Os vencedores e os mais ou menos

Em Portugal, é sabido, nunca ninguém perde as eleições. Líderes e partidos arranjam sempre uma forma de dourar a pílula e ver as coisas pelo prisma que mais lhes convém. Porém, há sempre vencedores mais vencedores do que os outros. Ora então vamos lá a ver.

 

1 - O grande vencedor é o Bloco de Esquerda.

É óbvio, passou de 8 para 19 deputados, uma vitória histórica para as meninas Catarina Martins, Mariana Mortágua e outras. O Bloco provou que ser radical e felino compensa, pois a esquerda dura gosta disso. Cresceu muito, e é o único que o pode dizer.

A partir da agora há porém um dilema. Continuará o Bloco radical, tentando crescer pela via ideológica? Ou sentirá a tentação de se aproximar do PS, para poder chegar ao Governo? Somados, o Bloco e o PS têm agora quase tantos deputados como a coligação PSD/CDS...

 

2 - O segundo grande vencedor é Marcelo Rebelo de Sousa.

A partir de ontem, o próximo presidente da República será uma personagem essencial para a vida do país, e Marcelo é de longe quem mais beneficia de uma vitória da coligação sem maioria absoluta.

Com Passos sem força para impor candidatos alternativos, com o CDS no bolso, com um PS fragilizado e uma esquerda dividida entre Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa, Marcelo ganhará quase de certeza, e até pode fazê-lo à primeira volta. Com o meu voto pode já contar.

 

3 - O maior derrotado é o PS de António Costa.

Apesar de ter tido melhores resultados que Sócrates em 2011, e que Seguro nas europeias, o PS de Costa fica muito longe daquilo que ambicionava, e nem sequer ultrapassa o PSD como o maior partido nacional. Costa terá a vida muito dura. Está entalado entre uma coligação mortinha por o destruir, as fações internas do PS mortinhas para ajustar contas com ele, e um Bloco de Esquerda mortinho por chegar ao poder. Se se fizer com a direita, Costa perde a esquerda; se se aliar à esquerda, Costa perde o centro político. Pode ter resistido ontem, mas tem uma via sacra pela frente.  

 

4 - Passos Coelho teve uma vitória de Pirro.

Como dizia Pirro, um grego, "mais uma vitória como esta e estou perdido". Passos pode dizer o mesmo. Há quatro anos, PSD e CDS foram separados às urnas e tiveram 50,5% na soma dos votos. Este ano, em coligação, ficam-se pelos 38,5%. Ou seja, a coligação é mais fraca hoje do que o PSD foi sozinho há quatro anos. Pelo caminho, perderam-se mais de 700 mil votos, uma enormidade, e foi-se a maioria absoluta. E, nas contas internas, as perdas do PSD são mais graves que as do CDS...

Passos terá de reconhecer que a sua governação, dura e demasiado à direita, é a principal responsável pela perda da maioria absoluta. O seu discuro de ontem foi humilde, mas a verdade é que será uma tortura para ele ter de entender-se com o PS e com o CDS ao mesmo tempo.  

 

5 - Portas tem razões para estar muito contente.

Em 2013, Paulo Portas quase dava cabo da sua carreira política, com a célebre "demissão irrevogável". Durante os últimos dois anos, muitos em Portugal repetiam que, se fosse sozinho, o CDS acabava. Pois bem, Portas levantou-se do chão, e negociou muito bem uma coligação, que apesar de perder a maioria absoluta mantém o CDS como o terceiro maior partido de Portugal.

Meter-se debaixo da asa de Passos foi uma estratégia muito esperta para o CDS e para Portas. Veremos é se o PSD, daqui a uns meses, não acha melhor fazer-se com o PS e deixar cair o CDS...

 

6 - Jerónimo de Sousa não conseguiu grande coisa.

Os comunistas até ganham um deputado, mas ser ultrapassado desta maneira supersónica pelo Bloco de Esquerda das meninas estreantes diz muito. O PCP foi incapaz de se adaptar às circunstâncias, e encontra-se à porta de um gueto, onde entrará e será remetido a uma total inutilidade se o PS e o Bloco se pensarem em entender.

O que pode fazer o PCP quando a esquerda mole é do PS e a esquerda dura é do Bloco? Pouca coisa... 

publicado por Domingos Amaral às 11:31 | link do post | comentar