferiores, os "adiantados mentais" não conseguem manter dentro de si as suas ideias. Volta meia volta, lá abrem as comportas da alma e soltam as ideias que, por pura boa educação ou cortesia, tinham reprimido durante tanto tempo.

Veja-se por exemplo, António Borges. É claramente um "adiantado mental", um ser de raça superior, pertencente a uma casta de génios que, sendo tão rara, devia ser conservada em formol. Para ele, os empresários não passam de uns "ignorantes"! Por ele, "chumbava-os"! Evidentemente, sendo um "adiantado mental" tão brilhante, Borges despreza todos os "atrasados mentais" que tiveram o descaramento de ser contra as suas grandiosas e fulgurantes ideias.

Mas, há mais exemplos neste governo. Por exemplo, o ministro Macedo, que mesmo não parecendo no fundo também é um "adiantado mental", revelou a semana passada o seu desprezo pelas "cigarras", uma forma enfabulada de chamar "preguiçosos" a muitos portugueses. E que dizer do senhor primeiro-ministro, Passos Coelho? Embora com aquele seu ar calmo não lembre um "adiantado mental", lá no fundo da sua alma existe um cérebro que pensa mais rápido que todos nós, os "piegas", os que "devem aproveitar o desemprego para mudar de vida", ou os que devem "encarar a emigração como uma oportunidade".

Eis um "adiantado mental" em todo o seu esplendor, a falar com o povo com um paternalismo de mestre-escola, ao mesmo tempo dando lições de moral e iluminando possíveis saídas para o futuro. É evidente que os "adiantados mentais" adoram promover a emigração, assim o país teria menos "atrasados mentais" que os incomodassem.

O problema dos "adiantados mentais" é que são cada vez menos. Sem que eles compreendessem porquê, o número de "adiantados mentais" desceu vertiginosamente nas últimas semanas, enquanto cresceu exponencialmente o número dos "atrasados mentais". Dia após dia, o país embrutecia à frente dos cada vez mais raros génios incompreendidos que não se calavam. Neste momento em que escrevo, é aliás quase certo que o número de "adiantados mentais" está reduzido a sete ou oito pessoas do PSD, que por junto cabiam num bote. Passos, Borges, Braga de Macedo, Gaspar, Moedas, Santos Pereira, Relvas e pouco mais, é o que resta da espécie em vias de extinção acelerada dos "adiantados mentais".

Consta que a polícia os tem de proteger, e está em "Alerta Amarelo" porque a casta dos "atrasados mentais" anda de cabeça perdida, a babar-se em arremessos de raiva, e há receio que os "adiantados mentais" sejam molestados...Talvez fosse melhor que os "adiantados mentais" emigrassem, assim por uns tempos, para ver se as coisas acalmam. Talvez encontrem, numa qualquer ilha semi-deserta do Pacífico, um grupo de "adiantados mentais" semelhante, e com eles possam ficar a discutir teorias económicas e o sentido da vida.

Era certamente melhor para o PSD. É que, se estes "adiantados mentais" duram muito tempo à frente dos destinos do partido, é bem possível que o PSD se torne, todo ele, um partido "adiantado mental", e se veja de repente brutalmente rejeitado pelos cada vez mais numerosos "atrasados mentais" que saltitam por esse Portugal fora. É sempre isso que acontece às elites vanguardistas de "adiantados mentais": um belo dia acordam e, sem saberem bem porquê, são atiradas pela borda fora...

   

 

publicado por Domingos Amaral às 10:52 | link do post | comentar | ver comentários (13)
 

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