Quinta-feira, 22.11.12

Portugal está bem, os portugueses estão mal!

Nos últimos meses, verifiquei uma estranha esquizofrenia linguística no país, que passo a descrever. Quem ouça os políticos a falar, nota que há uma entidade chamada "Portugal" e há outra entidade chamada "os portugueses", e são coisas completamente diferentes, que pouco têm a ver uma com a outra.

Uma pessoa escuta o ministro Vítor Gaspar, o seu congénere alemão Schauble, a senhora Merkel, o Passos Coelho, ou o Selassie do FMI, e todos dizem, com indisfarçável orgulho, que "Portugal" é um exemplo, um caso de sucesso, e a sua recuperação é "extraordinária". Porém, os mesmos personagens reconhecem que "os portugueses" estão a viver dificuldades, que sofrem muito, que o desemprego dos "portugueses" é alto.

Então em que é que ficamos? Há uma distinção entre "Portugal" e os "portugueses"? Será que existem outros países chamados "Portugal" que eu não conheça? Será que os "portugueses" a quem eles se referem não somos nós?

Nada disso. A verdade é que existe uma entidade abstrata, chamada "Portugal". É apenas um nome, um item da alta finança, uma alínea de um programa de computador, e essa entidade está bem e recomenda-se. Os seus juros desceram e o seu ajustamento prossegue a velocidade de cruzeiro. "Portugal", enquanto marca financeira, está um brinquinho, todo ele lustroso e polido pela esfregadela que já levou. Não há qualquer problema com "Portugal", a não ser os problemas que os outros países nos podem trazer, os chamados "riscos", golpes feitos por mãos cruéis e que nos ameaçam tirar o brilho.

Além disso, existe depois outra entidade, mais concreta, chamada "os portugueses". Esses estão mal, pois infelizmente têm o azar de viver no mesmo local onde existe a tal entidade abstrata chamada "Portugal". Eles que não pensem é que existe qualquer contradição entre as duas coisas, é perfeitamente possível acontecer esta dualidade. O que verdadeiramente importa é "Portugal", e não "os portugueses". Esses, podem viver pior, mas desde que "Portugal" esteja bem, a coisa é perfeitamente suportável. 

Continuam confusos depois deste post? Eu também, pois pensava que Portugal e os portugueses eram uma e a mesma coisa, mas estava enganado. São entidades separadas, diferentes, e portanto não há qualquer impossibilidade teórica de terem destinos diferentes.  

publicado por Domingos Amaral às 11:36 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Segunda-feira, 19.11.12

A nossa dívida vai mesmo ser paga?

Será que os países que têm grandes dívidas externas as conseguem pagar? Para responder a esta questão, nada melhor do que ler o livro "This Time is Different, Eight Centuries of Financial Folly". Escrito pelos economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, é um magnífico trabalho sobre crises de dívida, crises de inflação, crises cambiais e crises bancárias, em mais de 200 países, durante os últimos 800 anos, e só é pena não estar ainda publicado em português.

A sua leitura, que terminei este fim de semana, é também um verdadeiro duche de água gelada para quem tenha ilusões sobre as crises financeiras, em qualquer país do mundo, seja ele europeu, americano do norte ou do sul, asiático ou africano. Se há coisa em comum entre os países, sejam pobres ou ricos, é que em oito séculos, todos foram atingidos por muitas crises financeiras, e quase todas elas acabaram da mesma maneira.

Quais são os principais ensinamentos desta investigação? Reinhart e Rogoff demonstram que as graves crises financeiras provocam profundas quedas no PIB (em média mais de 9 por cento, ao longo de vários anos); aumentos acentuados do desemprego (em média, mais de 7 por cento); quedas no preços do imobiliário (cerca de 35 por cento, em média); e fortes quedas nas bolsas (de 56 por cento no preço das ações, em média).

Mais grave ainda, o valor das dívidas dos governos tende a explodir durante estas crises, aumentando cerca de 86 por cento face à dívida anterior à crise, devido aos custos de resgates aos bancos e à recapitalização do sistema bancário, mas também devido ao inevitável colapso das receitas fiscais dos Estados, que fazem os deficits orçamentais aumentarem consideravelmente, entre 3 a 15 pontos percentuais. 

Evidentemente, o risco soberano dos países cresce muito, bem como a aversão do capital estrangeiro a esses países durante as crises, cujo tempo de duração pode chegar por vezes aos 10 anos, como foi o caso na Grande Depressão, que começou em 1929 e só terminou com a 2ª Guerra Mundial.

E, para que não alimentemos ilusões, Reinhart e Rogoff mostram que são raríssimos os casos dos países que conseguiram pagar a sua dívida externa através de políticas de austeridade, ou de crescimento pela via das exportações, pois normalmente estas crises financeiras são globais e nenhum país consegue exportar muito quando todos os outros estão também em crise, como acontece no presente.

Qual é então a solução? Reinhart e Rogoff defendem que a solução mais eficaz é a reestruturação da dívida, ou renegociação, com um default parcial, pois é a única maneira de libertar as economias de um fardo tão pesado. Nos casos em que isso se verificou, o tempo de recuperação das crises foi muito menor. Ao fim de 2 ou 3 anos, os países saíram da crise, em vez de permanecerem 8 ou 10 anos num marasmo agonizante.

No caso europeu, a necessidade de reestruturação é já evidente em Portugal, mas também na Irlanda, em Espanha e em Itália, para não falar na Grécia. Foi isso aliás que Reinhart disse por video-conferência na passada sexta-feira, a uma plateia de importantes banqueiros portugueses, entre os quais o Governador do Banco de Portugal. "Não tenho boas notícias para vós", foi a sua frase inicial. 

Infelizmente, Merkel, Passos Coelho e Gaspar continuam obstinadamente a acreditar em milagres, e a crise europeia prolonga-se sem fim à vista. Convinha que alguém lhes dissesse que, em 800 anos de história, não se conhecem milagres económicos destes, e que se paga um preço altíssismo e inútil por teimosias deste calibre.   

publicado por Domingos Amaral às 11:45 | link do post | comentar
Quarta-feira, 14.11.12

Os portugueses têm culpa?

Nas últimos dias muitos têm escrito que eu não reconheço que os portugueses têm muita culpa da situação a que chegámos. Nada mais falso. Nunca aqui escrevi que não éramos responsáveis pela nossa dívida, nem que não a devíamos tentar pagar.

Querem falar de culpados? Falemos então. A dívida pública portuguesa ronda os 200 mil milhões de euros. Sim, leram bem, 200 mil milhões de euros. Destes, há parcelas que convém destacar:

- 30 mil milhões de euros são dívidas das empresas públicas, incluindo as empresas de transportes (CP, Carris, Metro de Lisboa, Metro do Porto, TAP, etc) que são responsáveis por 20 mil milhões, e as outras empresas (RTP, Lusa, etc), que são responsáveis pelos restantes 10 mil milhões.

- 8 mil milhões são dívidas das autarquias locais, embora haja quem admita que esse valor possa chegar aos 12 mil milhões, pois ainda há dívida "oculta".

- 6,3 mil milhões são dívidas da Madeira, embora também neste caso haja quem diga que, se trouxermos para a superfície mais dívida que está "oculta", este valor chega aos 8 mil milhões.

- 6,6 mil milhões são as dívidas que o Estado contraiu junto da "troika" para resgatar 3 bancos - o BCP, o BPI e Caixa Geral de Depósitos. 

- 3,5 mil milhões são a dívida contraída pelo Estado para resolver o buraco do BPN. 

- 3,5 mil milhões é o valor da dívida actual vinda das PPP (parcerias público-privadas), embora a "troika" ainda não tenha aceite que a totalidade desse valor seja registado como dívida pública.

Estes são os números oficiais do Ministério das Finanças, e se somarmos estas seis parcelas, chegamos a um total de 57,9 mil milhões de euros, o que é quase 30 por cento do total da dívida pública portuguesa. Ou seja, quase 30 por cento dos 200 mil milhões, aconteceram porque as empresas públicas foram mal geridas, as autarquias viveram num regabofe, a Madeira se encheu de túneis, os bancos tiveram de ser ajudados, um deles devido a uma burla (BPN), e o país construiu demasiadas auto-estradas, de que não necessitava.

Culpados? Sim, é evidente que há culpados. O PS de Sócrates, o PSD de Jardim, Barroso e Santana, o PP de Portas (e nem sequer falei nos submarinos, que nos custaram mais de mil milhões de euros); os banqueiros que financiaram esta orgia despesista, e as grandes empresas de construção civil, que se empaturraram com muitas destas obras. Portugal ficou cheio de luxos inúteis como o Metro do Porto, as estações maravilhosas do Metro de Lisboa, estádios de futebol aonde ninguém vai (Aveiro, Leiria, Algarve), submarinos caríssimos e obviamente alemães, SCUTs na província onde passa um carro em cada dez minutos e é com sorte, e muitos maravilhosos aquedutos na Madeira, para os ingleses verem quando lá vão de férias.  

Sim, há culpados, e não são poucos. Sim, eu sei que a culpa é dos portugueses, e desta gente toda que teve responsabilidades. Nunca irei branquear nada, nem ninguém. Porém, isso não significa que a forma de sair da crise seja a austeridade defendida por Merkel e Passos Coelho. Por mais culpas que os portugueses tenham, e são muitas, não é a austeridade que vai resolver o problema da dívida, bem pelo contrário. A austeridade agrava a dívida, que já subiu para quase 120 por cento do PIB! Assim, quanto mais pagamos, mais devemos, e a história não vai ter um fim feliz para ninguém. 

publicado por Domingos Amaral às 12:03 | link do post | comentar | ver comentários (6)
Segunda-feira, 12.11.12

Querida Angela Merkel

Ainda te lembras porque é que Hitler chegou ao poder em 1933? Não era má ideia leres uns livros da história do teu próprio país, e talvez assim te recordasses que foi graças às terríveis políticas de austeridade praticadas pelo chanceler Heinrich Bruning, que ficou conhecido pelo sinistro cognome de "chanceler da fome", que Hitler ganhou as eleições em 1933.

Durante apenas três anos, entre 1930 e 1933, a Alemanha viveu uma fortíssima recessão, que gerou um desemprego colossal, e uma parte da população caiu numa atroz miséria, dando origem ao famoso "ovo da serpente", a desordem geral que possibilitou a ascensão de Hitler ao cargo de chanceler da Alemanha. Para os que não sabem, convém sempre lembrar que não foi a hiperinflação dos anos 20 que gerou os nazis, mas sim a austeridade dos anos 30. 

Também em 1930, e é disso que te devias recordar, havia quem dissesse que todos tinham "vivido acima das suas possibilidades" durante a década de 20, e que só com "austeridade" se recuperaria a "confiança" na economia alemã. Infelizmente, nada disso aconteceu, e a recessão económica agravou-se brutalmente, lançando a Alemanha, e a Europa, numa década de horrores.

É por isso que escrevo, para te recordar as profundas semelhanças entre os anos 30 e estes que estamos a viver. Também nessa época se tinha uma crença enorme que, fazendo "ajustamentos" às economias, elas iriam entrar de novo nos carris. Também nessa época se acreditava que, se os países "descessem os seus custos salariais", iriam ser de novo competitivos. Também nesses tempos se dizia que, "se os governos lançassem impostos e cortassem nas despesas" o equilíbrio das suas finanças públicas se recompunha.

Porém, isso nunca aconteceu. Os "ajustamentos" falharam, e só trouxeram miséria aos povos e uma crise geral à Europa. Nesses tempos, tal como agora, toda a gente queria exportar e ninguém queria importar, e todos se esqueceram que se ninguém importa, também ninguém exporta.

A Europa é hoje muito diferente do que era nos anos 30 do século passado, mas quem pensar que as lições dessa época não nos servem está enganado. Todas as tuas opiniões sobre esta crise são, de forma perturbadora, semelhantes às opiniões que existiam nesses tempos negros. Também tu defendes a "austeridade", a "desvalorização salarial", o corte abrupto nos "deficits orçamentais". Também tu te agarras à esperança de que assim a "confiança" voltará aos mercados.

Contudo, a realidade não te dá razão. Há três anos havia uma crise na Grécia, e problemas em Portugal e na Irlanda. Hoje, há uma catástrofe na Grécia, uma crise grave em Portugal, na Irlanda, em Espanha e em Itália, e começam já a chegar fortes problemas a França e até ao teu país, a Alemanha. A crise, em vez de ser contida, expandiu-se, e ameaça de novo a estabilidade do euro. 

A pior coisa que fizeste à Europa foi dividi-la entre países credores e países devedores. Traçaste uma linha, um muro de Berlim financeiro, entre aqueles que "se tinham portado bem" e aqueles "que tinham vivido acima das suas possibilidades". Sem qualquer hesitação ou dúvida, foi criada por ti uma profunda falha tectónica no euro, distinguindo entre os "cumpridores" e os "pecadores". A partir dessa data, algures em 2009, a Europa entrou numa nefasta crise, da qual ainda não se viu livre.

Contigo ao leme, querida Angela, a Europa aproxima-se de um perigoso precipício. Os próximos meses serão terríveis, e talvez em 2013 todos percebam finalmente que foste tu a principal responsável por ter colocado a Europa na boca deste inferno. Nessa altura, todos os que me criticam irão infelizmente ser forçados a reconhecer que foram avisados. 

publicado por Domingos Amaral às 10:49 | link do post | comentar | ver comentários (15)
Segunda-feira, 05.11.12

Merkel e as economias "zombies"

Eis o famoso "Plano Merkel" para salvar a Europa: mais cinco anos de austeridade! Qual apoio aos investimentos, qual alívio, qual carapuça! Angela Merkel disse este sábado o que tem de ser feito: toma lá mais cinco anos de austeridade, que é a única maneira de melhorarmos todos! Eis a Bruxa Má da Europa (como já aqui lhe chamei) em todo o seu esplendor! O que ela quer é transformar-nos em "zombies"!

Julgo que partiu de Fernando Ulrich a sugestão de que ela apresentasse, na sua visita próxima a Lisboa, um "plano Merkel" para salvar a Europa. Mas, pelos vistos, a senhora não o ouviu, nem quer saber de ideias diferentes para resolver a grande crise que a Europa atravessa. Para a majestosa chanceler germânica, que interessa que a crise desgaste a Grécia, a Irlanda, Portugal, Espanha, Chipre ou Itália?

Que interessa que os juros tenham voltado a subir para estes países, que o desemprego não pare de crescer, que as economias afocinhem numa recessão cruel, sem qualquer sinal de esperança? Isso são pormenores insignificantes. O fundamental é que a Alemanha está pujante e confiante, e é certamente por isso que Merkel acabou de ser aumentada e bem! É verdade: enquanto em toda a Europa se diminuem os salários por imposição alemã, a Bruxa Má da Europa é aumentada e já ganha mais de 20 mil euros por mês!

E diz Ulrich que os gregos não têm de se queixar, pois estão vivos! Talvez "mortos-vivos" seja uma definição melhor. A austeridade que a Sra Merkel tem imposto à Grécia transformou os gregos numa espécie nova de seres humanos: os "zombies" económicos. A economia grega é hoje uma "economia zombie". As empresas gregas estão mortas-vivas, os bancos gregos são mortos-vivos, o Estado grego é um morto-vivo. Andam devagar e abanam-se lentamente, como os desgraçados da série "Walking Dead", da Fox. Ninguém sabe o que fazer à Grécia, ninguém sabe como a ressuscitar, e lá sofrem eles sem cura, "zombies" trágicos desta Europa que, em vez de os tentar salvar, os afunda ainda mais num lamaçal podre. 

Nós não estamos muito melhor. Portugal, ao contrário do que diz a propaganda do Governo, está no mau caminho. Os juros da dívida voltaram a subir, já estamos em 6º lugar no índice dos países mais próximos da bancarrota, as agências de rating falam na possibilidade cada vez mais forte de um segundo resgate, e até a imprensa económica internacional (o Financial Times ou o The Economist) já diz que Portugal não vai conseguir sair da armadilha da dívida e da deflação onde o Governo, a troika e a Sra Merkel o enfiaram.

Também nós, tal como a Irlanda, Chipre, a Espanha e a Itália, estamos em plena metamorfose económica,  cada vez mais "zombies". Não serão precisos cinco anos, bastam um ou dois de mais austeridade para passarmos a "mortos-vivos" económicos. Talvez seja essa a ideia da Sra Merkel, transformar os países do Sul e da periferia em economias "zombies", para então a Alemanha poder reinar à vontade, sem ninguém que enfrente a sua hegemonia. É um destino maravilhoso não é? Uma Alemanha forte, cercada por economias "zombies". 

publicado por Domingos Amaral às 11:00 | link do post | comentar
Segunda-feira, 29.10.12

A Grécia é um buraco negro!

Na Grécia, correu tudo mal. E ninguém parece ter aprendido a lição. Este fim de semana, a "troika" propôs que os países europeus "perdoassem" cerca de 50% do dinheiro que emprestaram à Grécia. Sim, leu bem, metade do dinheiro que os europeus emprestaram para "salvar" a Grécia está praticamente perdido. E reparem que isto não é nenhum partido de esquerda a falar, mas sim a própria "troika", que vem finalmente reconhecer o que muitos dizem há muito tempo, que as soluções europeias falharam rotundamente, e a "austeridade" só agravou a situação.

Três anos depois, é por demais evidente que todos perderam. Perderam os gregos, cuja economia está de pantanas, e em recessão económica profunda há vários anos. Perderam os credores privados, que há uns meses suportaram perdas de 80 por cento nos seus empréstimos, e agora vão perder os países europeus, que serão obrigados a encaixar perdas de metade dos empréstimos oferecidos. Se isto não é um desastre económico, não sei o que é um desastre económico. Se isto não é um absoluto falhanço, não sei o que é um absoluto falhanço. 

Com o desemprego altíssimo, o sistema político à beira do colapso, a extrema esquerda quase a chegar ao poder e a extrema direita a crescer todos os dias, a Grécia transformou-se num país miserável e perigoso, e toda a Europa devia aceitar que tem muitas culpas no cartório. A solução da "austeridade", imposta pela Alemanha da Sra Merkel, e implementada pela "troika", foi o mais incompetente falhanço económico das últimas décadas, e chega a ser aterrador que a Europa persista em impôr este caminho errado.

E para quem defende que nós somos diferentes dos gregos, é importante lembrar que não somos assim tanto, e por cá as coisas aproximam-se assustadoramente dos mesmos resultados. A recessão impera, o desemprego cresce, o sistema político sofre convulsões sucessivas, o rácio da dívida pública sobre o PIB não pára de crescer, e muito em breve chegaremos à situação grega, e seremos forçados a reconhecer que não vamos conseguir pagar as nossas dívidas.

A austeridade brutal que se anuncia para 2013, tão do agrado desde PSD e deste ministro das Finanças, vai empurrar Portugal cada vez mais para uma situação semelhante à da Grécia. O próprio FMI já avisou que Portugal vai ter uma recessão prolongada. Só os cegos, os fanáticos e os teimosos persistem em não ver que o abismo se aproxima...  

publicado por Domingos Amaral às 11:10 | link do post | comentar
Segunda-feira, 22.10.12

A Bruxa Má da Europa

Angela Merkel é a Bruxa Má da Europa. Como as bruxas más das histórias para crianças, tudo tem feito para ser odiada por todos os europeus, excepto os que ainda acreditam que ela não é uma bruxa má mas sim uma bela rainha, que são muitos dos alemães, mas não todos. Merkel consegue ser odiada na Grécia, na Irlanda, em Portugal, em Espanha, em Itália, no Reino Unido, e agora até começa a ser cada vez mais odiada em França, o que não deixa de ser preocupante para a Europa.

A única coisa que a Bruxa Má tem oferecido aos europeus não-alemães são palavras azedas, recusas de ajuda, moralismos rápidos, e muitas maçãs envenenadas. Desde 2009, tem sido ela o grande travão a uma Europa diferente. No início, lembro-me bem, chegou mesmo a recusar o "resgate" dos países em dificuldades, e a dizer que a Grécia talvez devesse sair do euro. A Bruxá Má foi porém obrigada a reconhecer que estava errada, e lá acabou por aceitar os resgates. Depois, não queria mecanismos europeus de ajuda financeira. Disse que não três vezes, mas à última da hora lá teve de os aceitar.

De seguida, a Bruxa Má não queria o Banco Central Europeu a comprar dívida dos países, para ajudar a baixar as taxas de juro. Recusou várias vezes, mas depois teve de aprovar. Agora, é a vez da "união bancária", aceitou-a a contragosto mas tenta sabotá-la e adiá-la o mais possível. A Bruxa Má não quer resolver a crise europeia, quer apenas fazer o mínimo possível para o euro não implodir, e de caminho ganhar as suas eleições em Setembro de 2013. É esse o seu único plano: resistir no poder, dizer que não, e os outros europeus que se lixem.

Como todas as bruxas más, esta também não resiste a dar-nos maçãs envenenadas. Desde 2009 decidiu que a única receita para a crise é a "austeridade". À bruta, se for preciso. O pior é que acha genuinamente que isso nos vai salvar! A maçã é luzidia, parece tão saborosa vista de fora! Mas, quando nos entra pelo estômago dentro, começa logo a largar o seu veneno, e rapidamente nos aniquila. E a Bruxa Má lá se vai embora, consciente que nos transformou em meras belas adormecidas, semi-mortas.

Assim, a Bruxa Má vai reinando, deixando a Europa cada vez mais sombria, abafada pelas crises, envenenada pelas maçãs que a Bruxa Má nos vai obrigando a engolir. Mas, como todas as bruxas más, esta também se esqueceu que se envenenar os povos, a alegria vai-se e o reino torna-se mais triste. O que nos vale é que, mais tarde ou mais cedo, vai aparecer um Princípe, e nesse dia o reinado de Merkel chegará ao fim. Quando um dia a Bruxa Má se olhar ao espelho e perguntar se há alguém mais belo do que ela, o espelho vai rachar-se em mil bocadinhos. 

publicado por Domingos Amaral às 12:41 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 16.10.12

Falcões e Pombas

Quando Kennedy era presidente americano, inventou-se uma divisão política dentro da sua administração, a propósito da crise dos mísseis de Cuba. De um lado, existiam os "falcões", que defendiam uma intervenção radical, uma linha dura, que preferia o conflito. Do outro, estavam "as pombas", que propunham uma linha mais moderada e razoável, que preferia a diplomacia. Foi uma famosa divisão, e a partir dessa data, em muitos assuntos quase sempre se consegue dividir o mundo entre "pombas e falcões". Na actual crise, europeia e portuguesa, há "falcões" da austeridade e "pombas" orçamentais, há "falcões" de esquerda ou de direita e há até pessoas ou instituições que mudaram de campo, há um ano eram "falcões" e agora já são "pombas". Aqui vai a minha divisão:

 

"Falcões de direita" - São aqueles que defendem a linha dura, a austeridade a todo o custo como única forma de sair da crise, o "aumento enorme" de impostos deste orçamento. Em Portugal, este grupo é encabeçado pelo primeiro-ministro, Passos Coelho, tem em Vítor Gaspar o seu campeão, e em António Borges o seu "guru" espiritual. Têm com eles parte do PSD, alguns empresários e banqueiros, parte cada vez menor da opinião pública, mas ainda muito apoio na comunidade financeira e em alguma imprensa, nacional ou internacional. Lá fora, estão neste grupo Merkel e o Bundesbank, e por vezes o próprio BCE. 

 

"Pombas de direita" - São aqueles que defendem uma linha mais moderada, com menos impostos e mais cortes na despesa. Têm mais preocupações sociais com o desemprego e com as empresas, e estão profundamente desiludidos com o fracasso da "linha dura" em 2012. Em Portugal, este grupo inclui o CDS-PP de Portas, muitos sociais-democratas, como Manuela Ferreira Leite; a maior parte das confederações patronais, a maioria da opinião pública de centro-direita, e um apoiante de peso: o Presidente da República, Cavaco Silva, que não se cansa de colocar alertas no Facebook. Internacionalmente, o líder deste grupo é Mario Monti, primeiro-ministro italiano. 

 

"Falcões de direita que passaram a pombas" - Este grupo é encabeçado pelo FMI, que há ano e meio era muito duro, mas agora já está, e ainda bem, muito mais moderado e já reconhece que a austeridade "não está a funcionar". Neste grupo inclui-se também muita imprensa, especialmente a económica, que há um ano dava gritos de alegria e júbilo pela chegada da "troika", e agora já urra de indignação com o aumento de impostos. A julgar pelas sondagens, a maioria da opinião pública também teve um comportamento semelhante. 

 

"Falcões que, em certos dias e a certas horas, quase parecem pombas" - Neste grupo há dois exemplos. O primeiro é Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, que de manhã diz que o BCE pode ajudar os países em dificuldades, e à tarde diz que eles têm de aplicar a "austeridade". O segundo exemplo é obviamente Durão Barroso, que de manhã lava as mãos dizendo que as medidas são decididas pelos governos e não pela União Europeia, e à noite diz que a "austeridade é necessária".

 

"Pombas de esquerda" - São aqueles que, mesmo a contragosto, aceitaram o "memorando da troika", mas que acham que a "receita" do Governo é errada e que existem mais alternativas. Este grupo é obviamente liderado pelo PS de António Seguro, mas tem na UGT e em João Proença o seu porta-voz mais credível. Há alguns economistas, nacionais e estrangeiros, que se alinham por aqui, como Paul Krugman ou Sitglitz, ou o português João Ferreira do Amaral. É um grupo que tem algum apoio da opinião pública e de certos comentadores famosos, e onde se inclui também o ex-presidente Jorge Sampaio. 

 

"Falcões de esquerda" - Não aceitam o "memorando da troika", e por vezes dizem que Portugal não deve pagar a dívida, que alguns consideram "ilegítima". Há ainda uns quantos que defendem a saída do euro. É aqui que se junta a esquerda caviar e a esquerda comunista. Incluem-se neste grupo a CGTP, com o seu novo líder Arménio Carlos, o PCP e o Bloco de Esquerda, e muitas personalidades independentes, que se reuniram recentemente no Congresso das Alternativas. É o grupo que defende a rua e as manifestações como forma de deitar o Governo abaixo.

 

"Pombas de esquerda que viraram falcões" - Embora seja um grupo minoritário, têm um apoiante de peso, Mário Soares. Relembre-se que Soares foi um dos principais responsáveis por insistir junto de José Sócrates que pedisse "ajuda internacional" e aceitasse o "memorando da troika". O antigo presidente, sempre  muito orgulhoso das suas ideias, revelou até ao país que esteve várias horas ao telefone com Sócrates, para o fazer aceitar a chegada da "troika". Um ano e meio depois, Soares transformou-se num dos mais ferozes lutadores contra a "troika" e o Governo, provavelmente sem ter ainda percebido que foi com a sua ajuda e dos seus telefonemas que a "troika" aterrou na Portela e Passos Coelho ganhou as eleições. Mas, enfim, a um ex-presidente permite-se tudo... 

publicado por Domingos Amaral às 12:17 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 19.09.12

Os ignorantes atrevidos

Angela Merkel já veio dizer que, mesmo que o povo proteste, Portugal não pode em caso algum suspender a "austeridade". Infelizmente para a Europa e para Portugal, a Sra Merkel está rotundamente errada. Desde 2009 que os melhores e mais reputados economistas do mundo têm avisado que a austeridade só causa recessão e não resolve o pagamento da "dívida soberana". Pelo contrário, só agrava a situação.

Já o escreveram muitas mentes brilhantes, como os prémios Nobel da Economia, Paul Krugman e Joseph Stiglitz; o economista Nouriel Roubini, o único que previu a crise financeira mundial de 2008; o professor Paul de Grauwe, o melhor especialista em economia europeia; Martin Wolf, o melhor analista económico, que escreve no Finantial Times; ou mesmo George Soros, o bilionário e investidor financeiro que publicas as suas ideias no New York Review of Books. Todos eles, sem excepção, já explicaram que a "austeridade causa recessão, e a recessão leva à queda das receitas fiscais e ao aumento da despesa em subsídios de desemprego, e por isso aumenta o deficit orçamental dos países", o que torna quase impossível o pagamento das "dívidas soberanas".

A austeridade provoca quedas bruscas no PIB, e como o stock de dívida permanece constante, aumenta o peso da dívida sobre o PIB. Por exemplo em Portugal, há cerca de ano e meio a "dívida soberana", ou dívida pública, era de uma dimensão idêntica à do PIB do país. Ou seja, a "dívida soberana" era 100 por cento do PIB anual. Hoje, perto do final de 2012 e graças à "austeridade", esse valor já é superior a 110 por cento! Portugal, depois da austeridade, tem mais dificuldade em pagar as dívidas e não menos, como era objectivo dos programas da "troika". Há três anos, o problema era menos grave do que é hoje, e daqui a três anos será mais grave do que é hoje. Cada ano que passa, estamos pior. Se não fosse trágico, era um erro cómico! Se Passos e Merkel fossem estudantes era certinho o chumbo a Macroeconomia!

Como são políticos e estão no poder, ninguém sabe até quando vai durar a sua teimosia e cegueira intelectual, bem como a fé imensa de muitos outros "fanáticos da austeridade", que por aí peroram nos jantares e nos cafés, nos jornais e nas televisões. Mas que se está a agravar o problema, disso ninguém tenha dúvidas. A austeridade mata lentamente um país, como está a matar lentamente a Grécia e Portugal, e deixa-nos mais pobres e cada vez menos capazes de pagar as nossas dívidas. Quem disser o contrário é porque se recusa a ver a realidade dos números, coisa que os inteligentes economistas que citei neste texto nunca fizeram, e por isso são os melhores do mundo. 

Contudo e infelizmente para muitos de nós, a ignorância costuma ser muito atrevida, e o planeta está cheio de ignorantes atrevidos. Como o sr. Passos Coelho ou a sra Merkel, por exemplo. Em economia, são uns ignorantes, mas lá atrevimento não lhes falta.     

publicado por Domingos Amaral às 11:59 | link do post | comentar | ver comentários (14)
 

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