Os prioritários e os portugueses
A cena passou-se numa repartição das Finanças. Eu estava na fila, há quase duas horas, e via os números de chamada a aproximarem-se do meu. Porém, a numeração estava sempre a ser interrompida pela chegada de mais um atendimento "prioritário". Os "prioritários" são naturalmente os deficientes, os idosos, as grávidas, e também as pessoas acompanhadas por crianças. E foi uma dessas mães que teve azar. Ao ser chamada, eis que se levanta uma revolta nos outros portugueses, os "não prioritários". Um senhor, muito enervado, desata a protestar aos berros, dizendo que para a próxima ia "pedir uma crianchinha emprestada à vizinha, para vir para a bicha e passar à frente". Houve logo um número relevante de pessoas na mesma situação que concordaram, e um pequeno motim gerou-se. Indignadíssimos, os "não prioritários" soltaram gritos contra "os prioritários", queixando-se da injustiça de que estavam a ser alvo, vociferando contra o poder, o governo, a democracia, enfim tudo o que os irrita na vida. São assim os portugueses, não aceitam as regras, sobretudo quando elas implicam um ligeiro prejuízo próprio. Em Portugal, somos todos prioritários, o nosso problema é sempre o mais grave, e temos o direito de ser atendidos imediatamente! Que existam pessoas mais frágeis que nós que possam passar-nos à frente, é obviamente uma maçada inaceitável, que só existe devido a truques e manhas...