Quarta-feira, 09.01.13

Ainda existem pessoas fiéis?

Uma mulher de quem gosto muito costuma dizer que as pessoas que se casam não deviam jurar fidelidade, porque ninguém vai cumprir essa jura.

Os homens já há dez mil anos que não a cumprem, e as mulheres, metade também há diz mil anos que não a cumpre, e a outra metade deixou de cumpri-la de há vinte anos para cá.

A promessa de fidelidade, diz essa realista mulher, é portanto inútil e enganadora, pois só serve para nos iludirmos. Um dos dois será infiel, essa é que é essa, e a única dúvida é saber qual será o primeiro. 

Sendo assim, o que devíamos era fazer uma promessa diferente. Deveríamos prometer que íamos tentar não ser infiéis. E só por cinco anos, de cada vez. Prometes tentar não ser infiel nos próximos cinco anos? Sim, prometo. Daqui a cinco anos veremos.

É que, nos dias que correm, a infidelidade mudou muito, já não é a mesma velha senhora do passado. A infidelidade está mais magra, mais reduzida no seu conceito. Coisas que antes eram consideradas infidelidade, hoje não produzem mais que um mero encolher de ombros.

Veja-se as fantasias, por exemplo. As mulheres que fantasiam em segredo com o Brad Pitt, ou os homens que suspiram à primeira visão da Juliana Paes, estão a ser infiéis, mas os seus sonhos são inofensivos, banais e nada graves. Metem-se os cornos na imaginação, mas "no passa nada".

Depois, há também aquela infidelidade social superficial, que incluiu a troca de olhares furtivos, as conversas picantes, os sms cheios de segundas intenções. É muito habitual nos nossos dias: as pessoas comem-se com os olhos, enviam evidentes e permanentes sinais, mas é tudo teatro, e os contatos íntimos não passam de uma mão nas costas, as palavras não são mais que uma piadinha permanente, que tudo deixa em suspenso.

É a infidelidade em "stand-by", no "pause", mas é muito comum nos nossos dias, e é até socialmente aceite e incentivada. Quem não for brincalhão e muito sexy, é visto como pouco "cool".

Infelizmente para muitos, estas brincadeiras, à superfície inofensivas, podem despoletar incêndios graves. Há maridos e esposas que se passam da cabeça só por apanherem um comentário mais ousado no Facebook. Há zaragatas e ranger de dentes, mas se realmente estiver apenas em "stand by", essa infidelidade só mói, não mata. Ninguém se separa só porque há um smile duplo no telemóvel do marido ou da mulher...

Também é cada vez mais aceite a infidelidade Easy Jet. Um desvario pontual, uma noite de loucura, se tiver acontecido no estrangeiro, a mais de 400 km de casa, não é causa para tragédias. A infidelidade Easy Jet, além de ser fácil de negar, é fácil de ignorar. Ninguém a viu, ninguém a lembra.

O que é doloroso aceitar é um par de cornos social, em dez mil anos não se avançou nada nestas coisas. O que custa, além da traição, é o preço da vergonha, as amigas e os amigos a comentarem, a humilhação em grupo. A infidelidade, quando é pública, nunca se consegue privatizar, como a TAP. Mas são raros, é verdade, os que conseguem evitá-la. 

Portanto, o que se devia era jurar que se vai tentar não ser infiel. Prometes que vais tentar não ser infiel? Sim, prometo. E a promessa devia ser renovada a cada cinco anos. Prometes mais cinco anos? Sim, prometo tentar mais cinco anos. Mesmo assim, era capaz de não ser fácil cumprir, mas pelo menos tentávamos.  

  

publicado por Domingos Amaral às 15:23 | link do post | comentar | ver comentários (5)
Quinta-feira, 06.09.12

Gabriela, Cravo e Canela

Tremo de excitação sempre que na SIC aparece a promoção do remake "Gabriela", a telenovela brasileira. É que para mim a "Gabriela" é um marco, um mito, uma lenda. A "Gabriela" foi "o" ato fundador da nossa televisão, onde tudo começou, há muitos anos. Foi a primeira telenovela que Portugal viu, estreou-se em 1975, e era um portento de erotismo, sexualidade e emoção, mas também uma belíssima narrativa. Baseada no romance de Jorge Amado, "Gabriela, Cravo e Canela", conta a história de uma mulher lindíssima e selvagem que se casa um comerciante árabe, o famoso Sr. Nassib, que entre outras coisas a obriga a calçar sapatos, o que ela rejeita com aquela que se tornou talvez a mais famosa frase nacional daqueles tempos: "sapato não, sô Nassib!" Gabriela, interpretada pela fogosa e misteriosa Sónia Braga, que tinha o sexo estampado no sorriso, era um hino à perdição, e lá em casa rapidamente os meus pais decidiram que as crianças não podiam ver aquilo. Foi a única proibição televisiva de que me lembro, mas não foi muito eficaz. Quase sempre eu e o meu irmão, com oito ou nove anos, conseguíamos furar o embargo parental e espreitar a televisão, onde se desenrolavam mil e uma intrigas, muitas delas em redor do famoso e inesquecível "Bataclan", o mais entusiasmante cabaret da história de televisão. Nem Hollywood conseguiu inventar um local tão mítico como o "Bataclan" e eu tenho pena de nunca na vida ter encontrado um sítio como aquele. Gabriela foi um hino à subversão, mas foi também provavelmente a melhor telenovela de sempre que a Globo produziu. Depois dela, vi muitas. Vi "O Casarão", vi "O Astro", "Dancing Days", "Águia Viva", e muitas mais, incluindo as mais recentes, mas só "Roque Santeiro" chegou ao mesmo patamar de qualidade, ao mesmo Olimpo televisivo, onde vive e viverá sempre "Gabriela". "O que fazemos na vida faz eco na eternidade" e só Gabriela e Roque Santeiro serão eternas e imortais. Nunca mais ninguém tomou conta do ecran como Sónia Braga tomava, nunca mais se viu uma mulher felina como ela a deixar os homens de cabeça perdida e as mulheres a rezar, com medo que ela lhes roubasse os maridos. Estou ansioso para ver o "remake" e espero que Juliana Paes esteja à altura. Pelas imagens que tenho visto agrada-me, embora seja uma ousadia atrevida fazer concorrência aos mitos. Mas não vou perder, ai isso não vou. E vou estar lá, no "Bataclan", todas as noites, fiel freguês de um mundo fascinante e imaginário, que nos enfeitiçou para sempre.     

publicado por Domingos Amaral às 12:33 | link do post | comentar | ver comentários (1)
 

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