Encontro no supermercado...
Foi no corredor dos leites. Ele procurava leite meio gordo, ela leite magro. Ele empurrava um carrinho já atulhado de paletes de cerveja, amendoins e cajus, batatas fritas, e até, pasme-se, douradinhos! Ela tinha começado agora, só colocara no carrinho dois iogurtes gregos e uns frutos secos, talvez pistachios, ele não sabia, pois nem teve tempo para verificar, uma vez que dera com ela de costas, esticada em cima do expositor, a tentar chegar com a mão a um pacote qualquer.
Ele reparara logo nos calções de jeans dela. Ou melhor, ele repara na bordinha das nádegas que apareciam junto às ripinhas descosidas dos calções. Eram lindas, bem desenhadas, graciosas, capazes de causar apoplexias gerais por esse mundo fora. E estavam ali, em promoção, à frente dele. Lentamente, passou com o carrinho por ela, admirando também as suas belas pernas, as botinhas curtas que lhe envolviam os pés, a camisa laranja que usava, o rabo de cavalo com que apanhava o cabelo castanho escuro.
Foi nesse momento que ela bufou, enervada, incapaz de chegar à embalagem de leite magro. Recolheu o braço e olhou para ele, sorrindo. Ele sorriu-lhe também, e vendo-a embaraçada, perguntou:
- Precisa de ajuda?
Apesar de envergonhada, ela não desfez o sorriso, e confirmou com um aceno de cabeça. Era gira, embora talvez o queixo fosse um pouco longo demais. Ele avançou sobre o expositor, esticou o braço direito, apanhou a embalagem de leite magro, puxou-a pela alça, e depois apoiou-a no braço esquerdo, dividindo o peso. Em poucos segundos, os seis pacotes de leite magro repousavam no carrinho dela, ao lado dos frutos secos e do iogurte grego.
Ele achou estranho ela querer tanto leite, mas obviamente era demasiado cedo para uma pergunta tão privada, por isso limitou-se a comentar:
- Se calhar, eu também devia levar leite magro, pelos vistos dá um óptimo resultado!
Ela riu-se, e olhou para o carrinho dele.
- Melhor do que batatas fritas e cerveja.
Ele acenou com a cabeça, dando-lhe razão, e justificou-se:
- Vou ver o futebol com uns amigos, lá em casa.
Ela riu-se outra vez, radiosa e amável.
- Estou a ver que somos ambos previdentes.
Ele estranhou, franziu a testa, sem perceber. Ela manteve o sorriso e apontou para os carrinhos:
- Eu compro leite para duas semanas, você faz compras à segunda para o próximo sábado.
Ele ficou fascinado. Numa única frase, ela dera-lhe a entender que não só vivia sozinha, como também que gostava de futebol, pois sabia perfeitamente que só haveria jogos no fim de semana.
Confiante, ele sorriu-lhe:
- Se for do Sporting, convido-a já para irmos esquecer tristezas juntos...
Ela riu-se, lisonjeada, mas abanou a cabeça.
- O meu pai é catalão, sou do Barça.
Ele fingiu-se desapontado, encolheu os ombros.
- Então não tenho qualquer hipótese.
Foi a vez dela franzir a testa:
- Não me diga que é como as equipas que jogam contra o Barça?
Suspirou, agora era ela que fingia estar desapontada:
- Quase todos desistem cedo demais...
Ele sentiu-se ferido no seu orgulho, e olhou-a nos olhos. Ela aguentou a força do olhar dele, com um sorriso matreiro nos lábios. Ele perguntou:
- A melhor defesa é o ataque?
Ela riu-se e murmurou:
- Já vi que é de transições rápidas.
Ele semicerrou os olhos, estava lançado:
- Olhe que eu faço um passe em profundidade.
Avançou na direção dela, e ela recuou, piscando os olhos. Ele tocou no carrinho dele, afastando-o para a direita, e depois tocou no carrinho dela, afastando-o para a esquerda. O dela guinchou um pouco, estava com uma roda empenada.
Já em frente dela, ele afirmou:
- Com duas tabelas, ultrapassei a sua defesa...
Ela quase se encostou ao expositor, e ele imaginou as bordinhas das nádegas dela, a espreitar pelas ripinhas dos jeans. Investiu na direção da baliza, mas de repente ela gritou, apontando com o dedo para a sua esquerda:
- Fora de jogo, fora de jogo!
Surpreendido, ele olhou para a sua direita, para ver se o árbitro auxiliar tinha levantado a bandeirinha. O estádio inteiro revoltava-se a assobiar, foi isso que ele pensou quando viu um homem alto, com um ar sério, a vir na direção deles. Por um segundo, admitiu que fosse o pai dela, o catalão.
O homem sério perguntou:
- Que se passa, meu amor? O que é que este tipo quer?
Ela sorriu, divertida, e esquivou-se dali à pressa, empurrando o carrinho. Olhou para o marido, (ou seria namorado?), abraçou-o e acalmou-o:
- Nada, meu amor. Acho que quer leite meio gordo, só isso...
Afastaram-se para longe dele, o carrinho a chiar da roda, a embalagem de leite magro lá dentro, as nádegas dela ainda a mostrarem o rebordo. Nunca mais se viram. Na caixa, enquanto pagava, ele não levantou a cabeça dos sacos, e nem reparou que na fila, atrás dele, estava outra rapariga bonita. Também de calções...