Quinta-feira, 28.03.13

Sócrates, guerra e paz

José Sócrates veio de Paris para trazer a guerra política a Portugal. Ontem, na RTP, foram feitas verdadeiras declarações de guerra, contra os inimigos do costume e outros. Cavaco, Passos, Seguro, "a direita" em geral, que se cuidem, que ele não brinca em serviço e ataca com contundência.

O principal problema de Sócrates não é porém o que ele diz, mas o que ele é, ou representa. Com o seu estilo agreste, tenso e conflituoso, Sócrates não gera emoções positivas, embora nos dê que pensar. É um estranho alimento para o cérebro, mas não para o coração.

O vínculo emocional com a maioria dos portugueses já se quebrou, e não é com prestações como a de ontem que se recupera. As pessoas ouvem Sócrates, mas dificilmente simpatizam com ele. Estão ainda cansadas do personagem, desgatadas pela sua passagem pelo poder. Não passou tempo suficiente para as emoções se reinventarem.

Sócrates parece uma espécie de ex-marido que tem razão em muito do que diz, mas de quem a mulher já não consegue gostar. Pode temê-lo, ou mesmo respeitá-lo, mas já não o ama, nem o quer. 

Contudo, Sócrates tem razões, e várias. Tem razão quando diz que foi a crise financeira de 2008 que castigou em demasia a economia portuguesa. Tem razão quando diz que fez tudo para evitar o resgate a Portugal, ao contrário do PSD e de Cavaco, que para o atirarem abaixo defenderam o resgate. E tem razão quando diz que foi o chumbo do PEC IV que precipitou o resgate.

Além disso, tem também razão quando diz que o PSD alterou profundamente o memorando negociado com a troika, e que foi isso que precipitou a recessão; ou quando diz que a dívida pública já subiu mais com o PSD, entre 2011 e 2012, do que com ele, entre 2008 e 2010.

Porém, ter razão em muitas questões de fundo não altera nada. A verdade é que Sócrates nunca conseguiu convencer nem os portugueses, nem os outros partidos ou o Presidente da República, das suas razões, e por isso foi derrotado nas eleições. A sua capacidade de liderança e de persuasão estava completamente esgotada em finais de 2010, e ter razão não lhe valeu de nada. 

Um político ou um líder só são bons, não quando têm razão, mas quando conseguem convencer o seu povo a segui-los, independentemente de terem ou não razão. E isso Sócrates deixou de conseguir. Tinha cometido demasiados erros, e tratado mal tanta gente, que os portugueses estavam cansados dele, e já não o desejavam a conduzir os destinos do país. Por isso perdeu.

É evidente que um país no estado em que está, muito pior do que quando Sócrates saiu, lhe dá uma oportunidade imprevista e imprevisível. Mas, não nos iludamos. Ele continua a ser a mesma pessoa de sempre. E ter razão não muda nada.

Se ontem Sócrates, em vez de perder tempo com ataques menores a certos jornais ou certos assessores, tivesse reconhecido mais erros próprios, e sobretudo se tivesse mudado o registo agreste e conflituoso em que fala, talvez as emoções dos portugueses fossem diferentes. Assim, foi mais do mesmo. Igual a si próprio, em guerra com tudo e com todos. E Portugal neste momento não precisa de mais guerra, precisa de calma.

Sim, quando estamos dentro de um buraco, é preciso deixar de escavar. Mas também é preciso deixar de andar aos berros e à estalada com todos, e isso Sócrates não consegue. Veio de Paris para trazer a guerra, mas esbarra com um país que não a deseja. 

 

publicado por Domingos Amaral às 12:18 | link do post | comentar | ver comentários (11)
Quarta-feira, 27.03.13

As audiências de Sócrates: descubra em que grupo se encaixa

Hoje à noite, por volta das 21 horas, quando Sócrates aparecer para a sua muito aguardada entrevista, centenas de milhares de portugueses vão sintonizar o canal público, formando a maior audiência de sempre da RTP dos últimos cem anos!

Há mesmo quem diga que serão vários milhões de portugueses, mas é evidente que isso só se saberá nos dias seguintes. Porém, o que é já certo é que as motivações dos portugueses para verem a entrevista de Sócrates serão muito diversas. É mesmo possível fazer uma tipologia das audiências, dividindo os portugueses em diferentes grupos. A saber:

 

1- Grupo "Matem o Gajo Já!"

São os portugueses enraivecidos com a ressureição de Sócrates. Hoje à noite, a frase mais proferida por elementos deste grupo será "Este filho da p... devia era estar preso". Este grupo, que prima pelo palavrão e pela fúria cega, inclui muitos jornalistas de centro-direita, muitos taxistas e muitos indignados de extrema-direita e de extrema-esquerda. Independentemente do partido em que votam - do CDS ao Bloco, passando pelo PSD e pelo PCP - são o grupo mais extremista, cuja lucidez é quase nula, mas cuja raiva é imensa. Alguns deverão mesmo aparecer à porta da RTP, só para dar uns gritos.

 

2 - Grupo "Volta para Paris Já!" 

Não se devem confundir estas pessoas com as do primeiro grupo, pois estas são mais bem educadas, embora igualmente punitivas. São normalmente pessoas calmas com tendências ditadoriais dentro, que acham que Sócrates devia ser proibido de voltar a Portugal, mas que não têm poder para fazer nada. Limitam-se a pensar que Sócrates é um ser maligno, e devia voltar para Paris imediatamente, mas acabam por ouvi-lo, nem que seja só para confirmar que ele não tem razão em nada do que diz.

 

3 - Grupo "Fora da RTP Já!"

São milhares de pessoas, a julgar pela petição que circulou nas redes sociais. Não querem propriamente calar Sócrates, apenas o que querem calar...na RTP. São pessoas que estão naturalmente ainda indignadas pela forma como Sócrates governou o país, e que acham que o seu dinheiro de contribuintes não deve ser usado para promover o regresso de um dos maiores responsáveis da actual crise do país. Já destilaram a raiva assinando a petição, mas como não deu em nada, vão acabar por ver a entrevista, e dizer uns palavrões pelo caminho.

 

4 - Grupo "Atenção que o Gajo é Perigoso!"

É um grupo recém-formado, mas que tem cada vez mais portugueses, especialmente vindos dos partidos da maioria, CDS-PP e PSD. Com os dias a passarem, estes portugueses têm-se vindo a dar conta que "o gajo até tinha razão em muita coisa" e por isso o seu regresso é perigoso para o Governo, pois vai contribuir ainda mais para o descrédito de Passos Coelho. Alguns destes, depois da entrevista, vão provavelmente passar para os dois grupos acima referidos.

 

5 - Grupo "Isto Já Não Está Nada Seguro!" 

Estão obviamente neste grupo muitos socialistas que, sabendo das fragilidades da liderança de António José Seguro, temem que um Sócrates renovado e revigorado por dois anos em Paris a estudar filosofia seja um enorme sarilho para Seguro. O próprio Seguro deve estar neste grupo...

 

6 - Grupo "Será Que Este Gajo É Melhor Que O Coelho?"

São portugueses que votam em muitos partidos diferentes mas que não são militantes fervorosos de nenhum e que, em parte porque a situação está má, em parte porque até têm algum respeito por Sócrates, estão curiosos para o ouvir, pois as atuais lideranças dos partidos não os convencem muito. Este é um grupo que está em claro crescimento nos últimos dias, embora o Governo não se tenha dado conta disto. 

 

7 - Grupo "I Love Sócrates Forever!"

São os fanáticos socráticos, que lançaram petições a favor do regresso do seu herói, e que o defendem de forma empolgada nas redes sociais, listando os imensos méritos dos seus Governos. Estão enfurecidos com os portugueses que se lembraram de querer proibir Sócrates na RTP, dizendo que isso é censura e outras pérolas no género. Hoje à noite, há quem acredite que muitas garrafas de champanhe serão abertas por este grupo!

 

8 - Grupo "Chico-Espertos Laranjinhas" 

É um pequeno grupo instalado na presidência do Conselho de Ministros, formado à volta de Miguel Relvas e com o apoio do próprio Passos Coelho, que está muito orgulhoso com a ideia genial que tiveram de colocar o país a discutir o regresso de Sócrates, em vez de discutir as incompetências do Governo. Na aparência, o regresso de Sócrates é bom para este grupinho, mas há quem tema um ricochete... 

 

PS: Além destes grupos, há ainda um grupo muito vasto que, ao que parece, não fará parte da audiência, que é o Grupo "Não Vou Ver o Gajo Nem Morto!" Embora eu desconfie que alguns destes ainda vão acabar por saltar para um dos grupos 1 a 6...

 

   

publicado por Domingos Amaral às 15:02 | link do post | comentar | ver comentários (6)
Terça-feira, 26.03.13

Chipre: como rebentar com um pequeno país

Se, há coisa de cinco anos, algum europeu tivesse dito que um dia se iriam lançar confiscos sobre os depósitos bancários de outros europeus, todos lhe teríamos chamado maluco! Mas, a verdade é que o impensável acontece todos os meses nesta Europa.

A forma como a Europa está a dar cabo de um pequeno país como Chipre é um manual cínico da brutalidade. Depois de ter deixado o país nove meses na expectativa (sim, o pedido de resgate de Chipre foi feito há nove meses!), eis que a Europa inteira se lança numa fúria castigadora contra uma pequena ilhota do Mediterrânio.

Ora tomem lá com confisco de depósitos e os accionistas e depositantes que salvem os bancos, que a Europa não vos vai salvar porque vocês são um paraíso fiscal cheio de russos mafiosos! Sim senhor, e viva a solidariedade europeia. Com amigos destes, quem é que precisa de inimigos?

Havia várias maneiras diferentes de salvar os bancos cipriotas, basta ler qualquer Financial Times ou The Economist para saber que há muitas maneiras de esfolar um coelho, mas a Europa, sempre liderada pela Alemanha, quer dar um "castigo exemplar" ao Chipre.

É este o grave problema europeu. Em vez de admitirem que estamos todos no mesmo barco (o euro), e que foi esse barco que estava mal construído e a meter água desde o primeiro dia, e que por isso era necessário remodelar o barco todo, de cima a baixo; em vez disso, certos europeus preferem o castigo para aqueles que eles elegem como prevaricadores!

A mensagem da Alemanha é sempre a mesma: vocês portaram-se mal e agora têm de pagar por isso! Foi assim com a Grécia, com a Irlanda, com Portugal, com a Espanha, com a Itália e agora também com Chipre.

Para os alemães, todos estes países e povos viveram "acima das suas possibilidades", atolaram-se em "dívidas" e agora têm de fazer "sacrifícios" para se reabilitarem! Há que penar, sofrer o castigo, para depois ressuscitar, já puro e bom!

Esta mensagem moral é de um cinismo atroz. É como se fosse o traficante de droga a dizer ao consumidor que ele agora tem de se sacrificar e muito para ficar saudável. Quem é que nos emprestou o dinheiro para nos endividarmos? Foi a Alemanha! Mas, quem oiça os alemães falar decerto pensará que eles não tiveram nada a ver com isso! 

Veja-se o caso de Chipre. A Alemanha, há um ano, decidiu que os credores privados da Grécia deviam perder dinheiro. Com isso, afundou os bancos cipriotas, que tinham imensa dívida grega. Mas, agora que é preciso ajudar os bancos de Chipre, a Alemanha faz de conta que não teve nada a ver com o assunto, e que nem foi ela que causou a falência dos bancos cipriotas. É tudo culpa do off-shore e dos russos! 

Assim se destrói a Europa, passo a passo. Aquilo que irá acontecer em Chipre nos próximos meses não vai ser bonito de se ver, mas os ricos alemães não querem saber do sofrimento dos outros povos. Desde que eles continuem ricos...

Os pequenos países da Europa que se preparem, pois o futuro vai ser muito difícil. O egoísmo alemão, a fúria moralista cega da senhora Merkel e dos seus ajudantes locais, vai destruir um a um os pequenos países.

Um dia, daqui a uns anos, a Alemanha vai olhar à sua volta e descobrir um círculo de países na miséria, carregados de ódios e ressentimentos contra os alemães. Depois queixem-se...

publicado por Domingos Amaral às 11:43 | link do post | comentar | ver comentários (8)
Segunda-feira, 25.03.13

O país dos ex-políticos sempre ativos

Está a imaginar um dia abrir a TVE e dar com Zapatero como comentador político? Ou um dia ligar a Fox e aparecer-lhe George W. Bush a perorar sobre os acontecimentos da semana? Ou Sarkozy, por exemplo na TF1, a dar palpites sobre a política francesa?

É provável que isso nunca aconteça em países como Espanha, França ou Estados Unidos da América, mas em Portugal é a coisa mais comum do mundo. Abre-se um canal de televisão qualquer, público ou privado, e lá está um ex-político a elucidar-nos com as suas augustas opiniões relativas ao estado da nossa Nação.

Muda-se de canal, e lá aparece outro ex-político, da mesma ou de outra cor, a presentear-nos com a sua magnífica prosa.

Nas televisões portuguesas há uma verdadeira praga de ex-políticos a darem opiniões, uma overdose de malta que um dia teve a sua oportunidade na política e as coisas não lhe saíram bem, e portanto saltou para os canais televisivos, e passou a massacrar os espectadores com as suas ideias, numa espécie de vingança por não terem tido sucesso como políticos. 

Assim, de repente, e só de memória, eis a lista de ex-políticos que temos de aturar todas as semanas nas televisões portuguesas. Dois ex-primeiro-ministros, Santana Lopes e Sócrates; vários ex-líderes do PSD, como Marques Mendes, Ferreira Leite e Marcelo Rebelo de Sousa.

Há também três ex-bloquistas com sortes diferentes na vida: Francisco Louçã, Fernando Rosas e Daniel Oliveira; alguns políticos do PS, como António Costa e o regressado Jorge Coelho. Outros do PSD, como Paulo Rangel ou Morais Sarmento, e ainda outros do CDS, como Bagão Felix. Isto para não falar nos que estão em pousio há mais tempo mas que também foram políticos, como Pacheco Pereira e Lobo Xavier.

Na verdade, Portugal é o país dos ex-políticos sempre activos. Um político em Portugal não sai da política, nunca sai. Se o obrigam pelo voto a deixar o seu lugar, logo ele se ressuscita a si próprio com a ajuda dos canais de televisão, e entra-nos uns tempos depois pela casa dentro, com um sorriso na cara e uma magnífica opinião sobre o mundo, que obviamente deseja partilhar connosco.

Somos, de facto, um país muito original. No entanto, não deixa de me preocupar a promiscuidade que isto revela entre os canais de televisão e os políticos. Na verdade, parece que há mesmo uma relação muito boa entre a política e o jornalismo televisivo. Boa demais...    

publicado por Domingos Amaral às 10:56 | link do post | comentar | ver comentários (11)
Sexta-feira, 22.03.13

Os homens (e as mulheres) da maratona

Se há desporto que está na moda, esse desporto é o atletismo, especialmente na sua modalidade mais longa, a maratona!

Desde há uns anos para cá, uma vasta quantidade de amigos meus, muitos deles que pouco desporto tinham feito na vida, desataram a correr.

Contudo, não era um correr levezinho, à beira Tejo, como no passado se via muitas pessoas fazerem. Nada disso: agora trata-se de correr à séria, correr dezenas de quilómetros, correr como Carlos lopes correu um dia, para nossa grande alegria, a caminho de uma medalha de ouro histórica.

Muitos deles têm sofisticados programas de treino, sapatos próprios para o efeito, cronómetros precisos para contar o tempo, e correm quase todos os fim de semanas, para se manterem em forma. 

Sinceramente, tenho alguma dificuldade em compreender esta moda recente. Talvez tenha sido influência de José Sócrates, quem sabe? A verdade é que as maratonas são cada vez mais populares, e milhares inscrevem-se, sempre que há uma no calendário.

No Domingo, lá haverá a Meia-Maratona de Lisboa, e lá se dará a habitual romaria de milhares para a outra banda, e milhares a correrem em cima da ponte. Dá boas fotografias, mas para quem, como eu, vive em Belém, será mais uma manhã de domingo infernal, com centenas de carros mal estacionados à porta de casa e nas ruas afins, quase impossibilitanto a circulação.

Aparentemente, toda a gente adora correr, mas a grande maioria não dispensa o carrinho no fim da corridinha, e os maus hábitos de estacionamento dos portugueses não acabam só porque agora todos têm o bom e salutar hábito de correr maratonas...

publicado por Domingos Amaral às 16:19 | link do post | comentar | ver comentários (4)
Quinta-feira, 21.03.13

Sócrates, o provocador

Portugal acordou hoje com o anúncio de que o anterior primeiro-ministro, José Sócrates, vai ser a partir de Abril comentador político na RTP, o canal de televisão público.

Aparentemente, segundo li nas notícias, ainda não é certo se esta presença semanal será remunerada, ou se Sócrates vai só trabalhar para aquecer, não recebendo qualquer dinheiro pelos seus argutos comentários. 

É evidente que, se Sócrates for pago pelo nosso bolso de contribuintes, o caso é bem mais grave, e parece inaceitável que um primeiro-ministro com tantas responsabilidades na desordem das nossas finanças públicas e na nossa dívida excessiva, venha agora a ser pago pelos contribuintes portugueses para arengar as suas opiniões todas as semanas!

Mas, mesmo que Sócrates comente a actualidade à borla, não recebendo um tostão, mesmo assim este regresso como comentador na RTP é uma péssima decisão, não só da televisão pública, mas também do próprio Sócrates. 

É evidente que, sendo Sócrates um dos principais responsáveis pela nossa situação até 2011, é um descaramento indigno que ele venha agora dar opiniões todas as semanas. E é um insulto aos portugueses que o faça na RTP!

O facto de Pedro Passos Coelho e o seu governo estarem a governar muito mal, e terem cometido muitos erros, não iliba nem um segundo José Sócrates dos graves erros de governação que cometeu até 2011. Os portugueses não são parvos, e têm memória.

O regresso de Sócrates é uma provocação desnecessária, que vai ainda inflamar mais os ódios dos portugueses aos políticos. É mais um sinal da crise do regime, e do pantanal em que Portugal se está a tornar.

Se, menos de dois anos depois, Sócrates regressa num andor, é porque em Portugal não há o mínimo de pudor ou decoro. Somos um país onde não há vergonha na cara!

publicado por Domingos Amaral às 12:58 | link do post | comentar | ver comentários (262)
Quarta-feira, 20.03.13

Os seis graves erros deste Governo

Quase dois anos depois de ter tomado posse, é já possível listar quais foram os seis erros mais graves deste Governo, que o fizeram perder muita credibilidade e legitimidade aos olhos dos portugueses. Aqui vai a lista:

 

1 - Desvio estratégico em relação ao memorando original assinado com a "troika".

Como ontem aqui escrevi, as principais medidas emblemáticas deste Governo (sobretaxa de IRS, corte nos subsídios dos funcionários públicos e pensionista, tentativa de mudar a TSU, e aumento enorme de IRS) não estavam escritas no memorando original assinado entre Portugal e a "troika" em Maio de 2011. Na ânsia de despachar o ajustamento, o Governo decidiu medidas de austeridade muito mais graves e profundas do que aquelas que estavam acordadas. Com isso, agravou brutalmente a recessão e o desemprego subiu para valores altíssimos. A estratégia da austeridade "dura e rápida", cuja responsabilidade é de Vítor Gaspar, falhou rotundamente. 

 

2 - Falta de equidade nos sacrifícios. 

Ao decidir cortar os subsídios de férias e Natal para funcionários públicos e pensionistas, deixando os trabalhadores do sector privado de fora, o Governo dividiu os portugueses, passando a existir portugueses de primeira, que não se sacrificavam tanto, e portugueses de segunda, que suportavam mais sacrifícios. Isso foi um erro grave, de equidade e de moral, além de ter sido uma ilegalidade jurídica, como muito bem o Tribunal Constitucional veio dizer, proibindo a solução para 2013. Mas, o mal estava feito. 

 

3 - Incapacidade para cortar na despesa permanente do Estado

Desde o Verão de 2011 que o Governo decidiu que, em vez de cortar na despesa estrutural do Estado, como estava previsto no memorando original, era mais fácil sobrecarregar o país com impostos, ou então retirar subsídios a certos grupos de pessoas (funcionários públicos e pensionistas). Com isso, demonstrou a sua incapacidade total para perceber a raiz do problema, e preferiu as soluções mais fáceis e rápidas. Como se viu, gerou um problema ainda maior e não conseguiu resolver o problema original. 

 

4 - Desprezo pelo consenso político e social

Em Maio de 2011, quando o memorando original foi assinado, existia um amplo consenso político e social em Portugal, que permitia ao Governo contar com o apoio do PS e dos parceiros sociais. No entanto, durante quase um ano e meio, Passos Coelho desprezou o PS e os parceiros sociais, nunca os tratando com o respeito que eles mereciam. Evidentemente, com o tempo a passar, e sentindo a hostilidade permanente do Governo, tanto o PS como os parceiros sociais se foram afastando, e o consenso nacional necessário rompeu-se. Foi a arrogância do Governo que criou esta situação, o que foi um erro grave. 

 

5 - Colagem patética às posições da Alemanha na Europa.

Desde que iniciaram a sua governação, Passos Coelho e Vítor Gaspar alinharam, de forma acéfala e seguidista, com as ideias da Alemanha sobre como resolver a crise europeia e as crises nacionais dos países com elevadas dívidas. Em momento algum o Governo percebeu que essa colagem era prejudicial aos interesses de Portugal, e que por mais que fosse necessário ganhar credibilidade nos mercados financeiros, era igualmente necessário ter uma posição mais crítica contra a linha dura da Sra Merkel e do Sr. Schauble. Como se viu na questão da renegociação dos prazos da dívida, o Governo da Alemanha está-se nas tintas para os nossos problemas, e só pensa em ser reeleito, e não mostrará qualquer boa vontade para com Portugal antes de isso acontecer. Qual foi então o benefício de estarmos colados à Alemanha?

 

6 - Relvas e companhia

É evidente que manter Relvas no Governo foi um erro, bem como alguns outros personagens menores. No entanto, comparado com os outros erros e o que eles custaram ao país, este foi o menos grave. Mas, o seu simbolismo é ainda assim bastante degradante da credibilidade de Passos Coelho.  

 

 

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 14:47 | link do post | comentar | ver comentários (14)
Terça-feira, 19.03.13

O PSD e o memorando da troika: a mentira

Nos últimos dias, muitas pessoas próximas do PSD e do Governo têm procurado passar a ideia de que o "memorando da troika" estava mal desenhado desde o princípio (Maio de 2011), e que é por isso que as medidas do Governo estão a falhar, e não por culpa do próprio Governo. Há poucas ideias mais falsas do que esta, e convém que os portugueses não se deixem manipular assim.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, quem quiser ler o memorando original que foi assinado entre o Governo de Sócrates e a "troika", em Maio de 2011, pode ir lê-lo, o link está no final deste post. Relembro apenas que o documento teve o apoio expresso não só do PS, mas também do PSD e do CDS.

Se o lerem com atenção, vão verificar que não existem em lado nenhum as quatro medidas mais emblemáticas do Governo de Passos Coelho. Não está lá escrito que é necessária uma sobretaxa no IRS (aplicada no Natal em 2011); nem que é necessário cortar os subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas (aplicada em 2012); nem que é necessária uma alteração na TSU (tentada sem sucesso em Setembro de 2012); nem está lá dito que é necessário um "enorme aumento" do IRS (aplicado em 2013).

Ou seja, no memorando original, a estratégia escolhida era muito mais de cortes no lado da despesa, e não de aumentos de impostos ou de cortes salarias ou de subsídios. Foi Vítor Gaspar que, mal se viu ministro das Finanças, decidiu escolher uma via diferente, e optar pelas escolhas que optou. 

Pode mesmo dizer-se que, não fossem as invenções graves de Gaspar, e a sua mudança abrupta de estratégia relativamente ao que estava acordado com a "troika", e certamente a recessão não teria sido tão grave como está a ser.

Vítor Gaspar, bem como um grupo de pessoas em seu redor (António Borges, Carlos Moedas, Braga de Macedo) é que conseguiram impor a sua via ao Governo, convencendo um inábil e pouco preparado Passos Coelho de que o ajustamento na sua versão PSD, ultra-rápida e à bruta, iria resultar muito melhor do que o ajustamento "light" que estava previsto no memorando original. 

O PSD é pois responsável por este ajustamento e pelos seus resultados cruéis, e não pode agora vir dizer que era o memorando que estava mal desenhado. Isso é absolutamente falso. Foi Gaspar quem adulterou o memorando, e seguiu outro caminho. A culpa não é da "troika", a culpa é de Vítor Gaspar e do Governo.

Contudo, não se pense que a culpa é só deles, porque não é. Há muita gente inteligente e poderosa que apoiou de uma forma acéfala e acrítica a estratégia "hard line" de Vítor Gaspar, que falhou rotundamente. Infelizmente, o PSD contou com o apoio expresso de muita luminária, em todos os sectores.

Nem vale a pena falar de António Borges, mas há mais gente. Na banca, Fernando Ulrich foi o grande campeão do apoio ao Governo, chegando a falar em "ditadura do Tribunal Constitucional" (!!!!) e a dizer, com um certo gozo, que o país "aguentava" mais austeridade!

Na sociedade civil, Isabel Jonet também foi uma grande apoiante desta estratégia, e na maior parte da comunicação social escrita, houve muita gente que deve andar agora envergonhada do que escreveu há dois anos! Nem vou falar em Camilo Lourenço, pois esse está para além da salvação possível...

Era bom que toda esta gente levasse a mão à consciência e a sentisse pesada, pois foi com o apoio de muitos deles que chegámos onde chegámos. Mas, é esperar demais. A humildade não é uma característica dos iluminados... 

 

Para ler o memorando original vá a:
(http://www.portugal.gov.pt/media/371372/mou_pt_20110517.pdf).

publicado por Domingos Amaral às 10:42 | link do post | comentar | ver comentários (14)
Segunda-feira, 18.03.13

Portugal e a Europa estão na Boca do Inferno

Qualquer dia, arriscamo-nos que o que aconteceu ontem no Chipre aconteça na Grécia, na Irlanda, em Portugal ou mesmo em Espanha ou Itália.

Qualquer dia, numa segunda-feira acordamos e a Europa e os Governos foram-nos ao bolso e tiraram-nos uma parte dos nossos depósitos, do que é nosso.

Este fim de semana, na Europa, foi atrevessada uma linha vermelha, uma linha muito perigosa, que estabele a separação entre o que é aceitável e o que é inaceitável. Este fim de semana, a Europa deu mais um passo na direção do abismo, do qual se tem aproximado todos os meses um pouco mais.

Depois de mais de uma década ter tolerado e até promovido alegremente perigosas irresponsabilides aos seus bancos, aos seus mercados financeiros e aos seus governos, a Europa, desde 2009, decidiu um caminho absurdo de austeridade e dureza, que não tem resolvido nenhuma coisa e só tem agravado a crise por todo o lado.

Na Grécia, a situação é cada vez mais dramática e assustadora. Na Irlanda, não há meios de se ver o fim do filme de terror que o colapso da banca irlandesa gerou. Em Espanha, não há sinais de melhoria. Em Itália, o sistema político está um caos. E em Portugal, vemos todos os dias à nossa frente desenrolar-se um desastre em câmara lenta. 

É isto que a Europa tem para oferecer aos seus povos? Austeridade brutal que nada resolve e, se for caso disso, confisco dos depósitos bancários das pessoas? Será que ninguém percebe que estão a ser torpedeadas as fundações das nossas sociedades modernas, que está a ser demolida todos os dias a nossa confiança nas instituições?

O que se passou no Chipre, com o confisco dos depósitos das pessoas, é um acto de "terrorismo económico" gravíssimo, praticado pelas instituições europeias! Pela primeira vez, na Europa unida que temos há muitos anos, passou-se uma linha vermelha essencial, e ninguém sabe o que pode acontecer a partir daqui. Quando é que os líderes europeus vão acordar deste sono trágico que os vitima?

Nos anos 30, há cerca de 80 anos, a Europa estava assim. Os governantes também acreditavam na "austeridade" e faziam enormes cortes na despesa, e os países afundaram numa recessão brutal que atirou para o desemprego milhões e gerou fome e perdição. O resultado, é bom que as pessoas se recordem, foi Hitler, o mais célebre e mais terrível filho da austeridade.

É isso que os políticos europeus querem? Levar os povos ao desespero, fustigando-os com austeridade, até ao ponto em que eles se revoltam e nasça uma ira incontrolável e imprevisível? Se não é parece..

Portugal e a Europa estão na Boca do Inferno. Sim, estamos à porta do Inferno, embora muitos ainda não saibam e muitos mais não o queiram admitir. Mas estamos. Daqui até ao fogo e ao ranger de dentes é só um passo... 

publicado por Domingos Amaral às 11:31 | link do post | comentar
Sexta-feira, 15.03.13

O melhor ano de sempre de Jorge Jesus?

Este arrisca-se a ser o melhor ano de sempre de Jorge Jesus.

Depois da grande desilusão que foi perder um campeonato onde o Benfica chegou a andar com 5 pontos de avanço, e depois de perder dois grandes jogadores no meio-campo - Javi Garcia e Witsel - muitos eram os cépticos, e quase todos desconfiavam das capacidades de Jesus.

Ora, o treinador do Benfica está a responder à altura e, para já, está com resultados fantásticos. Não só lidera o campeonato com 2 pontos de avanço, como se qualificou para os quartos-de-final da Liga Europa, e já tem um pé na final da Taça de Portugal.

Continua a lutar em três frentes, e em 41 jogos oficiais disputados desde Agosto, tem o impressionante registo de 31 vitórias, 8 empates e apenas 2 derrotas, ambas na Champions, contra Barcelona e Spartak.

A percentagem de vitórias do Benfica é neste momento de 85,3% o que é um registo de fazer inveja a qualquer um.

Mas, há muito mais do que isso que deve ser dito sobre Jesus. Ainda se lembram do panorama no início da época? Logo depois de Witsel e Javi terem saído, ouvi e li muitos comentadores a dizerem que o Benfica ficaria de rastos e sem meio-campo; que o Benfica não tinha lateral-esquerdo de jeito e que a adaptação de Melgarejo seria um "flop", etc, etc.

Além disso, Luisão estava castigado durante meses, e Aimar e Carlos Martins tinham lesões que os iam impedir de jogar durante algum tempo.  

Perante este terrível cenário, o que fez Jesus? Pois fez apostas e trabalhou, muito, para conseguir uma nova equipa. No espaço de apenas 7 meses, eis o que ele fez.

Primeiro, "inventou" um lateral-esquerdo de qualidade, Melgarejo. Depois, "inventou" um meio-campo de qualidade, com Enzo Perez e Matic. Conseguiu ainda inventar 3 jogadores portugueses jovens, como André Almeida, André Gomes e Roderick. E, não contente com isto tudo, ainda "inventou" um extremo de grande talento, chamado Ola John.

É claro que eu sei que a época ainda não terminou, Jesus ainda não ganhou qualquer título, e os benfiquistas já estão vacinados contra excessos de euforia. Mas, há que dar os parabéns a Jorge Jesus por tudo o que já fez, que tem sido muito, e muito bom. Na liga Europa, quatro jogos, quatro vitórias. Quem fez melhor?

 

publicado por Domingos Amaral às 10:45 | link do post | comentar | ver comentários (3)
 

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