Com o fogo não se brinca, já dizia a minha avó
É uma frase que qualquer criança ouve desde muito cedo: "com o fogo não se brinca!"
No entanto, dá-me a sensação que muitos réporteres de televisão esqueceram os conselhos das suas avós.
Todos os dias, ao ver as notícias, dou por mim a pensar quando vai magoar-se a sério o primeiro repórter televisivo.
É que, pela forma como as reportagens têm sido feitas dá a sensação que os repórteres e os homens das câmeras andam a brincar com o fogo.
Há diretos, extremamente espectaculares, com as labaredas quase a lamberem as costas dos repórteres.
Há imagens deles, a correr, a câmara aos saltos, a tremer, no meio de estradas, do fumo, dos populares desesperados.
É como se a profissão de repórter dos incêndios fosse, também ela, uma profissão de risco.
Em busca da melhor imagem, os repórteres arriscam tudo, só para brilharem à noite, no telejornal.
Como já não há dinheiro para os jornalistas serem enviados para guerras distantes, eis os incêndios, como substituto à altura.
Em vez de correspondentes de guerra, temos correspondentes de fogos.
Até raparigas jovens se metem ali, entre o auto-tanque e a labareda.
Querem apanhar cada momento: o bombeiro, de máscara, que aponta a mangueira para as chamas imensas; o popular que chora, aterrado; a azáfama meio ensandecida da aldeia que vê o fogo aproximar-se; o movimento desordenado do jipes encarnados, sempre a circularem; o fumo que tudo cerca, como um nevoeiro sinistro.
Sim, o fogo é um tipo especial de guerra e mostrá-lo é um acto de coragem, mas também de orgulho.
Talvez os reporteres devessem ser mais cuidadosos, pois de tanta ânsia de mostrar, ainda se queimam um dia.
Morre gente, normalmente bombeiros, porque o fogo é um animal perigoso, imprevisível, letal, que quando se enfurece castiga quem o desafia.
A coragem, essencial no combate, tem de ser temperada pela lucidez permanente, senão o desastre é imediato.
E, só para filmar o espectáculo do fogo, não faz sentido arriscar a vida.
Dizia PJ O´Rourke que os jornalistas eram diferentes dos outros civis, pois quando todos os civis fugiam da guerra, os jornalistas iam a correr ter com ela.
E por isso muitas vezes morrem.
Com o fogo parece dar-se o mesmo fenómeno. Enquanto as pessoas fogem das labaredas, os jornalistas vão a correr ter com elas.
Tenho medo que isto um dia acabe mal.