45 anos
Hoje, faço 45 anos e tenho muitas razões para estar feliz. Tenho quatro filhos, um rapaz e três raparigas, que amo incondicionalmente e por quem dava a vida num segundo. Estou apaixonado pela minha mulher, e todas as noites me deito ao seu lado de mão dada. Adoro a minha mãe e o meu pai, admiro-os e sobretudo preciso deles, como se ainda fosse uma criança. Tenho três irmãos que todos os dias tenho de saber se estão bem, uma enorme família de tios, tias, primos e primas, sobrinhos e sobrinhas, que faz de cada reunião uma festa divertida e barulhenta, onde as alegrias se multiplicam e as tristezas se dividem. E tenho muitos e bons amigos e amigas, com quem se pudesse ficaria noites inteiras a conversar ou a dançar, até o sol nascer.
Sim, tenho 45 anos e muitas razões para ser feliz. Já escrevi sete livros, plantei muitas árvores no Alentejo, e conduzi um Ferrari F 40. Faço o que gosto, escrever, e dedico-me à escrita com o entusiasmo com que uma criança se dedica a saltar ao eixo no recreio.
No entanto, hoje não me sinto muito feliz. Nestes tempos, nós somos mais do que o nosso mundo privado, por mais bonito e harmonioso que ele seja. Hoje, sinto à minha volta um país em sofrimento, um país aterrado com o futuro, um país zangado e desesperado. Sinto Portugal à beira de um abismo, e isso estraga-me o meu desejo privado de felicidade. Não é possível sermos completamente felizes quando à nossa volta o nosso país se desmorona, às vezes depressa, outras em câmara lenta, como se a demora da queda a tornasse mais suportável.
Hoje, faço 45 anos mas gostava de fazer 2, para não me dar conta do que se passa, ou 95, para já me ser indiferente o destino do meu país. No entanto, faço 45, o que é idade mais do que suficiente para não esconder a cabeça debaixo da areia e enfrentar com serenidade e lucidez qualquer desafio que a vida me apresente. E é por isso que escrevo isto, os meus pensamentos de hoje, e os quero de partilhar com os meus leitores. Porque há momentos para ficar calado e momentos para falar, há momentos em que devemos deixar o rio correr e outros em que devemos navegá-lo, por mais difícil que isso seja.
Hoje, aos 45 anos, gostava de vos poder deixar uma mensagem de esperança, dizer-vos que acredito que o calvário que atravessamos vai terminar, que já não falta muito. Gostava de vos poder dizer "aguentem", "é só mais um bocadinho", "isto vai melhorar". Gostava mas não consigo, seria uma monumental mentira. Na verdade, e provavelmente como muitos de vós, eu não acredito que por este caminho as coisas vão melhorar. Não acredito que o futuro vá ser melhor, porque não acredito em quem nos conduz.
Nunca fui de esquerda, nem nunca vou ser, nunca votei à esquerda do PSD, nem me parece que algum dia vá votar, mas isso não significa nada. Neste momento, já interessa muito pouco se somos de esquerda ou de direita, se somos conservadores, democratas-cristãos, sociais-democratas, socialistas, liberais ou comunistas. Neste momento, a única coisa que interessa é que somos todos portugueses, e estamos todos com os bolsos cada vez mais vazios e a alma cada vez mais carregada de aflições.
Neste momento, a única coisa que interessa é mostrarmos ao mundo que não queremos mais este caminho tortuoso e inútil que não nos leva a lado nenhum. O que vou escrever, não o escrevo de ânimo leve, escrevo-o com tristeza. Este governo que temos é o mais incompetente dos últimos trinta e tal anos. Erra, e em vez de corrigir os erros, insiste neles e até os amplifica, com uma cegueira aterradora. Está a conduzir Portugal para um desastre colossal, para um poço sem fundo, está a empurrar-nos para um abismo de onde não há regresso.
Não consigo assistir calado a este espectáculo de estupidez lamentável que estamos a presenciar. Se é este o caminho que estes senhores nos têm para oferecer, então que se vão embora e que venha alguém que saiba o que tem de ser feito e o faça. Não acredito que não existam em Portugal portugueses mais competentes do que estes, para nos ajudarem a sair deste buraco. É isto que eu penso, neste dia em que faço 45 anos, dia em que gostava de me sentir mais optimista, porque gosto muito do meu país e é nele que quero continuar a tentar, todos os dias, ser feliz.