Ainda se lembram do "que se lixem as eleições" de Passos Coelho?
Com a sua célebre frase "Que se lixem as eleições", Passos pretendia demonstrar que o interesse nacional estava acima dos seus cálculos eleitorais.
Contudo, se fosse um político com mais experiência, que Passos não tinha quando chegou ao Governo, ele teria farejado o perigo.
As políticas económicas e financeiras de um Governo, sejam elas quais forem, têm sempre consequências políticas.
Uma coisa é a economia teórica, outra a economia política.
Durante quatro anos, Passos desprezou tais consequências, enquanto aplicava com crença a sua "austeridade expansionista".
É falso ele vir dizer agora que "a austeridade era uma necessidade e não uma escolha ideológica".
A austeridade violenta que Passos aplicou foi uma escolha dele e de Vítor Gaspar, a que a "troika" deu a benção.
Muitos, desde 2011, vinham avisando a direita de que dureza a mais seria contraproducente.
Mas Passos insistiu. Cortou dois subsídios, em vez de um. Cortou várias vezes as pensões, em vez de só uma.
Tentou alterar a TSU, em vez de não ir por aí. E insistiu num aumento brutal de impostos, quando poderia ter feito um aumento bem menor.
Bem sei que a austeridade é fácil de explicar ao povo.
Gasta-se a mais, é preciso cortar despesa. Há pouca receita, é preciso subir impostos. Toda a gente percebe.
Porém, ser fácil de explicar não significa que não tenha consequências políticas, e elas estão à vista de todos.
Também noutros países da zona euro, a direita que aplicou a austeridade foi afastada do poder.
Em França, perdeu Sarkozy e venceu Hollande. Em Itália, perdeu Berlusconi e venceu Renzi. Na Grécia, perdeu Samaras e venceu Tsipras.
E, mesmo na Alemanha, Merkel foi obrigada a governar com o SPD, aceitando medidas de esquerda, como a subida do salário mínimo.
Por cá, não surpreende pois que a coligação PSD/PP tenha perdido a maioria absoluta.
A austeridade retirou a Passos e Portas cerca de 750 mil votos.
O país saiu do resgate, mas o preço político pago pela coligação foi bem alto.
Mais relevante ainda, a austeridade mudou a prática política nacional.
Quatro anos de dureza levaram ao impensável: a união das esquerdas em Portugal.
A cola que une o PS, o PCP e o Bloco é apenas a rejeição total de Passos e Portas.
Surpresa? Só para quem anda distraído. Na zona euro, nos últimos anos é a esquerda que tem vencido.
Não somos originais, e ou muito me engano ou algo semelhante se passará em Espanha, nas eleições de Dezembro.
Quando a direita despreza as consquências políticas da sua governação, o resultado só podia ser este.
Que se lixem as eleições? Pelos vistos e para já, quem se lixou foram Passos e Portas...