Um amor antigo
Diz-se que muitas mulheres, quando acabam um namoro ou um casamento, vão primeiro à procura de um amor antigo para as consolar. Alguém que as encantou no passado, alguém que conhecem, a quem já deram a mão, já beijaram na boca, alguém em cujo corpo já tocaram. O desconhecido é sempre um território assustador, e embora a novidade seja sedutora e até empolgante, quando se anda ainda com uma dor cá dentro, convém diminuir os riscos. E foi assim também com eles.
Ele estava divorciado há um, (ou seriam dois anos?), mas continuava a aproveitar o tempo perdido, coleccionando namoricos soltos ou noitadas tórridas sem consequências na cardiologia amorosa. Ela fechara por esses dias o último capítulo com o marido, e estava a descobrir como renovar a vida e as cortinas de casa. Foi ela que o abordou no Facebook. O costume, "como estás?", "tudo bem", (está sempre tudo bem mesmo quando está mal) e lá acabaram por combinar um almoço. É uma refeição menos óbvia que um jantar, normalmente não são tão altas as expectativas carnais. É claro que era tudo a fingir, eles no fundo queriam os dois, mas era cedo, mais valia almoçar primeiro.
Acabaram na cama, em casa dele, a meio da tarde. Depois do sexo, ela chorou, era a primeira vez em muitos anos que dormia com outro homem que não o marido, e isso emocionou-a. Ele ficou com dúvidas, será que ela não tinha gostado? Mas, sempre sentira carinho e ternura por ela, mesmo sabendo que fora ela que o deixara, uma noite há mais de quinze anos, quando eram namorados. Abraçou-a e beijou-a e quis saber o que se passava.
Ela fungou, limpou as lágrimas, ajeitou o cabelo num rabo de cavalo feito à pressa e perguntou:
- E agora?
Ele adorava vê-la de rabo de cavalo. Ainda tinha uma fotografia antiga, tirada numa praia do Algarve, no Inverno, os dois de casacões e botas, muito mais novos, onde ela estava de rabo de cavalo. Já não se lembrava onde estava a fotografia, talvez no pequeno baú, encostado ao sofá da sala. Mas lembrava-se do rabo de cavalo e disse-lho:
- Adoro ver-te de rabo de cavalo.
Ela sorriu, achou querido ele dizer aquilo, mas não admitiu que ele desviasse a conversa. Repetiu a pergunta:
- E agora?
Ele piscou os olhos, começou a lembrar-se que ela era persistente, era uma das coisas que ele não adorava nela. Adorava o sorriso, o rabo de cavalo, o rabo propriamente dito, as pernas longas, a forma como ela se vestia, sempre com muito bom gosto. Mas não adorava a persistência. Respirou fundo:
- Agora? Vamos falando, temos tempo. Hoje não posso, é dia de jantar com os meus filhos, mas amanhã podemos combinar. Ou no fim de semana.
Ela nem se lembrava bem quantos filhos ele tinha, seriam dois ou três? Mais os três dela eram seis. E amanhã também não podia, já tinha combinado ir jantar com três amigas, divertir-se, dançar, apanhar um pifo para esquecer as chatices. Mas, foi aquele "ou no fim de semana" que a enervou. Não era amanhã "e" no fim de semana, era amanhã "ou" no fim de semana. Como se ele não quisesse estar com ela em ambas as situações, como se ele tivesse uma vida muito cheia e não tivesse muito tempo para ela.
- Amanhã não posso, tenho um jantar.
Ele encolheu os ombros, sorriu-lhe:
- Então combinamos no sábado.
Aquilo irritou-a. Quem é que ele pensava que ela era? Será que pensava que ela estava disponível sempre que ele quisesse?
- Há uma festa no sábado, no Porto.
Ele ergueu as sobracelhas. Não lhe dava jeito ir ao Porto, sábado ia fazer surf, e no domingo de manhã já tinha combinado com o pai jogar ténis.
Ela perguntou:
- Não queres ir?
Ele riu-se:
- Não é não querer, mas já tenho coisas combinadas.
Ela olhou para ele, e ele achou que ela podia estar a pensar que ele tinha outras raparigas com quem saía. Era verdade, mas não era por isso que não podia ir ao Porto.
- O quê? - perguntou ela.
Ele encolheu os ombros e explicou: o surf, o pai, o ténis. Ela ouviu-o séria e depois perguntou:
- Não podes desmarcar? Era giro, íamos os dois ao Porto, ficávamos num hotel.
Sim, pensou ele, era giro. Perguntou:
- De quem é a festa?
Ela sorriu e explicou: era de uma amiga que era casada com o João, que era o homem por quem ela o trocara há muitos anos.
Aquilo incomodou-o, nunca se esquecera daquele par de cornos. Ficou sério e disse:
- Acho que prefiro o surf e o ténis.
Ela sorriu, fingindo-se espantada:
- Não queres ir por causa do João?
Ele permaneceu em silêncio e ela riu-se:
- Por favor, isso já foi há tantos anos! Não me digas que ainda não esqueceste!
Além da persistência, ele lembrava-se agora perfeitamente que havia outra coisa que ele não adorava nela, que era o facto de ela não lhe dar especial importância. Então, decidiu provocá-la:
- Ninguém esquece nada. Olha para nós os dois. Estamos aqui porque não nos esquecemos. Se não nos conhecessemos, se calhar isto nunca iria acontecer...O passado interessa, claro que interessa.
Foi ao ouvi-lo falar no passado que ela começou a pensar no João. Será que ele ainda sentia alguma coisa por ela? Será que quando se vissem, no sábado, ia sentir vontade de estar com ele? Os ex-namorados olhavam sempre para ela com uma cara...
Foi nesse preciso momento que ele se levantou da cama e se começou a vestir. Vira nela o mesmo que vira há muitos anos atrás, uns dias antes de acabarem namoro. Vira-a a pensar noutra coisa, o que nas mulheres pode ser sempre outro homem, e como foi isso que acontecera no passado, era melhor ele não ficar por ali, não fosse acontecer-lhe o mesmo outra vez. Razão tinha o seu melhor amigo, que dizia que as mulheres do passado nunca são as do futuro.
- Não vale a pena ficar chateado - disse ela, ao vê-lo a vestir-se.
Ele fingiu que não estava chateado, ela sorriu-lhe e também fingiu que acreditava. Quando ele a deixou à porta de casa, prometeram voltar a falar-se, um pouco embaraçados. A única coisa certa é que ele não iria ao Porto, ao contrário dela. Mas, é evidente que esta história não acaba aqui...