Caro Paulo
Recordo com saudade e até alguma nostalgia aqueles anos do jornal "O Independente" em que tínhamos tempo para conversar sobre política e Portugal. Sempre foste um diretor com quem os jornalistas mais novos, como eu, podiam trocar ideias com liberdade e entusiasmo, e aprendi muito naqueles tempos. Nem sempre estava de acordo contigo, mas sempre admirei o ânimo com que defendias aquilo em que acreditavas, e não tinha qualquer dúvida que, mais tarde ou mais cedo, irias entrar na política e cumprir o teu destino.
Ao longe, tenho observado os teus passos e nunca deixei de respeitar a dedicação que colocas em tudo o que fazes na vida pública nacional. É também por isso que hoje te escrevo. Sinto que nestes tempos, estamos todos a viver momentos fundamentais da nossa vida, e tu bem mais do que eu. Por isso aqui vai o que tenho para te dizer, peço-te para leres com atenção e refletires sobre estas palavras.
Hoje, terás de aprovar um orçamento para o nosso país, mas gostava que não o fizesses, pelas razões que passo a descrever. Em primeiro lugar, é um orçamento que impõe "um aumento enorme" de impostos, o que é só por si uma violência para os portugueses, já tanto fustigados pela terrível situação económica. É em si mesmo um aumento injusto, desproporcional, o maior desde que o país é uma democracia, o que é uma tragédia.
Em segundo lugar, é evidente que este aumento de impostos vai ter fortíssimos efeitos recessivos, atirando muitos portugueses para uma miséria triste e muitos outros para um abismo de dificuldades, e paralisando a já anémica economia do país. Como solução económica para os problemas de Portugal é uma hecatombe a somar à enorme desgraça em que já estamos.
Em terceiro lugar, é a repetição agravada de uma receita que não funcionou, nem em 2011, nem sobretudo em 2012. Parece já evidente para todos os portugueses que as soluções adoptadas, por mais bem intencionadas que fossem, tiveram resultados opostos aos desejados. Infelizmente, Portugal não está melhor do que há um ano e meio, bem pelo contrário, está pior. Ora, as pessoas inteligentes costumam aprender com a realidade, e se verificam que algo não correu como esperavam, devem corrigir o seu rumo, e não persistir numa estratégia teimosa e cega.
Além disso, e em quarto lugar, começam a aparecer sinais cada vez mais fortes de que, seja na Europa, seja entre os membros da "troika", há já uma consciência de que o "fanatismo austeritário" não está a funcionar. Mesmo o FMI, tantas vezes tão criticado, já teve a honestidade de reconhecer que os efeitos da austeridade foram muito mais nefastos do que previra, e que é tempo de adaptar os programas à situação específica com que se confronta cada um dos países em crise. Essa é uma "janela de oportunidade" que Portugal devia aproveitar, para moderar ou "calibrar", como agora se diz, a nossa política orçamental, tornando-a menos draconiana e mais positiva.
Em quinto lugar, apelo aos teus valores políticos, àquilo em que sempre acreditaste e defendeste. O CDS-PP, liderado por ti, sempre teve como bandeira política a luta contra o aumento dos impostos e da carga fiscal. Como pode agora apresentar como solução aos portugueses o maior aumento de impostos de sempre da nossa história? Como pode o CDS-PP tornar-se cúmplice desta política aterradora, quando sempre defendeu o contrário?
Em sexto lugar, relembro-te que há momentos essenciais na carreira de um líder político, momentos sem dúvida difíceis, mas que definem o futuro. Aqui há uns anos, aceitaste para primeiro-ministro um líder escolhido pelo PSD, Santana Lopes, que não tinha legitimidade para ser primeiro-ministro, pois nem sequer tinha sido eleito deputado. Para seres "responsável", formaste um Governo com ele, e foste atrelado a ele até ao seu colapso. A história teve consequências penosas para ti e para o teu partido, e era importante que não cometesses por estes dias um erro semelhante.
Se não te distanciares deste PSD e deste primeiro-ministro, e do grupo de fundamentalistas da austeridade que o suportam, onde se evidenciam Vítor Gaspar e António Borges, entre outros, irás amarrado a eles para um poço sem fundo, de onde será muito difícil saíres nos próximos anos, pois os portugueses não irão perdoar a quem tanto lhes fez mal.
Lembra-te que Portugal não é uma ideia abstrata. Portugal são os portugueses que cá vivem, todos eles, e por isso não é possível dizer que Portugal está no bom caminho quando todos os portugueses, com as raríssimas excepções do grupo de fanáticos atrás referido, se sentem angustiados, deprimidos e com medo do futuro. Não acredites pois nessa "chantagem" que muitos propõem, que nos obriga a ser "responsáveis" engolindo tudo, porque isso é uma falsidade. Responsabilidade não é obrigar as pessoas a saltarem para um abismo, mas descobrir uma alternativa a esse salto. Responsável é quem, mesmo correndo muitos riscos, é capaz de ter a coragem de dizer não a uma política suicida e inaceitável.
Espero que sejas capaz de recusar o "aumento enorme" de impostos que este primeiro-ministro e este ministro das Finanças querem impôr ao país. Muitos e muitos portugueses te apoiariam se o fizesses.
Um abraço com estima
Domingos Amaral