Segunda-feira, 18.03.13

Portugal e a Europa estão na Boca do Inferno

Qualquer dia, arriscamo-nos que o que aconteceu ontem no Chipre aconteça na Grécia, na Irlanda, em Portugal ou mesmo em Espanha ou Itália.

Qualquer dia, numa segunda-feira acordamos e a Europa e os Governos foram-nos ao bolso e tiraram-nos uma parte dos nossos depósitos, do que é nosso.

Este fim de semana, na Europa, foi atrevessada uma linha vermelha, uma linha muito perigosa, que estabele a separação entre o que é aceitável e o que é inaceitável. Este fim de semana, a Europa deu mais um passo na direção do abismo, do qual se tem aproximado todos os meses um pouco mais.

Depois de mais de uma década ter tolerado e até promovido alegremente perigosas irresponsabilides aos seus bancos, aos seus mercados financeiros e aos seus governos, a Europa, desde 2009, decidiu um caminho absurdo de austeridade e dureza, que não tem resolvido nenhuma coisa e só tem agravado a crise por todo o lado.

Na Grécia, a situação é cada vez mais dramática e assustadora. Na Irlanda, não há meios de se ver o fim do filme de terror que o colapso da banca irlandesa gerou. Em Espanha, não há sinais de melhoria. Em Itália, o sistema político está um caos. E em Portugal, vemos todos os dias à nossa frente desenrolar-se um desastre em câmara lenta. 

É isto que a Europa tem para oferecer aos seus povos? Austeridade brutal que nada resolve e, se for caso disso, confisco dos depósitos bancários das pessoas? Será que ninguém percebe que estão a ser torpedeadas as fundações das nossas sociedades modernas, que está a ser demolida todos os dias a nossa confiança nas instituições?

O que se passou no Chipre, com o confisco dos depósitos das pessoas, é um acto de "terrorismo económico" gravíssimo, praticado pelas instituições europeias! Pela primeira vez, na Europa unida que temos há muitos anos, passou-se uma linha vermelha essencial, e ninguém sabe o que pode acontecer a partir daqui. Quando é que os líderes europeus vão acordar deste sono trágico que os vitima?

Nos anos 30, há cerca de 80 anos, a Europa estava assim. Os governantes também acreditavam na "austeridade" e faziam enormes cortes na despesa, e os países afundaram numa recessão brutal que atirou para o desemprego milhões e gerou fome e perdição. O resultado, é bom que as pessoas se recordem, foi Hitler, o mais célebre e mais terrível filho da austeridade.

É isso que os políticos europeus querem? Levar os povos ao desespero, fustigando-os com austeridade, até ao ponto em que eles se revoltam e nasça uma ira incontrolável e imprevisível? Se não é parece..

Portugal e a Europa estão na Boca do Inferno. Sim, estamos à porta do Inferno, embora muitos ainda não saibam e muitos mais não o queiram admitir. Mas estamos. Daqui até ao fogo e ao ranger de dentes é só um passo... 

publicado por Domingos Amaral às 11:31 | link do post | comentar
Sexta-feira, 08.02.13

A Irlanda também já teve o seu perdão de dívida

Depois da Grécia em Dezembro, foi agora a vez da Irlanda. Hoje, foi aceite pelo Banco Central Europeu um monumental reescalonamento da dívida da Irlanda, o que na prática significa um perdão e um adiamento do pagamento de muitos milhões de euros em juros.

Mais de três anos depois da crise financeira do euro ter começado, a Europa aceitou finalmente fazer aquilo que muitos, desde 2009, diziam ser essencial: reestruturar a dívida pública dos países que estavam com excesso de dívida.

Foram precisos três anos para a lenta Sra Merkel aceitar o óbvio: a dívida da Irlanda, tal como a da Grécia e a de Portugal, e provavelmente também a de Espanha, não é pagável com austeridade, e só renegociando a dívida, e com os credores a aceitaram certas perdas e adiamentos longos de pagamentos, é que a situação se podia resolver.

Há três anos, ninguém aceitou este princípio de bom senso, e a Alemanha obrigou a programas de austeridade duríssimos, que obviamente não tornaram os países capazes de pagar as suas dívidas. Não é com milhões de desempregados que se pagam as dívidas excessivas dos países, e a austeridade desmiolada que se praticou provocou uma crise grave na Europa.

Agora, tanto a Grécia como a Irlanda já conseguiram renegociar a dívida. Só falta Portugal. Contudo, o nosso Governo parece bem mais determinado em prosseguir a austeridade fortíssima do que em renegociar a nossa dívida. Passos Coelho e Gaspar não param de falar na necessidade imperiosa de cortar 4 mil milhões de euros em despesa do Estado.

Ora, pergunto eu, porque não renegociar a dívida e baixar a fatura altíssima de juros? Se a Irlanda e a Grécia já o fizeram, porque não o faz Portugal? E, já agora, que sentido faz cortar 4 mil milhões de euros em despesas sociais quando se gastam quase 14 mil milhões nos nossos bancos? A austeridade não se aplica à banca e aos banqueiros?

publicado por Domingos Amaral às 17:45 | link do post | comentar
Quarta-feira, 16.01.13

Passou a tempestade no euro...

Como nas últimas semanas já vieram dizer Draghi, Lagarde ou Durão Barroso, a crise financeira de confiança no euro parece ultrapassada.

E como eu sempre aqui escrevi, essa crise terminaria no dia em que se dessem duas garantias. A primeira era a de que o BCE podia comprar dívida dos Estados, e a segunda era que a Grécia não saía do euro, mesmo que para isso precisasse de ver a sua dívida perdoada, ou reestruturada. 

Se a Europa tivesse feito isso logo em inícios de 2010, a grave crise do euro não teria acontecido, e se calhar Portugal nunca teria precisado de um resgate da "troika". Contudo, foram precisos três longos anos para a Europa reconhecer o óbvio. 

Só em Junho de 2012, uma primera declaração de Draghi, a dizer que "tudo faria para salvar o euro", começou a acalmar os mercados, e viram-se as primeiras descidas nas taxas de juro. A segunda vaga de descida iniciou-se em Setembro, quando o BCE aprovou a compra de dívida dos Estados (apesar da oposição da Alemanha). E a terceira vaga de descida, a que mais beneficia Portugal, deu-se logo após a decisão de reestruturar a dívida da Grécia. 

Infelizmente para todos os europeus, foram necessários 3 longos anos para convencer os alemães de que esta era a única saída, e que só assim se salvaria o euro. Durante 3 anos, a Sra Merkel e o Bundesbank resistiram a todas as mudanças, convictos que só a austeridade fiscal chegaria para resolver uma crise que era sobretudo de confiança.

Primeiro recusaram os resgates, depois recusaram os fundos de estabilização europeus, e depois ainda tentaram recusar a possibilidade do BCE intervir e a união bancária. Porém, o resto da Europa conseguiu convencê-los que a austeridade, sozinha, não resolvia nada.

Infelizmente, esta cegueira alemã obrigou alguns pequenos países, como Grécia, Portugal e Irlanda, a sofrerem muito mais do que era necessário. Só quando a crise ameaçou a Espanha, a Itália, e até um pouco a França, é que os alemães tomaram juízo e se renderam às evidências.

Os planos forçados de austeridade, impostos pelas "troikas" aos pequenos países da Europa, são filhos desta teimosia e desta cegueira germânica. Já toda a gente percebeu que foram exagerados, na profundidade e na rapidez dos ajustamentos exigidos. Geraram recessões cavadas, desemprego altíssimo, instabilidade social e política, e não foram eles que resolveram a crise do euro, mas sim o BCE.

Estes 3 anos de fúria austeritária deixaram a Europa mais enfraquecida. Como Juncker disse, na hora da despedida, a Europa foi bruta com os fracos, não resolveu o drama do desemprego e foi pouco solidária.

Além disso, a crise geral do euro pode ter chegado ao fim, mas a crise específica desses países não chegou. Na Grécia, na Irlanda, em Espanha, em Portugal, continua um sofrimento desnecessário. Até quando?

Até quando demorarão os poderosos da Europa a perceber que, para resolver uma crise financeira que podia ter sido resolvida facilmente pelo BCE, geraram crises económicas prolongadas que não sabem como resolver?

Em Portugal, no meio da recessão, o Governo quer cortar mais 4 mil milhões de euros de despesa, cerca de 2,5 por cento do PIB. Pior precipício orçamental não há. Até quando esta gente continuará cega? Será que é com 1 milhão de desempregados que se pagam as dívidas do país? 

publicado por Domingos Amaral às 15:34 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Terça-feira, 15.01.13

Carta de uma jovem portuguesa

Paulo Portas disse recentemente que há muitos sectores da sociedade portuguesa onde impera o desânimo. É bem verdade, e por vezes sinto que esse desânimo é ainda maior entre os jovens e os estudantes, e aqueles que querem trabalhar pela primeira vez e não podem. 

No entanto, por mais desanimados e pessimistas que estejam, os nossos jovens não deixam de pensar, de acreditar e, sobretudo, de amar Portugal. Foi isso que senti quando me foi enviado o texto que aqui deixo para os meus leitores. Foi escrito por uma rapariga de 16 anos, estudante em Tomar, chamada Laura Antunes, e comoveu-me pela lucidez, pela inteligência e pela sensibilidade que mostra. Convido-vos a ler. 

 

Jovens de Portugal 

É muito difícil ser-se jovem responsável nos dias de hoje. É muito difícil passar o dia na escola, estar sentado nas mesas das salas de aula, com atenção à matéria dada e ao mais ínfimo pormenor dito pelos professores, escrever apontamentos nos cadernos, manter o estudo em dia, dar tudo por tudo, semana após semana, teste após teste, para que os resultados sejam melhores. Mas fazemo-lo e continuamos a fazê-lo porque fomos educados aprendendo que serão esses resultados o nosso passaporte para o futuro. No entanto, as pessoas que nos ensinaram a esforçarmo-nos, a dar tudo por tudo, a dar o nosso melhor em tudo o que fazemos, a lutar pelo que queremos alcançar, são as mesmas pessoas que quando nos encontram à mesa de jantar, todos os dias, falam, sem cessar, sobre todas as cargas fiscais a que se vêem constantemente sujeitos. 

Como filhos que somos, percebemos que os impostos e os cortes orçamentais que ultimamente têm crescido em número e em valor, resultam num efeito negativo nas nossas famílias, não só financeira, mas também psicologicamente. Não temos filhos, mas somos crescidos o suficiente para entendermos que o pouco dinheiro que os nossos pais começam a possuir aflige-os, sobretudo, pelo medo que têm de não nos poderem dar o futuro que gostariam. E esse receio é bem fundamentado. A verdade é que se tivermos más notas, mas possuirmos dinheiro, tiramos uma licenciatura, mestrado e, com uma “cunha”, temos emprego bem remunerado ainda antes de acabar o curso. Por oposição, se tivermos boas notas, mas formos da classe média/pobre, o futuro é incerto. Terão os nossos pais dinheiro para suportar propinas, renda e todos os custos que uma ida para a faculdade inclui? Acho que esta pergunta os persegue ainda mais do que o medo de não conseguir alcançar os desejos nos persegue a nós. 

Porém, não existe apenas o problema da faculdade. Ainda que os nossos pais consigam “mover montanhas” e nós consigamos licenciar-nos, onde está o nosso futuro? Onde está um emprego? Onde estão as empresas sedentas do nosso sangue novo? Onde estão as oportunidades para ser agarradas? Onde estão as iniciativas? Onde está o espírito empreendedor? Onde está um governo que incentive os jovens? Onde estão os locais que nos possibilitem pôr em prática tudo o que aprendemos? Onde estão os sítios que nos ofereçam meios para podermos dar asas ao nosso espírito crítico e criativo? Pois é... Não há disto em Portugal. A solução é abandonar o país onde crescemos, onde vivemos, onde fomos educados, que aprendemos a amar como sendo a nossa “casa”, mas que nos expulsa como animais leprosos, alegando não precisar de nós. 

E aqui chegamos ao cerne da questão. O que nos magoa enquanto jovens responsáveis, não é não irmos para a faculdade por os nossos pais não conseguirem fazer milagres e não vermos o dinheiro “cair das árvores”. O que nos magoa não é não ter mil portas abertas à nossa espera assim que somos licenciados. O que nos magoa não é a falta de dinheiro para não podermos comprar a mais alta das tecnologias. O que nos magoa não é termos de pagar cada vez mais para usufruir de bens que deveriam ser gratuitos, por serem indispensáveis ao ser humano. O que nos magoa verdadeiramente é esta sensação de sermos escorraçados pelo nosso próprio país e sentirmos que não temos qualquer utilidade aqui. É triste pensar que temos de sair do nosso Portugal para podermos trabalhar e fazer aquilo que 

sabemos fazer de melhor. Entristece-nos que Portugal só nos dê valor depois de outros países, com os quais não temos qualquer ligação, nos reconheçam como bons profissionais. Sentimo-nos como filhos órfãos, de um pai que nos abandonou. Chegamos a repudiar este Portugal que amamos, mas que não nos ama. 

Apesar de todo o cenário de terror que se avizinha, continuamos a empenhar-nos nos estudos, fazendo de tudo para que o nosso futuro seja, tanto quanto possível, risonho. Não sonhamos com luxo nem com ostentações. Acreditamos sim em vidas dignas, em direitos justos, numa sociedade igual que nos trate a todos da mesma forma, que dê importância a valores do campo psicológico e não do campo financeiro. Afinal, o que nos distingue hoje na sociedade se não o dinheiro? Dá que pensar... As pessoas que aparecem na televisão pedindo aos nossos pais esforços e prometendo que esses sacrifícios resultarão no bem-estar de todos nós, são as mesmas que surgem sempre com roupas das mais prestigiadas marcas, conduzem automóveis do mais alto calibre e têm vidas de muitíssimo elevado custo. Tudo isto à nossa frente. Aos olhos de todos, menos dos que não querem ver. Será isto justo? No século XVIII, lutava-se por sociedades que tratassem todos por igual e a História diz-nos que as Revoluções Liberais conseguiram tal objetivo. No entanto, atualmente, em pleno século XXI, observamos toda uma panóplia de atos que em tudo divergem dos valores de bom senso que aprendemos e que nos continuam a incutir. A nossa pergunta é: porquê? 

Gostávamos de ser úteis no nosso País, gostávamos que nos dessem oportunidades de mostrar o que valemos, gostávamos de ser incentivados a seguir os nossos sonhos e a fazer o que gostamos, gostávamos que nos abrissem portas, pondo de parte a única que, de momento, olha para nós de forma aliciante: a de saída. Gostávamos que olhassem para nós de outra forma, que não generalizassem a nossa geração. Nós existimos e temos uma voz. Nós somos os jovens de Portugal, com o sangue na guelra para lutar contra todos os obstáculos que se colocarem no nosso caminho, com a força e as ferramentas necessárias para erguer um novo Portugal, se, claro, nos derem essa oportunidade. 

Confiamos em ti, Portugal. Temos a esperança que todo o nosso esforço na escola vai ser recompensado por ti. Confia em nós também para te ajudarmos a voltar a ser o Portugal de antigamente, o Portugal das conquistas, o Portugal invejado, o Portugal das grandes glórias. Nós amamos-te Portugal. Ama-nos a nós também. 

Os teus jovens. 

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Quinta-feira, 13.12.12

Os alemães deviam lembrar-se melhor da sua História!

Sempre que vejo na televisão o ministro das Finanças alemão, o Sr. Schauble, penso que se calhar ele já não se lembra bem da História do seu próprio país, a Alemanha.

Quando fala na dívida pública dos países como Grécia, Portugal e Irlanda, ele nunca quer ouvir falar em "perdão de dívida", nem sequer em "renegociação" ou "reestruturação" da dívida. Para ele, esses países têm de pagar o que devem, e mais nada! Quanta falta de memória...

A História da Alemanha no século XX é uma lição sobre o que se deve e o que não se deve fazer quando a dívida pública atinge valores astronómicos, e o Sr. Schauble, e outros que tais, deviam meditar sobre os ensinamentos que se podem, e devem, retirar do passado.

Logo após o fim da I Guerra Mundial, o tristemente célebre Tratado de Versailles obrigava a Alemanha, que perdera a guerra, a pagar elevadíssimas "reparações". Com sede de vingança, vontade de castigar e muita cegueira, americanos, franceses e ingleses, obrigaram a Alemanha a enormes sacrifícios, fazendo a dívida pública do país crescer para valores astronómicos.

O resultado não foi bonito de se ver. Atrofiada num mar de dívidas, a Alemanha sofreu horrores. Dois surtos de hiperinflação brutais, nos anos 20, e duríssima austeridade, em especial entre 1930 e 1933, aplicada pelo chanceler Bruning, que viria a ficar conhecido como "o chanceler da fome". A recessão, o desemprego e a fome foram de tal ordem, que geraram um caos de onde emergiu uma calamidade maior ainda: Hitler. A austeridade fanática gerou um monstro.

Contudo, europeus e americanos não aprenderam à primeira. Depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, também foram impostas fortíssimas obrigações à Alemanha, uma enorme austeridade que fez crescer brutalmente a sua dívida pública, provocou uma recessão e impediu a recuperação económica.

Só oito anos depois do fim da guerra (!), em 1953, é que o mundo percebeu que esse caminho não funcionava, e decidiu finalmente perdoar a dívida pública alemã. 63 por cento da dívida da Alemanha foi perdoada, naquela que foi uma decisão histórica e que permitiu ao país sair do buraco em que se encontrava, ao mesmo tempo que aplicava o Plano Marshall.

Para quem pense que a história acabou aqui, não é assim. Nos anos 90, depois da reunificação das Alemanhas, o novo país ficou com uma enorme dívida pública, e foi com a ajuda dos europeus que a conseguiu reestruturar, absorvendo assim a Alemanha de Leste.

Há lições a retirar destes casos, em especial para a Alemanha, e a principal é esta: a partir de certo limite, não vale a pena forçar os países a enormes sacrifícios para pagar as suas dívidas, porque isso não resulta. O melhor é perdoar, e recomeçar do zero.

Se há país que sofreu na pele com a teimosia e a estupidez dos credores, esse país é a Alemanha, e por isso mesmo devia saber o que funcionou e o que não resultou. Quem tanto sofreu, não devia ser tão duro com os outros.   

 

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Segunda-feira, 10.12.12

Portugal ainda existe?

Por vezes, tenho a sensação estranha de que Portugal já não existe. Sim, ainda temos bandeira e hino, e seleções nacionais em muitos deportos, mas fora isso, será que ainda somos um país independente, uma nação autónoma? 

Não se trata apenas de uma questão conjuntural. Não digo isto porque estamos numa crise económica, num programa de resgate financeiro, sem grande autonomia para escolher o nosso prórpio caminho. É evidente que isso agrava a sensação de impotência, mas não a esgota, bem pelo contrário.

Na verdade, somos já uma espécie de Arkansas, um estado dentro de uma estrutura política maior, que tem os mesmos 10 milhões de pessoas a viver que o Arkansas, mas que não é independente, nem sequer vale muito em influência ou em PIB.

O nosso caminho é tornarmo-nos um estado pequeno dentro de uma comunidade cada vez maior de estados. Para o euro sobreviver, e para a União Europeia ter futuro, vai ser necessária cada vez mais integração, política e económica.

Hoje fala-se numa "união bancária", apresentada com essencial para o fim da crise, mas depois será necessária uma união fiscal e orçamental, com impostos europeus; e a seguir teremos de ter uma Segurança Social europeia; e depois virá uma união política, com eleições directas para a presidência da Europa.

Para que a Europa exista, vai ser preciso que os países morram, deixem de ser países como os conhecíamos, para passarem à mera condição de estados federados, ou outra coisa qualquer. Além de não termos moeda, não teremos também grande possibilidade para nos governar, pois será a Europa a fazê-lo por nós.

Se será mau ou bom, só o futuro o dirá, mas a verdade é que cada passo dado nesse caminho é um passo para o fim de Portugal como o conhecemos.

Sim, restará uma bandeira, um hino, uma língua, um sentimento geral, uma História, seleções nacionais, mas a verdade é que, seja na economia, seja na política, o pouco que ainda éramos vai em breve desaparecer. Portugal vai acabar, e o que vier será outro Portugal, mas já não o mesmo.

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Quarta-feira, 05.12.12

Uma Alemanha fortíssima numa Europa fraquíssima

Angela Merkel é adorada na Alemanha, mas poucos gostam dela no resto da Europa. Não admira. Enquanto a Alemanha se encontra forte e em grande forma, à sua volta espalha-se uma crise gravíssima. Merkel foi ontem reeleita líder pela sua CDU, que a aplaudiu de pé durante oito minutos, mas fora das suas fronteiras a apreciação é diferente.

É o que acontece a quem se especializou em dizer "Não" a tudo. Desde 2009, ano em que foi reeleita para chanceler da Alemanha, Merkel esteve sempre contra as mudanças necessárias para a Europa sair da crise. Não, não e não, foi a sua resposta inicial a qualquer ideia que pudesse ajudar a Europa. Foi essa a política da Alemanha: dizer Não, mesmo que uns meses depois fosse quase sempre obrigada a aceitar mudanças.

É importante recordar o seu primeiro Não. Foi em 2009, quando disse que a Alemanha não garantia a dívida dos outros países. Esta declaração, talvez a mais grave de todas, gerou uma crise de confiança nos mercados da dívida soberana. Se a Alemanha, o país mais rico e mais poderoso do euro, não ajudava, então quem ajudava? As taxas de juro de países como Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Chipre, Itália, e mesmo França e Bélgica, desataram a subir. A crise rebentou.

No início de 2010, Merkel disse o seu segundo Não: não queria um resgate europeu à Grécia. A Grécia afundou cada vez mais, e em meados desse ano, a Europa inteira e o FMI lá acabaram por reconhecer que não havia outra solução, e a Grécia foi mesmo resgatada, embora em condições terríveis e com juros altíssimos, o preço imposto pela Alemanha para aceitar esta contrariedade.

Com a Irlanda e com Portugal, o mesmo filme: primeiro Não, depois lá teve de ser o Sim, com imensa relutância e ferozes cláusulas. E o mesmo se passou com os mecanismos europeus de financiamento aos países, o FEEF e o MEE. Primeiro, a Alemanha disse Não, mas lá acabou por dizer que sim, sempre contrariada.

Situação semelhante se aplicou ao Banco Central Europeu. Quando Mario Monti falou na possibilidade do BCE comprar dívida soberana nos mercados secundários, logo a Alemanha disse Não! Meses mais tarde, aceitaria o sim. Para a união bancária, a mesma reação. Primeiro um rotundo Não, depois um lento e complexo sim, sempre cheio de travões e condicionantes.

Ao longo de três penosos anos, a Alemanha nunca teve uma visão política para a Europa, que pudesse corrigir as deficiências da união monetária e ultrapassar a crise. Manteve-se obstinada nos seus Nãos, limitando-se depois a fazer o mínimo necessário para que o euro não implodisse. Com isso, perdeu-se tempo, e a crise assentou arraiais na Europa do Sul, ameaçando agora a chegar à França e à Alemanha.

Esta postura de Merkel teve naturalmente o aplauso dos alemães. Na verdade, ela colocou sempre o interesse da Alemanha à frente de tudo e de todos. E o seu interesse pessoal também, pois como todos os políticos ela quer ser reeleita em Setembro de 2013. O único problema é que, para ser amada na Alemanha, ela irá pagar um alto preço, pois a crise na Europa não tem fim à vista.

É pena que Merkel não seja, como Kohl ou Adenauer, seus heróis da CDU, uma chanceler alemã que olhe para a Europa não como um bando de países irresponsáveis que a Alemanha tem de meter na ordem, e de aturar a contragosto, mas como uma união essencial para o mundo e, sobretudo, para todos os europeus.

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Terça-feira, 04.12.12

Um Governo subserviente aos alemães e desorientado com os portugueses

Se há coisa que incomoda neste Governo é a subserviência à Alemanha, que é todos os dias evidente. Na semana passada, depois do Eurogrupo ter tomado importantes decisões sobre a Grécia, muitas delas contra a vontade da Alemanha, vieram logo Passos e Gaspar dizer, com alegria e entusiasmo, que Portugal ia beneficiar dessas decisões, talvez com descidas de juros e mais tempo.

Mas, logo nos dias seguintes, e apesar da fanfarra dos jornais em Portugal, começaram a ouvir-se vozes europeias e dizer que não eram bem assim. Ontem, foi a vez do ministro alemão Schauble "desaconselhar" Portugal a ir por esse caminho. A Alemanha falou, e o que se viu logo? Passos Coelho e Vítor Gaspar corrigiram de imediato o discurso, dizendo que afinal não queriam nada as condições da Grécia!

A Alemanha manda, Portugal diz amen, é a estratégia do Governo em todo o seu esplendor, mesmo que isso implique que Passos e Gaspar se tenham de contradizer a si próprios, apenas sete dias depois. Esta impressão de subserviência é fatal para a credibilidade interna do governo, embora possa ser muito importante para ficarmos "bem vistos" aos olhos do alemães, o que parece ser o principal e único objectivo do Governo.

Mas, os sinais deste tipo de desorientação são cada vez mais evidentes, e não só na questão internacional. Veja-se por exemplo na Educação. Na entrevista à TVI, Passos disse que as famílias iriam ter de partilhar o financiamento da educação pública. No dia seguinte, o ministro Crato negou tal ideia, e uns dias depois, o mesmo Passos proclamou que nunca falara em tal coisa, os chamados co-pagamentos. Em que é que ficamos?

E nem vale a pena referir a RTP, sobre a qual há mais ideias do que canais. Primeiro era a privatização total, depois era só a de um canal (a RTP 2), depois ouvimos o magnífico António Borges lançar a ideia mirabolante da concessão; e agora já vamos na privatização parcial (só 49%) mas entregando a gestão a privados! Enfim, para a semana ou coisa assim deve haver uma ideia nova, não vale a pena preocuparmo-nos de mais.

Mais valia perguntar ao Sr. Schauble o que ele pensa da educação pública paga e da privatização da RTP! Assim sempre sabíamos o que pensa quem realmente manda em Portugal, e acabava-se esta cacofonia permanente de palavras ocas!

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Quarta-feira, 28.11.12

O euro e a reputação de Portugal

Daqui a cinquenta anos, quando os historiadores olharem para as estatísticas do início do século XXI, vão ser difíceis de perceber os benefícios da entrada de Portugal no euro. À medida que o tempo for passando, e os efeitos da ilusão monetária em que o país viveu se dissiparem, a imagem nítida que vai aparecer é a de que a adesão à moeda única prejudicou muito Portugal.

Em 2012 e comparando com 1998, último ano do escudo, quase tudo está pior. O desemprego em 2012 é muito superior, a carga fiscal em 2012 é muito superior, o endividamento privado é muito superior, o deficit orçamental do Estado é mais alto, a dívida pública é muito mais alta, o desequilíbrio da balança comercial ou da de capitais são muito superiores ao que eram em 1998. E, claro, o crescimento económico de Portugal desde que entrou no euro é bem menor do que o das décadas anteriores, quando ainda tínhamos escudo. 

Quinze anos depois, Portugal só desceram a inflação e as taxas de juro, ambas menores do que antes. O euro desinflacionou a nossa economia, mas o preço que pagámos foi altíssimo. Nem as finanças públicas se equilibraram, nem as privadas melhoraram, nem a moeda única trouxe crescimento económico para novos sectores, enquanto os tradicionais sofriam e alguns quase desapareciam, como a agricultura e muita indústria.

Mais grave do que isso, é que o euro colocou em causa a reputação de Portugal nos mercados internacionais. Durante todo o século XX, Portugal não entrou em bancarrota nem uma única vez! Nem a confusão da República, nem Salazar, nem o 25 de Abril causaram tantos transtornos ao país como o euro. 

No século XIX, tínhamos sofrido crises dessas por seis vezes, mas a última fora em 1890, e não mais o país sofrera um problema grave de dívida externa, ao contrário por exemplo da Grécia, que teve uma bancarrota em 1932, ou mesmo da Alemanha, que teve duas bancarrotas, em 1932 e 1939.

As crises de inflação em Portugal também foram poucas em 100 anos, e nunca tivemos nenhum surto de hiperinflação, ao contrário por exemplo da Grécia, em 1922 e 1923, ou da Alemanha, em 1920 e 1923.

E ainda mais impressionante é o nosso registo perfeito no que toca a crises bancárias. Até 2008, Portugal era a única economia avançada que não tivera uma única crise bancária grave desde a Segunda Guerra Mundial! Apesar de termos tido duas crises de balança de pagamentos, em 1976-77 e em 1983-84, nenhuma delas foi suficientemente grave para manchar a nossa reputação internacional, que o euro em pouco mais de 10 anos colocou em risco. 

Em 2011, o resgate internacional a Portugal, executado pela "troika", mostrou com dureza que o euro debilitou Portugal, ao ponto de o país ter de se retirar dos mercados internacionais, coisa que nunca lhe acontecera desde 1890! Além disso, deram-se vários colapsos bancários. Faliram rotundamente o BPP e o BPN, e mesmo o BCP, o BPI e a Caixa Geral de Depósitos tiveram de ser resgatados pela "troika", pois corriam o risco de se afundarem.

A liberalização financeira, a liberdade de movimentação de capitais e as descidas abruptas da taxa de juro, trazidas pelo euro, foram uma cocaína perigosa para Portugal, e produziram uma grave crise que vai durar várias décadas a corrigir. Algo correu mesmo muito mal, para um país tão cumpridor e tão estável nas suas finanças, como Portugal foi durante mais de cem anos, acabar como está.

E, para quem acha que fomos os únicos, convém dizer que não fomos. Itália, Espanha, Grécia, Irlanda, e mesmo Áustria ou Chipre, estão parecidos. O que me leva a pensar que o problema talvez não esteja em nós, mas sim no euro, uma união monetária tão imperfeita que se transformou numa armadilha perigosa.  

publicado por Domingos Amaral às 11:47 | link do post | comentar
Terça-feira, 27.11.12

A falência da Grécia salvou a Grécia!

A Grécia faliu, mas felizmente nada de muito grave aconteceu, pelo contrário, a falência da Grécia salvou o país. Ontem à noite, a Europa decidiu finalmente reconhecer o óbvio, e ajudar a Grécia a sair do caos onde se encontra. A dívida grega, insustentável, vai agora poder ser paga em muito mais tempo, e as taxas de juro exigidas vão baixar. Além disso, é muito provável que seja necessário que a "troika" perdoe cerca de 50 por cento do dinheiro que emprestou à Grécia, libertando o país desse fardo.

Era a única hipótese, a Grécia falir dentro do euro, a Europa ser solidária, os credores públicos e europeus aceitarem as perdas, e todos perceberem finalmente que a austeridade exagerada que se exigiu à economia grega não resolveu nada, pelo contrário, só piorou a situação.

Os grandes derrotados de ontem são a Alemanha da Sra Merkel e do Sr. Schauble, que tudo fizeram em três anos para impor a austeridade, e que agora foram obrigados a engolir a derrota da sua estratégia e das suas políticas. Com a austeridade, perderam todos, devedores e credores. Os devedores ficaram com a economia de rastos, e os credores nunca viram o seu dinheiro devolvido. A falta de solidariedade alemã, a austeridade fanática que impuseram aos gregos, levou ao caos e à quase destruição da Grécia, mas três anos depois os restantes europeus obrigaram a Alemanha a tomar juízo. 

Agora, chegou o tempo da solidariedade, da partilha de perdas entre credores e devedores. Finalmente, reconheceu-se que existe muita responsabilidade também dos credores, e que não se resolve nada atirando com os devedores para uma crise económica, pois isso ainda os impossibilita mais de pagar as suas dívidas. Finalmente, a Europa tomou juízo, e deu passos importantes para resolver esta armadilha que criou a si própria.

Infelizmente para Portugal, os efeitos positivos das decisões de ontem chegaram tarde demais. Em 2013, à conta das ideias do ministro Gaspar, a recessão vai continuar por cá, com cada vez mais desemprego e cada vez mais deficits. Será infelizmente uma austeridade totalmente inútil, pois se Portugal em vez de esmagar a economia começasse já amanhã a renegociar a dívida, sairia muito mais depressa deste inferno em que está.

Assim, o ministro Gaspar é adorado pelos alemães, e nós lixamo-nos, e daqui a um ano o país estará a fazer o mesmo que a Grécia, e a "troika" vai dizer que os credores serão obrigados a perdoar-nos as dívidas, e a pergunta que fica é: para quê perder um ano? O melhor economista europeu, Paul de Grauwe, esteve ontem em Portugal, e aconselhou o seu amigo Vítor Gaspar a "não exagerar na austeridade". Infelizmente, Vítor Gaspar não ouve ninguém, nem os seus amigos, e com ele a situação do país não vai melhorar.

 

 

publicado por Domingos Amaral às 12:34 | link do post | comentar
 

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