Durão Barroso, a fuga ao fisco e o populismo fácil
Não há político europeu que se preze que não se indigne contra a "fuga ao fisco"! E não há jornalista, comentador ou economista que não urre de indignação e fúria contra a "evasão fiscal"!
Deve ser dos temas mais consensuais do mundo actual. Do Papa ao mais perigoso esquerdista, do mais acérrimo neo-liberal ao mais feroz socialista, todos são a favor do "ambiente" e contra a "evasão fiscal".
Ser contra a evasão fiscal, os "off-shores", e as aldrabices gerais dos que fogem ao fisco é um grito populista, que põe imediatamente as pessoas do nosso lado.
Toda a gente está de acordo que, se os Estados pudessem "deitar a mão" a tanto "dinheiro sujo", os problemas do mundo ficavam magicamente resolvidos.
Quem dera! A verdade é que a questão é bem mais complexa do que o facilitismo populista de muitos deixa a entender.
Veja-se por exemplo o caso da Apple, a magnífica empresa multinacional "high-tech" cujo símbolo é uma maçã.
A Apple está presentemente a ser investigada pelas autoridades dos Estados Unidos por suspeitas de uma mega fuga ao fisco. E porquê?
Bem, o que se passa é que a Apple tem muitas sucursais na Irlanda, para onde transferiu os seus lucros mundiais, e obviamente por isso paga impostos muito mais baixos do que devia.
Na Irlanda? Mas, pergunto eu, o que é que isso tem de ilegal? Pois é, é aqui que a porca torce o rabo, por assim dizer.
Como todos sabemos há muitos anos, a Irlanda tem um IRC muito baixo, um dos mais baixos da Europa. E o que fizeram muitas empresas internacionais? Pois transferiram-se para a Irlanda, para pagarem muito menos impostos.
É ilegal? Não. É ilícito? Não parece. No entanto, é "fuga ao fisco", é evasão fiscal, pelo menos é o que pensam as autoridades americanas. E, ou me engano muito, ou a Apple vai ter mesmo de pagar uma pipa de massa ao fisco americano.
Eis pois como uma questão aparentemente boa - uma taxa mais baixa de IRC - se transformou com o tempo numa vergonhosa e descarada fuga ao fisco.
Seria disto que Durão Barroso falava, quando referia que a economia digital era das que mais fugia ao fisco? Ou falaria ele da Google, também uma grande empresa americana, também muito "high tech", e cujo CEO se orgulhou publicamente da forma como "fugia ao fisco"?
E, quando falamos de paraísos fiscais na Europa, estamos a falar de quê? De Chipre, da Irlanda, do Luxemburgo? É que são três países que usaram o fisco como "arma económica competitiva" mas que, como se vê, se transformaram com o tempo em maravilhosos..."paraísos fiscais na bancarrota"!
É por essas e por outras que eu, quando ouço falar na "necessidade de Portugal descer drasticamente o IRC" franzo sempre o sobrolho. É assim que começam os sarilhos. Hoje baixamos muito o IRC, amanhã chamam-nos "paraíso fiscal", e depois de amanhã vão-nos aos depósitos nos bancos!
Chipre e a Irlanda eram paraísos, mas agora são infernos. Seremos nós os próximos a ir nessa conversa?