Sexta-feira, 12.10.12

45 anos

Hoje, faço 45 anos e tenho muitas razões para estar feliz. Tenho quatro filhos, um rapaz e três raparigas, que amo incondicionalmente e por quem dava a vida num segundo. Estou apaixonado pela minha mulher, e todas as noites me deito ao seu lado de mão dada. Adoro a minha mãe e o meu pai, admiro-os e sobretudo preciso deles, como se ainda fosse uma criança. Tenho três irmãos que todos os dias tenho de saber se estão bem, uma enorme família de tios, tias, primos e primas, sobrinhos e sobrinhas, que faz de cada reunião uma festa divertida e barulhenta, onde as alegrias se multiplicam e as tristezas se dividem. E tenho muitos e bons amigos e amigas, com quem se pudesse ficaria noites inteiras a conversar ou a dançar, até o sol nascer. 

Sim, tenho 45 anos e muitas razões para ser feliz. Já escrevi sete livros, plantei muitas árvores no Alentejo, e conduzi um Ferrari F 40. Faço o que gosto, escrever, e dedico-me à escrita com o entusiasmo com que uma criança se dedica a saltar ao eixo no recreio.

No entanto, hoje não me sinto muito feliz. Nestes tempos, nós somos mais do que o nosso mundo privado, por mais bonito e harmonioso que ele seja. Hoje, sinto à minha volta um país em sofrimento, um país aterrado com o futuro, um país zangado e desesperado. Sinto Portugal à beira de um abismo, e isso estraga-me o meu desejo privado de felicidade. Não é possível sermos completamente felizes quando à nossa volta o nosso país se desmorona, às vezes depressa, outras em câmara lenta, como se a demora da queda a tornasse mais suportável.

Hoje, faço 45 anos mas gostava de fazer 2, para não me dar conta do que se passa, ou 95, para já me ser indiferente o destino do meu país. No entanto, faço 45, o que é idade mais do que suficiente para não esconder a cabeça debaixo da areia e enfrentar com serenidade e lucidez qualquer desafio que a vida me apresente. E é por isso que escrevo isto, os meus pensamentos de hoje, e os quero de partilhar com os meus leitores. Porque há momentos para ficar calado e momentos para falar, há momentos em que devemos deixar o rio correr e outros em que devemos navegá-lo, por mais difícil que isso seja.

Hoje, aos 45 anos, gostava de vos poder deixar uma mensagem de esperança, dizer-vos que acredito que o calvário que atravessamos vai terminar, que já não falta muito. Gostava de vos poder dizer "aguentem", "é só mais um bocadinho", "isto vai melhorar". Gostava mas não consigo, seria uma monumental mentira. Na verdade, e provavelmente como muitos de vós, eu não acredito que por este caminho as coisas vão melhorar. Não acredito que o futuro vá ser melhor, porque não acredito em quem nos conduz.

Nunca fui de esquerda, nem nunca vou ser, nunca votei à esquerda do PSD, nem me parece que algum dia vá votar, mas isso não significa nada. Neste momento, já interessa muito pouco se somos de esquerda ou de direita, se somos conservadores, democratas-cristãos, sociais-democratas, socialistas, liberais ou comunistas. Neste momento, a única coisa que interessa é que somos todos portugueses, e estamos todos com os bolsos cada vez mais vazios e a alma cada vez mais carregada de aflições.

Neste momento, a única coisa que interessa é mostrarmos ao mundo que não queremos mais este caminho tortuoso e inútil que não nos leva a lado nenhum. O que vou escrever, não o escrevo de ânimo leve, escrevo-o com tristeza. Este governo que temos é o mais incompetente dos últimos trinta e tal anos. Erra, e em vez de corrigir os erros, insiste neles e até os amplifica, com uma cegueira aterradora. Está a conduzir Portugal para um desastre colossal, para um poço sem fundo, está a empurrar-nos para um abismo de onde não há regresso.

Não consigo assistir calado a este espectáculo de estupidez lamentável que estamos a presenciar. Se é este o caminho que estes senhores nos têm para oferecer, então que se vão embora e que venha alguém que saiba o que tem de ser feito e o faça. Não acredito que não existam em Portugal portugueses mais competentes do que estes, para nos ajudarem a sair deste buraco. É isto que eu penso, neste dia em que faço 45 anos, dia em que gostava de me sentir mais optimista, porque gosto muito do meu país e é nele que quero continuar a tentar, todos os dias, ser feliz. 

 

  

publicado por Domingos Amaral às 11:49 | link do post | comentar | ver comentários (16)
Quinta-feira, 11.10.12

As melhores batatas fritas

Desde miúdo, e provavelmente como a grande maioria de crianças, adoro batatas fritas. A minha primeira memória de comer batatas fritas situa-se na praia do Tamariz, há mais de quarenta anos. Depois, lembro-me de as comer no Guincho, vinham já em sacos de plástico, que tinham escrito o nome da marca, mas não me recordo qual era.

As senhoras que vendiam bolas de Berlim também vendiam batatas fritas, mas só quando chegaram as famosas Pala-Pala é que uma marca se destacou para mim, e penso que para Portugal inteiro. Depois dessas, houve muitas marcas, mas a maior parte não as relembro, até porque existiu uma época em que as batatas fritas compradas foram substituídas pelas batatas fritas caseiras.

A minha avó, em Guimarães, fazia as melhores batatas fritas do mundo. Eram longas, pareciam troncos de madeira cortados por um machado. Eram batatas e não batatinhas, como as outras. Mediam mais de dez centímetros, e eram fritas só em parte, permanecendo o interior mole e suave. Comi milhares e milhares delas, mas com o passar do tempo e a morte da minha avó as batatas caseiras foram desaparecendo.

A forma como vivemos conspira contra as batatas fritas caseiras. Ninguém gosta do cheiro a óleo, ninguém tem tempo para descascar e fritar batatas como deve ser, e há muitos que têm receio dos acidentes com óleo a ferver, ainda por cima com crianças a correr pela cozinha.

Portanto, a batata frita caseira foi caindo em desuso, e regressou em força a batata frita de pacote. De entre todas as marcas e modelos, há só uma que vale mesmo a pena, as Lays Gourmet. É claro que existem outras marcas de qualidade, e misturas de sabores interessantes, mas para mim as Lays Gourmet estão num patamar diferente das outras. Esta é a minha opinião pessoal, sou freguês, mas é relevante acrescentar que os meus filhos estão de acordo. Desde a mais velha, com quase catorze, até à mais nova, com pouco mais de um ano, os quatro adoram as Lays Gourmet e sempre que alguém compra outra coisa há resmungos e protestos em voz baixa. 

publicado por Domingos Amaral às 11:34 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Cada vez gosto mais da Gabriela

Cada vez gosto mais da telenovela Gabriela, que a SIC emite de segunda a sexta. Adoro o professor-poeta e a sua Malvina; o coronel Jesuíno e o seu "eu vou-lhe usar"; a Sinhazinha e o seu amado dentista, infiéis já descobertos pela criada chantagista; a Ivete Sangalo como Maria Machadão; o Beto que desvirginou a noiva que perdeu os pais num acidente, e com quem ele já não quer casar; a mulher do Tonico Bastos que lhe adora morder as nádegas; o próprio Tonico Bastos, que faz do Bataclan o seu cartório; a Jeruza que se apaixona pelo Mundinho; o Mundinho que desafia o poder do coronel Ramiro Bastos; o coronel Ramiro Bastos que chama "deputado de merda" ao filho; o coronel Melck, sempre pronto para mandar matar alguém; o Juvenal que é virgem e joga às cartas com a puta; a Gabriela que gosta de papagaios, de saltar ao eixo com as crianças, e não quer vestir sapatos nem ouvir falar em casar; e o Nassib, o "meu turquinho", apaixonado pela natureza bela, em estado puro, que vê na sua cozinheira, a mulher cravo e canela.

Sim, adoro Ilhéus, a sua política primitiva, a sua Igreja, os seus cafés, a sua cachaça que fala em vez de falarem as pessoas, os seus mexericos e intrigas, as manhas das mulheres e os truques dos homens; adoro as expressões, a reinvenção do português que nos ensinam, com os seus "chamegos", as suas "quengas", os seus "cabras". O livro que Jorge Amado escreveu já era uma obra de arte literária, mas a Globo conseguiu, pela segunda vez, transformá-la numa obra prima televisiva. No mundo das telenovelas, esta Gabriela reinará para sempre no Olimpo, onde só existia, até agora, Roque Santeiro. Mas Gabriela consegue ser ainda melhor!

Num país massacrado pelas más notícias, que bom é perdermo-nos todas as noites naquele universo fantástico do Nordeste brasileiro, que bom é emocionarmo-nos, que bom é rir, que bom é comovermo-nos, que bom é excitarmo-nos com aquela dança sexual permanente, que bom é voltar às origens básicas e primárias que existem dentro de cada homem e de cada mulher. Quem não ama a telenovela Gabriela é porque já morreu por dentro...  

publicado por Domingos Amaral às 11:00 | link do post | comentar | ver comentários (5)

Esta gente não aprende?

Soube-se hoje que o grupo parlamentar do PS gastou 210 mil euros em quatro novos carros topo de gama - 2 Audi e 2 BMW - para o serviço dos deputados, e com a verba que os partidos recebem da Assembleia da República. Quatro carros novos, senhoras e senhores!

E soube-se hoje também que foi exonerada das suas funções, por abuso de confiança, uma das 11 secretárias pessoais do primeiro-ministro, Passos Coelho. O primeiro-ministro tinha 11 secretárias pessoais, senhoras e senhores, 11! Será que não chegam, vamos lá ter alguma boa vontade, 5 secretárias pessoais? 

Meu Deus, será que esta gente não aprende mesmo?

publicado por Domingos Amaral às 10:53 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 10.10.12

Pequeno Dicionário do Governo

Como já devem ter reparado, este Governo é muito original na forma como comunica as suas medidas. Nas últimas semanas, ouvimos expressões como "mitigar", "modelar", "afinar", "rebalancear", "calibrar" ou "regressar aos mercados". É um léxico novo e rico, aquele que o Governo nos tem oferecido. No entanto, é preciso ter alguma atenção, pois a maior parte destas expressões não têm apenas um significado literal, mas também um significado escondido, e é preciso decifrá-lo. Aqui deixo pois um curto dicionário do Governo.

 

Afinar - usado na expressão "vamos afinar essa situação". Significa que é preciso aperfeiçoar uma medida para ela ser mais eficaz. Na prática, o que isto quer dizer é que o Governo vai tentar tramar-nos o mais possível da forma mais eficaz possível. Ex: "Ó Sr. Rudolfo, vou afinar a sua retenção na fonte, que ainda está abaixo do que deve ser".


Afinco - usado na expressão "vamos trabalhar com afinco". À primeira vista significa esforço, dedicação, e soa bem.  Contudo, o que o Governo quer mesmo dizer é que vai trabalhar entusiasticamente para encontrar mais formas de nos esmifrar. Ex: "Ó Zé, no próximo 5 de Outubro, vens para a oficina com afinco!"


Ajustamento - usado em "Portugal está a conseguir fazer o seu ajustamento". Significa que estamos a deixar de ter déficit externo, a consumir menos importações, e deveria significar que o Estado está a baixar o seu déficit. Contudo, o que verdadeiramente significa a palavra ajustamento é que estamos a viver cada vez pior, e são os portugueses que estão a fazer o esforço todo, enquanto o Estado continua na mesma cepa torta. Ex: "Ó menina Carla, com o ajustamento acaba-se o carro de empresa e passa a vir trabalhar de metro!".


Balancear - usado na expressão "vamos balancear essa medida". Significa que o Governo admite alterar uma determinada taxa, por exemplo a TSU, em relação ao que tinha inicialmente anunciado. Contudo, o verdadeiro significado da expressão é que o Governo começou finalmente a perceber que foi longe demais, mas é teimoso, e ainda só admite pequenas mudanças e não deixar cair a medida. (ver também Rebalancear). Ex: "Ó filho, parece-me que temos de balancear a tua marmita, é pequena para lá caber o almoço todo!"


Calibrar - É semelhante às expressões "afinar" ou "modelar", mas é menos grave do que "balancear" ou "rebalancear", pois aí já se percebeu que a medida vai mesmo cair. Ex: "Ó dona Adelaide, como seu patrão, já calibrei a sua TSU com a minha, e isto é um sarilho, não me parece boa ideia..."


Consolidar - usado na expressão "Portugal tem de consolidar as suas finanças públicas". Significa que temos de diminuir o déficit, mas na prática o que isto quer dizer é que vamos todos pagar mais impostos, e as despesas do Estado vão continuar sem serem cortadas. Ex: "Ó Chico, vou consolidar a tua sobretaxa extraordinária todos os meses, ok?"


Cortar - usado em "cortar na despesa". Significa que o Governo quer diminuir a despesa do Estado, mas como não tem coragem para cortar em muitas áreas, o verdadeiro significado da expressão é "cortar nos subsídios dos funcionários públicos e dos pensionistas". Ex: "Ó Cátia, preferes que eu te feche o instituto ou te corte o subsídio da Natal?"

 

Mitigar - usada em "vamos procurar mitigar o aumento de impostos". Significa que o Governo pretende encontrar soluções alternativas que permitam que os impostos não subam tanto. Na realidade, o que isto significa é que algum qualquer sector de actividade se vai tramar para que uma qualquer taxa do IRS não suba um qualquer meio ponto percentual. Ex: "Ó Vanessa, mitigas aí a falta de chouriço no caldo verde com mais couves?" 


Modelar - ninguém sabe o que significa, mas parece bem. Mexe-se numas taxas e já ninguém protestará tanto. Na verdade, quando se fala em modelar uma medida, ela já está com os pés para a cova e vai ser abandonada em breve, como se passou com a TSU. Ex: "Ó meu amor, vamos ter de modelar essa ida às Caraíbas, em vez de oito dias só vamos três ou quatro..."


Rebalancear - usado em "vamos rebalancear essa medida". Significa que o Governo já percebeu que tem mesmo de alterar uma medida, mas ainda não está preparado psicologicamente para o dizer. (ver Balancear). Ex: "Ó meu amor, vamos ter de rebalancear essa ida às Caraíbas, em vez de quatro dias só vamos dois..."


Remodelar - usado em "remodelar o Governo". Significa trocar de ministros, o que é algo que para este Governo está fora de questão, e portanto vamos ter de continuar a gramar com o Relvas e o seu sorrisinho. Ex: "Ó Sr. Padre, em bem queria, mas não posso remodelar o Manel, ele é meu marido, sabe todos os segredos da minha vida."


Recuar - expressão que o Governo desconhece. Mesmo quando recua, o Governo não recua, apenas avança noutra direção. Ex: "Ó Joana, se não levas por trás, levas pela frente..."

 

Regressar ao mercado - usado na expressão "Portugal conseguiu regressar aos mercados". Significa que Portugal já conseguiu convencer os credores a comprarem mais dívida pública. Na verdade o que isto quer dizer é que os políticos portugueses vão voltar a poder contrair mais dívida e com isso voltar a arruinar o país só para ter mais autoestradas e submarinos. Ex: "Ó Aninhas, estou farto de fazer dieta, temos de regressar ao mercado para que eu possa comer como mereço". 

publicado por Domingos Amaral às 11:29 | link do post | comentar
Terça-feira, 09.10.12

Passos e os treinadores de futebol

Ontem, Passos Coelho lembrou-me um treinador de futebol. À saída de uma reunião qualquer, com imensos microfones à frente, o primeiro-ministro declarou que "no dia em que sentir que não tem condições para governar", vai falar com o Presidente da República e anuncia ao país que se vai embora. Ao longo das últimas décadas, declarações deste tipo foram muito habituais em treinadores de futebol que não conseguiam que a sua equipa ganhasse. Pressionados pelas derrotas no relvado, pelos apupos dos sócios na bancada, pelos escritos na imprensa, havia treinadores que diziam, tal como Passos, que no dia em que "sentissem" que estavam a mais, se iriam "embora" depois de falar com o presidente do respectivo clube. Esperavam com isso talvez criar a famosa "vaga de fundo" de apoio, e ser salvos da desgraça pelas direcções dos clubes, que normalmente nestes momentos se tornavam um bocado cínicas, dizendo que tinham "toda a confiança" no treinador, e o demitiam nos dias seguintes, depois de nova derrota. Espero que Cavaco Silva não faça como José Eduardo Bettencourt, que declarou que Paulo Bento era "forever", e tempos depois o despediu. Nem Cavaco é tão inábil como Bettencourt, nem Passos é tão bom treinador como Paulo Bento. De qualquer forma, isto começa a cheirar ao princípio do fim...

publicado por Domingos Amaral às 11:57 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Teatro e crises económicas

As crises da dívida externa, ou "soberana", como agora se diz, têm uma estrutura em 3 actos, muito semelhante às peças de teatro, às óperas, aos filmes, ou mesmo aos livros. Há o 1º Acto, com os incidentes iniciais, que lançam a história, depois o 2º Acto, onde se desenvolve a intriga, e por fim tudo acaba num climax espantoso, positivo ou negativo, no final do 3º Acto. Em muitos países, as coisas quase sempre aconteceram assim:


1º Acto - "Descobre-se" uma grande dívida ("externa" ou "soberana"). Seguem-se as primeiras medidas de austeridade, aplicadas pelo governo local. Rebenta uma crise política nacional, ao mesmo tempo que, sem capacidades para pagar a dívida, o país pede ajuda internacional, e entra em cena o FMI, ou a "troika" dos europeus.

Na Argentina, foi isso que aconteceu em 1998. Na Grécia, em 2009, também: descobriu-se a "megadívida", começou a austeridade,  aterrou em Atenas a "troika", e deu-se uma crise política, com a eleição de Papandreou. Na Irlanda, o guião foi semelhante, com uma crise política local e o pedido de resgate à "troika". Em Portugal, o primeiro acto ainda tinha Sócrates no Governo, que foi obrigado a pedir a ajuda da "troika". Depois, explodiu uma crise política nacional, e o 1º Acto terminou com a vitória de Passos Coelho, a meio de 2011.

A Itália e a Espanha são ligeiramente diferentes. Em Itália, o 1º Acto terminou com a saída de Berlusconi e a ascensão de Mário Monti, mas não chegou a entrar a "troika", talvez porque o país é grande demais para um resgate. Já em Espanha, o 1º Acto findou com Rajoy a aterrar na Moncloa, e com um pedido de resgate parcial, apenas para a banca.

 

2º Acto - Tudo se complica. Os governos impõem mais austeridade, causam uma forte recessão económica, falham os objectivos, e portanto têm de aplicar ainda mais austeridade. Os credores aguentam com paciência, mas a população do país, fustigada pelo desemprego e pela descrença, começa a revoltar-se. Tudo termina com uma nova, e mais grave, crise política.

Na Argentina, entre 98 e 2001, as crises sucederam-se. E na Grécia, o segundo acto viveu-se com mais fúria popular e mais incapacidade política. O fim do 2º Acto grego foi o "referendo" de Papandreou, que provocou a sua queda prematura, e a derrota colossal do PASOK nas eleições. Quanto à Irlanda, o segundo acto tem sido mais calmo, e não há ainda sinais de uma crise política, embora o desemprego continue a crescer. A Espanha e a Itália estão mais ou menos a meio do 2º Acto, há perigos de desagregação do Estado espanhol e já se sabe que Monti não vai ficar para sempre. E em Portugal, há evidências de que o 2º Acto se acelerou, a caminho do fim. A enorme austeridade fiscal anunciada para 2013, as dificuldades na coligação PSD-CDS, a instabilidade social e a revolta popular crescente, são tudo prenúncios de que se aproxima uma forte crise política. O Governo anda com medo, protegido pela polícia, e Passos Coelho disse ontem, qual treinador de futebol, que no dia em que não tiver "condições para governar", sairá.  

 

3ª Acto - A bem ou a mal, é aqui que a crise se resolve. Normalmente a mal, pois sobe muito a tensão com os credores, a recessão atinge o limite do insuportável, provoca nova e gravíssima crise política e há um "bang" final, que pode ser a bancarrota, ou então alguma decisão drástica que termina com a crise. Por vezes, são raras as situações mas existem, as tensões diminuem e os países conseguem resolver a bem a crise. 

A Argentina, em 2001, foi o falhanço mais drástico. O país revoltou-se, elegeu o "peronista" Kirshner, cortou com o FMI e não pagou a dívida externa. Depois, melhorou um pouco, mas permanece numa situação complexa. É o "mau exemplo", que muitos gostam de citar. No pólo oposto, como "bom exemplo", temos a Islândia, que apesar de ter deixado de pagar as dívidas, conseguiu recuperar-se e está de regresso aos "mercados". 

E na Europa, o que se passa? A Irlanda parece estar a safar-se, mas infelizmente a Grécia está perto do final do 3º Acto. Há enorme tensão com a "troika", no Verão explodiu uma grave crise política, a esquerda radical do Syrisa ficou a 1 por cento de vencer as eleições, e não há forma de pagar as suas dívidas. À Grécia, já só restam duas hipóteses: falir dentro do euro (o que seria terrível mas suportável), ou falir fora do euro (o que seria uma catástrofe europeia).

Quanto a Portugal, Espanha ou Itália, é prematuro dar palpites, mas as coisas não vão no caminho certo. Tudo visto e ponderado, talvez fosse melhor a Europa reconhecer que o "guião da austeridade" criou problemas novos e gigantescos (económicos, sociais e políticos) e não resolveu o problema financeiro da dívida. Em vez de mudar de povos, talvez fosse melhor mudar o guião do combate à crise...  

 

publicado por Domingos Amaral às 10:58 | link do post | comentar
Segunda-feira, 08.10.12

Encontro no supermercado...

Foi no corredor dos leites. Ele procurava leite meio gordo, ela leite magro. Ele empurrava um carrinho já atulhado de paletes de cerveja, amendoins e cajus, batatas fritas, e até, pasme-se, douradinhos! Ela tinha começado agora, só colocara no carrinho dois iogurtes gregos e uns frutos secos, talvez pistachios, ele não sabia, pois nem teve tempo para verificar, uma vez que dera com ela de costas, esticada em cima do expositor, a tentar chegar com a mão a um pacote qualquer.

Ele reparara logo nos calções de jeans dela. Ou melhor, ele repara na bordinha das nádegas que apareciam junto às ripinhas descosidas dos calções. Eram lindas, bem desenhadas, graciosas, capazes de causar apoplexias gerais por esse mundo fora. E estavam ali, em promoção, à frente dele. Lentamente, passou com o carrinho por ela, admirando também as suas belas pernas, as botinhas curtas que lhe envolviam os pés, a camisa laranja que usava, o rabo de cavalo com que apanhava o cabelo castanho escuro.

Foi nesse momento que ela bufou, enervada, incapaz de chegar à embalagem de leite magro. Recolheu o braço e olhou para ele, sorrindo. Ele sorriu-lhe também, e vendo-a embaraçada, perguntou:

- Precisa de ajuda? 

Apesar de envergonhada, ela não desfez o sorriso, e confirmou com um aceno de cabeça. Era gira, embora talvez o queixo fosse um pouco longo demais. Ele avançou sobre o expositor, esticou o braço direito, apanhou a embalagem de leite magro, puxou-a pela alça, e depois apoiou-a no braço esquerdo, dividindo o peso. Em poucos segundos, os seis pacotes de leite magro repousavam no carrinho dela, ao lado dos frutos secos e do iogurte grego.

Ele achou estranho ela querer tanto leite, mas obviamente era demasiado cedo para uma pergunta tão privada, por isso limitou-se a comentar:

- Se calhar, eu também devia levar leite magro, pelos vistos dá um óptimo resultado!

Ela riu-se, e olhou para o carrinho dele. 

- Melhor do que batatas fritas e cerveja.

Ele acenou com a cabeça, dando-lhe razão, e justificou-se:

- Vou ver o futebol com uns amigos, lá em casa.

Ela riu-se outra vez, radiosa e amável.

- Estou a ver que somos ambos previdentes.

Ele estranhou, franziu a testa, sem perceber. Ela manteve o sorriso e apontou para os carrinhos:

- Eu compro leite para duas semanas, você faz compras à segunda para o próximo sábado.

Ele ficou fascinado. Numa única frase, ela dera-lhe a entender que não só vivia sozinha, como também que gostava de futebol, pois sabia perfeitamente que só haveria jogos no fim de semana.

Confiante, ele sorriu-lhe:

- Se for do Sporting, convido-a já para irmos esquecer tristezas juntos...

Ela riu-se, lisonjeada, mas abanou a cabeça.

- O meu pai é catalão, sou do Barça.

Ele fingiu-se desapontado, encolheu os ombros.

- Então não tenho qualquer hipótese.

Foi a vez dela franzir a testa:

- Não me diga que é como as equipas que jogam contra o Barça?

Suspirou, agora era ela que fingia estar desapontada:

- Quase todos desistem cedo demais...

Ele sentiu-se ferido no seu orgulho, e olhou-a nos olhos. Ela aguentou a força do olhar dele, com um sorriso matreiro nos lábios. Ele perguntou:

- A melhor defesa é o ataque?

Ela riu-se e murmurou:

- Já vi que é de transições rápidas.

Ele semicerrou os olhos, estava lançado:

- Olhe que eu faço um passe em profundidade.

Avançou na direção dela, e ela recuou, piscando os olhos. Ele tocou no carrinho dele, afastando-o para a direita, e depois tocou no carrinho dela, afastando-o para a esquerda. O dela guinchou um pouco, estava com uma roda empenada.

Já em frente dela, ele afirmou:

- Com duas tabelas, ultrapassei a sua defesa...

Ela quase se encostou ao expositor, e ele imaginou as bordinhas das nádegas dela, a espreitar pelas ripinhas dos jeans. Investiu na direção da baliza, mas de repente ela gritou, apontando com o dedo para a sua esquerda:

- Fora de jogo, fora de jogo! 

Surpreendido, ele olhou para a sua direita, para ver se o árbitro auxiliar tinha levantado a bandeirinha. O estádio inteiro revoltava-se a assobiar, foi isso que ele pensou quando viu um homem alto, com um ar sério, a vir na direção deles. Por um segundo, admitiu que fosse o pai dela, o catalão. 

O homem sério perguntou:

- Que se passa, meu amor? O que é que este tipo quer?

Ela sorriu, divertida, e esquivou-se dali à pressa, empurrando o carrinho. Olhou para o marido, (ou seria namorado?), abraçou-o e acalmou-o: 

- Nada, meu amor. Acho que quer leite meio gordo, só isso...

Afastaram-se para longe dele, o carrinho a chiar da roda, a embalagem de leite magro lá dentro, as nádegas dela ainda a mostrarem o rebordo. Nunca mais se viram. Na caixa, enquanto pagava, ele não levantou a cabeça dos sacos, e nem reparou que na fila, atrás dele, estava outra rapariga bonita. Também de calções...   

publicado por Domingos Amaral às 12:13 | link do post | comentar

Percentagem de vitórias

Desde há uns anos para cá, os ingleses inventaram uma nova forma de medir o sucesso de um treinador, a que chamaram "win percent", ou percentagem de vitórias. Para obter esse número, devemos somar dois pontos por cada vitória e um por cada empate, e depois dividir o total pelo número máximo de pontos que se poderia obter. Por exemplo, se um treinador já conduziu uma equipa em 30 jogos, dos quais venceu 20, empatou 5 e perdeu outros 5, ele obteve 40 pontos em vitórias (20x2), mais 5 pontos em empates, ou seja 45 pontos, num total de 60 pontos possíveis (30x2). Assim, a sua percentagem de vitórias será de 45/60, ou seja 75 por cento. 

Apliquemos este conceito a FC Porto e Benfica este ano. O FC Porto já fez seis jogos para o campeonato, tendo obtido 4 vitórias e 2 empates. Venceu também a Supertaça, e os seus dois jogos na Champions. Tem pois 7 vitórias e 2 empates, o que dá 16 pontos em 18 possíveis, ou seja uma percentagem de vitórias de 88,8%, da qual se pode orgulhar Vitor Pereira, pois é bem alta. 

Já Jorge Jesus está um pouco abaixo disso. Tem 4 vitórias e 2 empates no campeonato, mais um empate e uma derrota na Champions. Ou seja, conseguiu 11 pontos em 16 possíveis, o que dá um "win percent" de 68,75%, consideravelmente abaixo do de Vítor Pereira.  

Além disso, o FC Porto marcou 19 golos em nove jogos (média de 2,1 por jogo) e sofreu 4 golos nos mesmos 9 jogos (média de 0,44 por jogo). Já o Benfica, marcou 16 golos em 8 jogos (média de 2 por jogo) e sofreu 8 golos em oito jogos (média de 1 golo por jogo).

Portanto, embora ainda só tenham existido poucos jogos, as estatísticas levam-me a pensar que o FC Porto continua mais forte que o Benfica, pois vence mais jogos, marca mais golos e, sobretudo, sofre menos golos.

O que me vale é que, nesta altura da época, a estatística ainda não significa muito.


 

publicado por Domingos Amaral às 11:49 | link do post | comentar | ver comentários (1)

É Politicamente Correcto dizer que...

Ao ler os jornais de fim de semana, fico sempre com uma impressão de que há coisas que toda a gente quer que nós pensemos. São ideias feitas, frases que nos são oferecidas depois de muita reflexão, e que se destinam a tranquilizar-nos, como uma seta tranquiliza um animal feroz. São aquilo a que eu chamo ideias "politicamente correctas", uma espécie de lugares comuns do pensamento nacional. É naturalmente essencial nós também partilharmos essas ideias e, se possível, devemos repeti-las toda a semana que agora começa, em todos os locais do mundo onde estivermos.

Assim, esta segunda-feira, dia 8 de Outubro de 2012 é politicamente correcto dizer que:

- Ainda não há alternativa credível às políticas de austeridade.

- A saída de Sá Pinto era inevitável.

- Portugal parece virado de pernas para o ar.

- Existir moderação nas pessoas é essencial para o país atravessar esta época difícil.

 

PS: Por favor, repita estas ideias 100 vezes em voz alta, para as absorver totalmente.

publicado por Domingos Amaral às 11:28 | link do post | comentar
 

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