Cortar na despesa não é nada fácil!
Já alguma vez experimentou cortar a sério nas suas despesas pessoais e familiares? A maior parte das pessoas, e ainda bem, não têm de executar este penoso exercício, o que é sinal que não passam por problemas económicos graves. No entanto, nos últimos tempos e devido à crise económica, muitos são os que foram obrigados a esta dura tarefa. Ora, como já devem ter descoberto, não é nada fácil.
Começa-se por cortar onde? Naturalmente, naquilo que é supérfluo, os nossos pequenos luxos contemporâneos. As pessoas compram menos viagens, vão menos vezes jantar fora, compram menos roupa, dvds, coisas assim, e vão menos vezes ao cinema. No entanto, como rapidamente irão perceber, essas não são as principais despesas, e representam pouco no orçamento mensal de cada um, talvez cinco por cento do total.
É aqui que a coisa se complica. Para a maioria das pessoas, existem depois três grandes despesas: a casa, os filhos, e a despesa individual. Ora, é extremamente difícil cortar nestas despesas. Comece-se pela casa. Bem, se há uma prestação ao banco, é complicado renegociá-la, não é certo que o banco aceite, e qualquer alteração demora algum tempo e dá trabalho. No caso em que a casa é alugada, pode-se falar com o senhorio, mas é preciso a sua boa vontade para baixar a renda. É certo que muitos senhorios têm sido compreensivos, mas as poupanças são incertas e limitadas.
E no resto, é ainda mais difícil. Como poupar na água, na luz, no gás? Por mais que uma família se esforçe em apagar as luzes quando não está ninguém naquele quarto; por mais água que se poupe, é difícil conseguir poupanças relevantes. Talvez 10 ou 15 euros em cada conta, de dois em dois meses, mas é pouco.
Acrescente-se as despesas de alimentação, outro agregado fundamental. Bem, é claro que quem fazia compras no El Corte Inglés pode mudar-se para o Minipreço, e poupará certamente bastante dinheiro por mês, talvez 200 euros ou mais, mas a partir daí é difícil baixar. O volume de alimentação de uma família é mais ou menos o mesmo todos os meses, e só com soluções mais drásticas - deixa de haver uma refeição à noite e só se come sopa - é que se conseguirá descer esta despesa de forma considerável.
Para quem tem empregada, há sempre a possibilidade de a dispensar, mas depois a limpeza da casa terá de ser feita pelas pessoas que lá vivem, e as resistências e os conflitos que nascem com essa decisão são enormes.
Resta a televisão. Quem tem canais pagos, pode sempre cortá-los, mas quem já só tem o serviço básico vai fazer o quê, ficar só com a TDT e os 4 canais abertos que existem? Havendo pouco dinheiro para diversões, a televisão é das poucas coisas com que se podem contar, por isso...
Passemos aos filhos. Se tem os seus filhos no ensino público, a despesa é baixa, são apenas os livros e os transportes. Mas, se já está aí, também não pode cortar mais, certo? E para quem tem os filhos em colégios privados, a escolha é dura: ou os tira de lá, e poupa muito dinheiro por mês (500 a 600 euros por filho); ou os mantém no colégio e não poupa nada. Contudo, tirar os filhos do colégio é uma decisão complicada, pois vai prejudicá-los, retirá-los do seu grupo de amigos habitual, além de ser socialmente difícil de explicar.
Restam as actividades extra-curriculares das crianças. Mas quem é que tem coragem para dizer à filha que já não há dinheiro para o balllet, ou ao filho de que já não há dinheiro para o rugby? Estas coisas não são nada simples...
Avancemos para o último grupo, as despesas individuais: carro, gasolina, portagens, telemóveis. Como poupar: vende-se o carro e passa-se a andar de autocarro? Ou muda-se para um carro mais baratinho, mas continua-se vulnerável às subidas do preço da gasolina? O mesmo se passa com o telemóvel: quem é que consegue dispensá-lo e voltar ao telefone fixo?
Como se vê, cortar nos custos não é nada fácil. Às vezes, quando toda a gente diz que é essencial cortar na despesa do Estado, eu penso nisto. Se já é tão difícil cada um de nós cortar as nossas despesas, imagine-se num Estado com 700 mil funcionários...