O cisma Constitucional do país
Em 2010 e 2011, ainda antes de Passos Coelho chegar ao poder, já queria rever a Constituição, principalmente nas áreas da saúde e educação, que não deviam ser "gratuitas".
Para ele, Portugal vivia, e vive ainda, num país desequilibrado por uma Lei Fundamental que, no seu espírito e palavras, é um produto ideológico de esquerda, uma filha da revolução do 25 de Abril, legítima e por isso mesmo sem virtude aos olhos de um liberal.
Alguns dos princípios constitucionais eram, e são para Passos Coelho, errados, atrasados, injustos e socialistas.
Mas, como os mandamentos do regime devem obedecer a consensos, e ele não conseguiu nenhum apoio à sua esquerda, esqueceu rapidamente o desejo de rever a Constituição.
Ora, não podendo rescrever as Tábuas da Lei, Passos decidiu afrontá-las.
Logo em 2011, qaundo se sentou em S. Bento, foram dadas as primeiras salvas de tiros.
Muitos avisaram Passos que não era inteligente basear medidas essenciais para o corte da despesa em iniciativas legislativas de duvidosa constitucionalidade.
Porém, ele ignorou os sensatos e cortou os subsídios à função pública, coisa que entrava pelos olhos dentro que era inconstitucional, como o Tribunal Constitucional veio dizer em meados de 2012.
Não contente com essa primeira derrota, voltou a marrar contra a mesma parede, cortando de novo os subsídios em 2013.
Como se esperava, o TC lá veio repetir que a medida não estava conforme às tabuinhas.
Pelo caminho, espumando fúria, Passos inflamou os ódios políticos das suas hostes, instigando a populaça e as elites contra os juízes do TC.
A campanha foi feroz: os juízes eram cheios de previlégios, reformavam-se cedo, ganhavam demais e, cúmulo da irresponsabilidade, iam de férias quando havia decisões importantes a tomar!
Ao longo de meses, Passos diabolizou o TC, colando-lhe mesmo a imagem de um tribunal antipatriota, que punha em causa a gloriosa recuperação financeira do país.
A estratégia primou pela ineficácia, pois o Governo de Passos coleccionou derrotas atrás de derrotas.
Contudo, a consequência política destes humilhantes resultados, mas sobretudo da retórica incendiária, foi a geração de um verdadeiro cisma Constitucional.
Portugal está hoje dividido entre os que são contra a Constituição e os que são a favor dela.
De um lado, o centro-direita, liderado por Passos, que acha a Constituição um estorvo.
Do outro, a esquerda em geral, que considera os mandamentos do regime um dogma imutável.
Estes dois radicalismos, o primeiro ofensivo e iniciador, o segundo defensivo mas para já vencedor, reabriram um fosso no regime, semelhante ao de 75, mas de sentido inverso.
Embora ninguém saiba quem vai cair nesta Fossa das Marianas, ela é mais funda a cada dia que passa.