Segunda-feira, 08.04.13

As crises da dívida são como o teatro: aí está o 3º acto!

Aqui há uns meses, escrevi neste blog um post em que comparava as crises da dívida ao teatro ou à ópera, pois têm sempre uma estrutura em 3 actos, como esses espectáculos culturais. 

O primeiro acto é o "incidente inicial", que em Portugal foi o pedido de resgate, feito precisamente há dois anos. É o pico inicial da crise, com os seus culpados e os seus defensores, com muita trapalhada e eleições, normalmente com um novo governo que diz muito mal do anterior, e promete fazer tudo bem para o futuro.

Em 2011, Passos Coelho não só derrubou Sócrates prometendo acabar com a austeridade, como prometeu ir muito para além do memorando da troika, inventando um novo país, bem gerido e cumpridor!

O segundo acto, tal como no teatro, é passado em enormes dificuldades, de mini-crise em mini-crise, mas com a situação económica sempre a piorar.

O Governo vai aplicando mais e mais austeridade, a economia vai definhando, a dívida e o desemprego crescem, e o país vai-se cansando cada vez mais desta crise e deste governo.

Por cá, foram óbvias as mini-crises. Primeiro, foi o primeiro veto do Tribunal Constitucional, em 2012, seguiu-se a crise da TSU, e agora viveu-se mais uma mini-crise, com o segundo chumbo do Tribunal Constitucional.

O ambiente está de cortar à faca, e a situação piora a olhos vistos, tanto cá dentro como lá fora. Como era esperado, o "mau da fita", o sr. Schauble, já veio dizer que Portugal tem é de cortar mais e que não espere simpatia dos credores!

Estamos pois a entrar em pleno 3º acto da crise. Tal como no teatro é aqui que se vai viver o climax desta história. Com a situação económica sempre a piorar, o Governo vai implementar mais austeridade, vai cortar mais na despesa, os credores vão endurecer a posição, e Portugal vai passar de "bom aluno" a "mau aluno".

A situação de crise económica e social ameaça tornar-se insustentável, e a crise política vai ser permanente, com um Governo cada vez mais incapaz de resolver o que quer que seja, e com a população enfurecida com ele.

E, um dia destes, a coisa estoira. E estoira à séria. É evidente que ainda ninguém sabe qual será o final, mas prevejo que vai dar-se uma mega-crise política, e também uma mega-crise económica, que pode passar ou por um segundo resgate, ou mesmo por uma saída do euro no espaço de um ou dois anos.

Infelizmente para todos nós, o guião desta peça de teatro já estava escrito há muito tempo e nós não nos afastámos muito do que tem acontecido por esse mundo fora nos países a quem é imposto um ajustamento deste tipo. É sempre o mesmo filme: a violência da austeridade violenta as sociedades e eles revoltam-se!

Em 120 ajustamentos feitos pelo FMI nos últimos 50 anos, apenas 19 tiveram resultados mais ou menos safisfatórios, e sempre em casos que era possível desvalorizar a moeda do país, como se passou em Portugal em 1983. 

Ao contrário do que dizem os "falcões da austeridade", como a Sra Merkel e o sr. Schauble, o sr. Rehn ou o sr. Barroso, os senhores Passos e Gaspar, bastava olhar para a história económica do último século para saber que esta "onda austeritária" que varre a Europa ia acabar mal, muito mal.

Um a um, a austeridade está a empurrar os países para uma catástrofe, e se não parar depressa vai levar com ela a Europa e o euro.

Nós portugueses, somos apenas mais uma vítima desta decisão europeia de castigar os devedores com austeridade e proteger os ricos credores de qualquer perda. O que se está hoje a passar em Portugal, é mais um episódio da saga "Como Destruir o Euro com a Austeridade", que pode ver num teatro grátis perto de si, ou seja, todas as noites ao vivo na televisão.  

Como somos um país inculto em economia, passamos o tempo a discutir os draminhas da paróquia, quem tem culpa do quê e outras coisas do género. A culpa é do Sócrates, do Cavaco, do Gaspar e dos Passos, do Estado que é grande demais, dos portugueses que viveram acima das suas possibilidades, dos bancos que emprestaram demais, etc, etc, etc. E todos têm razão, e têm as suas razões e as suas culpas.

Porém, há uma coisa que os portugueses deviam perceber. Portugal, e muitos outros países da Europa, têm dois problemas pela frente. O primeiro chama-se Alemanha, pelas condições que impôs desde o início ao funcionamento do euro. E o segundo chama-se Alemanha, pelas regras draconianas que impôs aos "programas de resgate", obrigando a que o ajustamento fosse feito só pelos devedores e não também pelos credores. 

Portanto, podemos ir zangando-nos todos uns com os outros cá na paróquia que não mudamos o essencial. Enquanto a Alemanha impuser aos outros país as suas regras de austeridade, não há saída para o problema.

Esta peça de teatro só tem dois fins: ou a Alemanha muda a sua orientação e aceita um perdão geral e substancial das dívidas dos países pequenos, ou vários países terão de sair do euro. O resto é conversa para entreter...

 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:39 | link do post | comentar | ver comentários (3)
Terça-feira, 26.03.13

Chipre: como rebentar com um pequeno país

Se, há coisa de cinco anos, algum europeu tivesse dito que um dia se iriam lançar confiscos sobre os depósitos bancários de outros europeus, todos lhe teríamos chamado maluco! Mas, a verdade é que o impensável acontece todos os meses nesta Europa.

A forma como a Europa está a dar cabo de um pequeno país como Chipre é um manual cínico da brutalidade. Depois de ter deixado o país nove meses na expectativa (sim, o pedido de resgate de Chipre foi feito há nove meses!), eis que a Europa inteira se lança numa fúria castigadora contra uma pequena ilhota do Mediterrânio.

Ora tomem lá com confisco de depósitos e os accionistas e depositantes que salvem os bancos, que a Europa não vos vai salvar porque vocês são um paraíso fiscal cheio de russos mafiosos! Sim senhor, e viva a solidariedade europeia. Com amigos destes, quem é que precisa de inimigos?

Havia várias maneiras diferentes de salvar os bancos cipriotas, basta ler qualquer Financial Times ou The Economist para saber que há muitas maneiras de esfolar um coelho, mas a Europa, sempre liderada pela Alemanha, quer dar um "castigo exemplar" ao Chipre.

É este o grave problema europeu. Em vez de admitirem que estamos todos no mesmo barco (o euro), e que foi esse barco que estava mal construído e a meter água desde o primeiro dia, e que por isso era necessário remodelar o barco todo, de cima a baixo; em vez disso, certos europeus preferem o castigo para aqueles que eles elegem como prevaricadores!

A mensagem da Alemanha é sempre a mesma: vocês portaram-se mal e agora têm de pagar por isso! Foi assim com a Grécia, com a Irlanda, com Portugal, com a Espanha, com a Itália e agora também com Chipre.

Para os alemães, todos estes países e povos viveram "acima das suas possibilidades", atolaram-se em "dívidas" e agora têm de fazer "sacrifícios" para se reabilitarem! Há que penar, sofrer o castigo, para depois ressuscitar, já puro e bom!

Esta mensagem moral é de um cinismo atroz. É como se fosse o traficante de droga a dizer ao consumidor que ele agora tem de se sacrificar e muito para ficar saudável. Quem é que nos emprestou o dinheiro para nos endividarmos? Foi a Alemanha! Mas, quem oiça os alemães falar decerto pensará que eles não tiveram nada a ver com isso! 

Veja-se o caso de Chipre. A Alemanha, há um ano, decidiu que os credores privados da Grécia deviam perder dinheiro. Com isso, afundou os bancos cipriotas, que tinham imensa dívida grega. Mas, agora que é preciso ajudar os bancos de Chipre, a Alemanha faz de conta que não teve nada a ver com o assunto, e que nem foi ela que causou a falência dos bancos cipriotas. É tudo culpa do off-shore e dos russos! 

Assim se destrói a Europa, passo a passo. Aquilo que irá acontecer em Chipre nos próximos meses não vai ser bonito de se ver, mas os ricos alemães não querem saber do sofrimento dos outros povos. Desde que eles continuem ricos...

Os pequenos países da Europa que se preparem, pois o futuro vai ser muito difícil. O egoísmo alemão, a fúria moralista cega da senhora Merkel e dos seus ajudantes locais, vai destruir um a um os pequenos países.

Um dia, daqui a uns anos, a Alemanha vai olhar à sua volta e descobrir um círculo de países na miséria, carregados de ódios e ressentimentos contra os alemães. Depois queixem-se...

publicado por Domingos Amaral às 11:43 | link do post | comentar | ver comentários (8)
Quarta-feira, 20.03.13

Os seis graves erros deste Governo

Quase dois anos depois de ter tomado posse, é já possível listar quais foram os seis erros mais graves deste Governo, que o fizeram perder muita credibilidade e legitimidade aos olhos dos portugueses. Aqui vai a lista:

 

1 - Desvio estratégico em relação ao memorando original assinado com a "troika".

Como ontem aqui escrevi, as principais medidas emblemáticas deste Governo (sobretaxa de IRS, corte nos subsídios dos funcionários públicos e pensionista, tentativa de mudar a TSU, e aumento enorme de IRS) não estavam escritas no memorando original assinado entre Portugal e a "troika" em Maio de 2011. Na ânsia de despachar o ajustamento, o Governo decidiu medidas de austeridade muito mais graves e profundas do que aquelas que estavam acordadas. Com isso, agravou brutalmente a recessão e o desemprego subiu para valores altíssimos. A estratégia da austeridade "dura e rápida", cuja responsabilidade é de Vítor Gaspar, falhou rotundamente. 

 

2 - Falta de equidade nos sacrifícios. 

Ao decidir cortar os subsídios de férias e Natal para funcionários públicos e pensionistas, deixando os trabalhadores do sector privado de fora, o Governo dividiu os portugueses, passando a existir portugueses de primeira, que não se sacrificavam tanto, e portugueses de segunda, que suportavam mais sacrifícios. Isso foi um erro grave, de equidade e de moral, além de ter sido uma ilegalidade jurídica, como muito bem o Tribunal Constitucional veio dizer, proibindo a solução para 2013. Mas, o mal estava feito. 

 

3 - Incapacidade para cortar na despesa permanente do Estado

Desde o Verão de 2011 que o Governo decidiu que, em vez de cortar na despesa estrutural do Estado, como estava previsto no memorando original, era mais fácil sobrecarregar o país com impostos, ou então retirar subsídios a certos grupos de pessoas (funcionários públicos e pensionistas). Com isso, demonstrou a sua incapacidade total para perceber a raiz do problema, e preferiu as soluções mais fáceis e rápidas. Como se viu, gerou um problema ainda maior e não conseguiu resolver o problema original. 

 

4 - Desprezo pelo consenso político e social

Em Maio de 2011, quando o memorando original foi assinado, existia um amplo consenso político e social em Portugal, que permitia ao Governo contar com o apoio do PS e dos parceiros sociais. No entanto, durante quase um ano e meio, Passos Coelho desprezou o PS e os parceiros sociais, nunca os tratando com o respeito que eles mereciam. Evidentemente, com o tempo a passar, e sentindo a hostilidade permanente do Governo, tanto o PS como os parceiros sociais se foram afastando, e o consenso nacional necessário rompeu-se. Foi a arrogância do Governo que criou esta situação, o que foi um erro grave. 

 

5 - Colagem patética às posições da Alemanha na Europa.

Desde que iniciaram a sua governação, Passos Coelho e Vítor Gaspar alinharam, de forma acéfala e seguidista, com as ideias da Alemanha sobre como resolver a crise europeia e as crises nacionais dos países com elevadas dívidas. Em momento algum o Governo percebeu que essa colagem era prejudicial aos interesses de Portugal, e que por mais que fosse necessário ganhar credibilidade nos mercados financeiros, era igualmente necessário ter uma posição mais crítica contra a linha dura da Sra Merkel e do Sr. Schauble. Como se viu na questão da renegociação dos prazos da dívida, o Governo da Alemanha está-se nas tintas para os nossos problemas, e só pensa em ser reeleito, e não mostrará qualquer boa vontade para com Portugal antes de isso acontecer. Qual foi então o benefício de estarmos colados à Alemanha?

 

6 - Relvas e companhia

É evidente que manter Relvas no Governo foi um erro, bem como alguns outros personagens menores. No entanto, comparado com os outros erros e o que eles custaram ao país, este foi o menos grave. Mas, o seu simbolismo é ainda assim bastante degradante da credibilidade de Passos Coelho.  

 

 

 

 

 

publicado por Domingos Amaral às 14:47 | link do post | comentar | ver comentários (14)
Segunda-feira, 18.03.13

Portugal e a Europa estão na Boca do Inferno

Qualquer dia, arriscamo-nos que o que aconteceu ontem no Chipre aconteça na Grécia, na Irlanda, em Portugal ou mesmo em Espanha ou Itália.

Qualquer dia, numa segunda-feira acordamos e a Europa e os Governos foram-nos ao bolso e tiraram-nos uma parte dos nossos depósitos, do que é nosso.

Este fim de semana, na Europa, foi atrevessada uma linha vermelha, uma linha muito perigosa, que estabele a separação entre o que é aceitável e o que é inaceitável. Este fim de semana, a Europa deu mais um passo na direção do abismo, do qual se tem aproximado todos os meses um pouco mais.

Depois de mais de uma década ter tolerado e até promovido alegremente perigosas irresponsabilides aos seus bancos, aos seus mercados financeiros e aos seus governos, a Europa, desde 2009, decidiu um caminho absurdo de austeridade e dureza, que não tem resolvido nenhuma coisa e só tem agravado a crise por todo o lado.

Na Grécia, a situação é cada vez mais dramática e assustadora. Na Irlanda, não há meios de se ver o fim do filme de terror que o colapso da banca irlandesa gerou. Em Espanha, não há sinais de melhoria. Em Itália, o sistema político está um caos. E em Portugal, vemos todos os dias à nossa frente desenrolar-se um desastre em câmara lenta. 

É isto que a Europa tem para oferecer aos seus povos? Austeridade brutal que nada resolve e, se for caso disso, confisco dos depósitos bancários das pessoas? Será que ninguém percebe que estão a ser torpedeadas as fundações das nossas sociedades modernas, que está a ser demolida todos os dias a nossa confiança nas instituições?

O que se passou no Chipre, com o confisco dos depósitos das pessoas, é um acto de "terrorismo económico" gravíssimo, praticado pelas instituições europeias! Pela primeira vez, na Europa unida que temos há muitos anos, passou-se uma linha vermelha essencial, e ninguém sabe o que pode acontecer a partir daqui. Quando é que os líderes europeus vão acordar deste sono trágico que os vitima?

Nos anos 30, há cerca de 80 anos, a Europa estava assim. Os governantes também acreditavam na "austeridade" e faziam enormes cortes na despesa, e os países afundaram numa recessão brutal que atirou para o desemprego milhões e gerou fome e perdição. O resultado, é bom que as pessoas se recordem, foi Hitler, o mais célebre e mais terrível filho da austeridade.

É isso que os políticos europeus querem? Levar os povos ao desespero, fustigando-os com austeridade, até ao ponto em que eles se revoltam e nasça uma ira incontrolável e imprevisível? Se não é parece..

Portugal e a Europa estão na Boca do Inferno. Sim, estamos à porta do Inferno, embora muitos ainda não saibam e muitos mais não o queiram admitir. Mas estamos. Daqui até ao fogo e ao ranger de dentes é só um passo... 

publicado por Domingos Amaral às 11:31 | link do post | comentar
Segunda-feira, 04.03.13

A manif´s não mudam nada, porque os feitores da quinta não mandam nada.

Em primeiro lugar, e a propósito da manifestação de sábado, deixem-me dizer que para mim foi ligeiramente decepcionante. Havendo tanta gente contra a política do Governo, e tendo esta manifestação o apoio de alguns partidos de esquerda e da CGTP, eu esperava muito mais gente nas ruas.

A olho, pelo que vi na televisão, não acredito muito nas estimativas que apontam para mais de um milhão de pessoas, o número deve ter sido metade desse valor, e já contando com todas as cidades portugueses onde existiram manifestações.

Do ponto de vista político, esta manifestação de 2 de Março não aqueceu nem arrefeceu. Provavelmente, quem já era contra o Governo e a troika assim continua, e quem é a favor também. A multidão, a cantar, a empunhar cartazes e entoar frases, não foi suficientemente grande para ser uma força política capaz de alterar o rumo e a permanência do Governo.

No entanto, é importante relembrar que as manifestações, normalmente, não produzem efeitos imediatos. A manifestação de 15 de Setembro do ano passado foi uma excepção. Nesse caso, havia uma decisão específica que os portugueses rejeitaram (as alterações na TSU) e a manifestação teve resultados, pois o Governo recuou. 

No sábado, não havia nenhum tema específico que unisse as pessoas, e por isso foi apenas mais uma manifestação. O seu valor é somente simbólico, mostra que existe muita insatisfação no país, há muito cansaço e desespero, embora ainda não o suficiente para mobilizar mais pessoas do que as que foram.

É claro que, manifestações destas, se forem permanentes, provocam muito desgaste ao Governo, e portanto há um efeito de vaga que pode começar a criar-se cada vez mais. No entanto, não me parece que a vaga seja ainda um tsunami que atire abaixo Passos Coelho e Gaspar.  

De certa forma, podemos dizer que Portugal está numa paralisia perigosa. A grande maioria dos portugueses não aprova as políticas do Governo, mas ainda não há suficientes portugueses que desejam uma mudança política imediata.

As pessoas não vêem alternativas políticas e sobretudo não vêem como é possível um Governo português, qualquer que ele seja e qualquer que seja a sua cor, alterar a política europeia que a troika implementa.

Um dos mais graves sinais desta crise que Portugal e a Europa atravessam é precisamente esse: os políticos nacionais são odiados porque são obrigados a implementar ordens europeias, e portanto perdem eleições, mas a política geral não muda, pois essa é decidida em Bruxelas ou Berlim. 

Na verdade, Passos, Rajoy, Samaras, Bersani e muitos outros, não passam de meros feitores das quintas. Os patrões estão em Bruxelas e em Berlim, e mandam os feitores das quintas cumprir ordens e eles cumprem. São odiados por isso, mas a verdade é que não passam de feitores ou caseiros, e não mandam nada.

É claro que podemos mudar os feitores e os caseiros, quando estivermos fartos deles, mas é um alívio momentâneo. O que é verdadeiramente importante, continuará infelizmente igual. A Europa é que manda, o resto é conversa da treta. 

 

publicado por Domingos Amaral às 11:43 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Sexta-feira, 01.03.13

A culpa é da crise na Europa: o novo lema do Governo

Nos últimos dias, o Governo encontrou uma nova explicação para os nossos azares e más fortunas económicas. A culpa é da Europa, da crise europeia e da recessão europeia. Se não fosse isso, Portugal estava safo, é essa a ideia que o Governo quer transmitir.

A ideia não deixa de ser verdadeira. É evidente que a culpa é da Europa, pois se a Europa - as troikas, a Sra Merkel, e muitos outros - não tivessem imposto enorme austeridade aos países do Sul da Europa, a crise não seria tão grande nem tão profunda. A culpa é pois da Europa.

Contudo, é preciso lembrar duas coisas ao nosso Governo. Em primeiro lugar, e que eu saiba, este Governo sempre apoiou a Europa, nomeadamente a Sra Merkel, e sempre disse que as políticas impostas pela Europa eram as melhores, e eram boas, e não havia alternativas.

Nunca, que eu me lembre, este Governo esteve contra as orientações europeias de austeridade. A culpa é da Europa, sim, mas como este governo sempre apoiou a Europa, e sobretudo a Sra Merkel, a culpa também é dele.

Em segundo lugar, convém lembrar ao Governo que foi ele que escolheu massacrar os portugueses com mais austeridade do que aquela que estava prevista no memorando original, assinado em Maio de 2011.

Foram Passos Coelho e Vítor Gaspar que impuseram as sobretaxas no IRS em 2011, que decidiram cortar nos subsídios aos funcionários públicos e pensionistas em 2012, e que decidiram um "enorme aumento de impostos" para 2013.

Nenhuma destas decisões, profundamente recessivas da economia, estava escrita no memorando original assinado com a troika. Foi este Governo, na ânsia e na pressa de fazer um ajustamento rápido e exemplar, que se excedeu de forma tremenda na dose de austeridade a aplicar ao país, o que nos levou ao desastre em que estamos. É claro que a troika aplaudiu, mas quem decidiu foi o Governo.

Vir agora dizer que a culpa da crise portuguesa é da da crise europeia, é uma enorme e apressada mistificação. A Europa tem culpas e muitas, mas no que toca ao caso específico de Portugal, este Governo tem muito mais culpa do que a Europa. 

publicado por Domingos Amaral às 12:55 | link do post | comentar
Quinta-feira, 14.02.13

O primeiro milhão do senhor Vítor Gaspar

O desemprego em Portugal não pára de crescer e vamos a caminho de ter 1 milhão de desempregados. Esta é a cifra oficial, pois toda a gente sabe que há muitos mais que nem sequer estão inscritos ou não procuram emprego.

Um milhão de desempregados. Convém refletir neste número, pois nunca antes aconteceu na história de Portugal estarmos com o desemprego tão alto. Convém perceber o que isto significa, em termos pessoais, económicos, políticos, sociais. E convém perceber que há responsáveis por isto estar tão mau.

O Governo diz que foi um "erro de previsão", e que o desemprego ainda vai subir antes de começar a descer, como se o desemprego fosse um foguete, atirado para o ar em noite de festa.

Mas, aquilo que o Governo nunca dirá é que este altíssimo número de desempregados são a prova mais do que evidente que toda a política de "austeridade estruturalista" falhou colossalmente. 

Este governo acreditou (e ainda acredita) que, carregando na austeridade e fazendo umas reformas estruturais, Portugal ia entrar nos eixos, e rapidamente seria transformado num novo país, com uma economia pujante e com grande ímpeto exportador. Não foi isso que aconteceu. A recessão caiu sobre nós e, como o resto da Europa também está a ser vítima de políticas semelhantes, já nem sequer as exportações nos safam!

Quem disser que tudo isto valeu a pena para voltarmos aos mercados, está completamente errado. Os mercados acalmaram por causa da intervenção do BCE e por causa do perdão de dívida à Grécia, e em breve também à Irlanda. Porém, a economia, a europeia mas sobretudo a dos países do Sul, como Portugal, estoirou pelo caminho, sufocada por doses cavalares de austeridade, e não vamos sair da recessão tão cedo.

Vítor Gaspar cometeu erros gravíssimos. Em vez de optar por cortar despesas do Estado logo em 2011, decidiu brincar aos ajustamentos, e desatou a sobrecarregar o país com impostos altos e a tentar cortar subísdios e pensões. O resultado não podia ser pior. O Estado não cortou na despesa, e a economia privada ficou de pantanas.

Um milhão de desempregados, senhor Gaspar, é essa a sua medalha de honra! Que desastre. 

publicado por Domingos Amaral às 09:47 | link do post | comentar
Segunda-feira, 10.12.12

Portugal ainda existe?

Por vezes, tenho a sensação estranha de que Portugal já não existe. Sim, ainda temos bandeira e hino, e seleções nacionais em muitos deportos, mas fora isso, será que ainda somos um país independente, uma nação autónoma? 

Não se trata apenas de uma questão conjuntural. Não digo isto porque estamos numa crise económica, num programa de resgate financeiro, sem grande autonomia para escolher o nosso prórpio caminho. É evidente que isso agrava a sensação de impotência, mas não a esgota, bem pelo contrário.

Na verdade, somos já uma espécie de Arkansas, um estado dentro de uma estrutura política maior, que tem os mesmos 10 milhões de pessoas a viver que o Arkansas, mas que não é independente, nem sequer vale muito em influência ou em PIB.

O nosso caminho é tornarmo-nos um estado pequeno dentro de uma comunidade cada vez maior de estados. Para o euro sobreviver, e para a União Europeia ter futuro, vai ser necessária cada vez mais integração, política e económica.

Hoje fala-se numa "união bancária", apresentada com essencial para o fim da crise, mas depois será necessária uma união fiscal e orçamental, com impostos europeus; e a seguir teremos de ter uma Segurança Social europeia; e depois virá uma união política, com eleições directas para a presidência da Europa.

Para que a Europa exista, vai ser preciso que os países morram, deixem de ser países como os conhecíamos, para passarem à mera condição de estados federados, ou outra coisa qualquer. Além de não termos moeda, não teremos também grande possibilidade para nos governar, pois será a Europa a fazê-lo por nós.

Se será mau ou bom, só o futuro o dirá, mas a verdade é que cada passo dado nesse caminho é um passo para o fim de Portugal como o conhecemos.

Sim, restará uma bandeira, um hino, uma língua, um sentimento geral, uma História, seleções nacionais, mas a verdade é que, seja na economia, seja na política, o pouco que ainda éramos vai em breve desaparecer. Portugal vai acabar, e o que vier será outro Portugal, mas já não o mesmo.

publicado por Domingos Amaral às 12:07 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Segunda-feira, 26.11.12

A Europa comparada com a América

No presente, a Europa discute mais um orçamento de austeridade geral, imposta pelos países do Norte aos países do Sul. Enquanto isso, na América, Obama vai tentar negociar com os republicanos um novo acordo que evite a austeridade, ou o chamado "fiscal cliff", um precipício de cortes na despesa e aumentos de impostos, que poderia lançar o país numa nova recessão.

Com o Atlântico pelo meio, os dois caminhos não podiam estar mais afastados um do outro, e os resultados, naturalmente, são bem diferentes. Depois de tanto América como Europa terem reagido à crise financeira de 2008 ajudando os bancos e prevenindo um colapso, os caminhos começaram a divergir. A partir de 2009, Obama escolheu aumentar a despesa do Estado, usar o investimento público, e tentar sair da crise assim, aumentando o emprego e evitando o desemprego. Também o banco central americano, o FED, usou políticas monetárias expansivas, e além das descidas da taxa de juro, praticou o chamado "quantitative easing", aumentando a oferta de moeda. 

Já a Europa, com Merkel à cabeça a tocar as cornetas, lançou-se numa cruzada austeritária, impondo grandes sacrifícios, aumentos de impostos e cortes na despesa, para diminuir as dívidas dos países do Sul. Além disso, a Europa impôs a si mesma um novo tratado orçamental, proibindo terminantemente os deficits, através da regra dourada da disciplina orçamental. E embora o Banco Central Europeu tenha mantido as taxas de juro baixas, nunca os alemães permitiram que houvesse mais expansão monetária, com receio de uma inflação que é uma ameaça fantasma, pois não existe em lado nenhum.

Os resultados estão à vista: a América já saiu da recessão, o crescimento existe, e o desemprego desceu. Na Europa, a recessão espalha-se e a crise afunda as economias, e o desemprego, em quase todos os países, não para de aumentar. Os fanáticos da austeridade deviam pensar nisto, mas pelos vistos a ideologia cega as pessoas.

publicado por Domingos Amaral às 12:00 | link do post | comentar
Segunda-feira, 12.11.12

Querida Angela Merkel

Ainda te lembras porque é que Hitler chegou ao poder em 1933? Não era má ideia leres uns livros da história do teu próprio país, e talvez assim te recordasses que foi graças às terríveis políticas de austeridade praticadas pelo chanceler Heinrich Bruning, que ficou conhecido pelo sinistro cognome de "chanceler da fome", que Hitler ganhou as eleições em 1933.

Durante apenas três anos, entre 1930 e 1933, a Alemanha viveu uma fortíssima recessão, que gerou um desemprego colossal, e uma parte da população caiu numa atroz miséria, dando origem ao famoso "ovo da serpente", a desordem geral que possibilitou a ascensão de Hitler ao cargo de chanceler da Alemanha. Para os que não sabem, convém sempre lembrar que não foi a hiperinflação dos anos 20 que gerou os nazis, mas sim a austeridade dos anos 30. 

Também em 1930, e é disso que te devias recordar, havia quem dissesse que todos tinham "vivido acima das suas possibilidades" durante a década de 20, e que só com "austeridade" se recuperaria a "confiança" na economia alemã. Infelizmente, nada disso aconteceu, e a recessão económica agravou-se brutalmente, lançando a Alemanha, e a Europa, numa década de horrores.

É por isso que escrevo, para te recordar as profundas semelhanças entre os anos 30 e estes que estamos a viver. Também nessa época se tinha uma crença enorme que, fazendo "ajustamentos" às economias, elas iriam entrar de novo nos carris. Também nessa época se acreditava que, se os países "descessem os seus custos salariais", iriam ser de novo competitivos. Também nesses tempos se dizia que, "se os governos lançassem impostos e cortassem nas despesas" o equilíbrio das suas finanças públicas se recompunha.

Porém, isso nunca aconteceu. Os "ajustamentos" falharam, e só trouxeram miséria aos povos e uma crise geral à Europa. Nesses tempos, tal como agora, toda a gente queria exportar e ninguém queria importar, e todos se esqueceram que se ninguém importa, também ninguém exporta.

A Europa é hoje muito diferente do que era nos anos 30 do século passado, mas quem pensar que as lições dessa época não nos servem está enganado. Todas as tuas opiniões sobre esta crise são, de forma perturbadora, semelhantes às opiniões que existiam nesses tempos negros. Também tu defendes a "austeridade", a "desvalorização salarial", o corte abrupto nos "deficits orçamentais". Também tu te agarras à esperança de que assim a "confiança" voltará aos mercados.

Contudo, a realidade não te dá razão. Há três anos havia uma crise na Grécia, e problemas em Portugal e na Irlanda. Hoje, há uma catástrofe na Grécia, uma crise grave em Portugal, na Irlanda, em Espanha e em Itália, e começam já a chegar fortes problemas a França e até ao teu país, a Alemanha. A crise, em vez de ser contida, expandiu-se, e ameaça de novo a estabilidade do euro. 

A pior coisa que fizeste à Europa foi dividi-la entre países credores e países devedores. Traçaste uma linha, um muro de Berlim financeiro, entre aqueles que "se tinham portado bem" e aqueles "que tinham vivido acima das suas possibilidades". Sem qualquer hesitação ou dúvida, foi criada por ti uma profunda falha tectónica no euro, distinguindo entre os "cumpridores" e os "pecadores". A partir dessa data, algures em 2009, a Europa entrou numa nefasta crise, da qual ainda não se viu livre.

Contigo ao leme, querida Angela, a Europa aproxima-se de um perigoso precipício. Os próximos meses serão terríveis, e talvez em 2013 todos percebam finalmente que foste tu a principal responsável por ter colocado a Europa na boca deste inferno. Nessa altura, todos os que me criticam irão infelizmente ser forçados a reconhecer que foram avisados. 

publicado por Domingos Amaral às 10:49 | link do post | comentar | ver comentários (15)
 

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