O Presidente Cavaco e a "armadilha da dívida"
Cavaco, ontem à noite, tentou acabar com o recreio.
O que ele vem dizer é que as lideranças partidárias de Passos, Seguro e Portas, andam a perder tempo em irredutibilidades que não contribuem para a estabilidade do país nesta hora difícil.
Colocou a parada alta, mas não demais.
O que Cavaco pede, na fase 1, é que os partidos partilhem a responsabilidade do estado do país e partilhem também o poder.
Não será nada fácil de conseguir o "compromisso de salvação nacional" exigido pelo Presidente.
Mas, ninguém pode dizer que é impossível.
Se cada parte ceder um pouco, é possível encontrar uma zona de consenso comum.
Não é impossível manter a credibilidade e ao mesmo tempo aliviar um pouco a austeridade.
Não é impossível cumprir o memorando e ao mesmo tempo promover o crescimento económico.
Não é impossível ser rigoroso e ao mesmo tempo lutar na Europa por soluções mais inteligentes e solidárias.
Nada disto é impossível, embora seja muito difícil de transformar estes princípios gerais numa solução governativa estável e duradoura.
Na verdade, existem apenas duas lideranças que podem sabotar o compromisso pedido pelo Presidente: Passos e Seguro.
Paulo Portas, chefe de um partido menor, será sempre menos importante numa solução a três, e provavelmente não fará ondas.
Mas Passos e Seguro podem torpedear qualquer acordo.
Passos porque, a haver compromisso, o mais certo é ele passar pela sua saída de primeiro-ministro.
Teoricamente, ele até pode aceitar apoiar um governo no qual não esteja sentado, mas será sempre visto como um derrotado, pois a sua linha de afrontamento geral ao PS, aos parceiros sociais e ao Tribunal Constitucional será abandonada de vez, bem como a maior parte das suas ideias "neo-liberais", que tão fracos resultados deram.
Já quanto a Seguro, o que se lhe pede é uma inversão de rota brusca, pelo menos durante um ano. Até ontem, Seguro sempre pediu eleições, e extremou tanto a exigência que tem pouco espaço para recuar. Não sendo impossível, é-lhe doloroso.
Só que, se Passos e Seguro não fizerem um esforço de compromisso, pelo menos até Junho de 2014, podem acabar mais cedo do que previam as suas carreiras políticas.
Se os três partidos não se entenderem, o mais certo é Cavaco passar à fase 2, e lançar um governo de iniciativa presidencial.
Nesse caso, nem Passos nem Seguro ganhariam nada. Ficariam com muita responsabilidade pela crise e sem nenhum poder para a aliviar.
E ficariam anulados, pois qualquer solavanco que criassem levaria Cavaco a apontar-lhes o dedo, responzabilizando-os pelo caos.
Passariam para uma espécie de limbo político, onde não eram poder nem eram oposição, sendo sempre eternamente responsabilizados, o PS porque é o "pai da dívida", o PSD porque é o pai da "austeridade e do desemprego".
Por muito que custe a todos, a solução mais inteligente e serena seria PSD, PS e CDS apoiarem um novo de governo, liderado por alguém em quem Cavaco confie, e que durante um ano faria o possível para diminuir a austeridade interna sem perder a credibilidade externa.
A política partidária ficaria mais ou menos suspensa durante doze meses, e depois tudo poderia recomeçar a partir de Junho de 2014.
Embora a questão de fundo não se resolvesse, haveria uma transitória acalmia da hostilidade e da crispação geral em que estamos.
E, entretanto, a Europa podia evoluir.
O que mais esta crise prova é que a "armadilha da dívida", em que alguns países europeus se encontram, não consegue ser resolvida por eles, individualmente.
Como já se viu na Grécia e em Itália, os sistemas políticos, impedidos de desvalorizar a moeda, não têm solução para a "armadilha da dívida" e por isso as crises se repetem.
Enquanto a Europa não perceber isso, e não usar o seu tremendo poder para resolver a "armadilha da dívida", países como Portugal, Grécia, Chipre, Itália, Espanha e até a Irlanda, irão viver em sucessivas crises, com o sistema político aos solavancos.
A "armadilha da dívida" colocou estas democracias e os seus políticos numa situação terrível: eles podem sempre piorar as coisas, mas nunca as conseguem melhorar ou vencer em definitivo!
É essa a tragédia da Europa, e de Portugal.
E ainda só vamos a meio do filme.