Sexta-feira, 05.07.13

Os ataques furiosos a Paulo Portas dão-me vontade de rir

Churchill dizia que na guerra só se pode morrer uma vez, mas na política pode morrer-se várias vezes, e por isso ele preferia ser político.

Ao ler a imprensa neste dias, e ao ouvir muitos comentadores na televisão, parece que Portas já morreu, politicamente.

Mais, parece-me mesmo que há muita gente com vontade de o matar, tal é a fúria e a raiva contra a sua demissão. 

Curiosamente, formou-se nos últimos dias uma enorme "aliança anti-Portas", que consegue o inesperado feito de ser muito mais convicta do que era a aliança pró-governo, que também existia.

De repente, mesmo os que, no centro-direita, diziam mal deste Governo, agora já o desejam em funções, e urram contra Portas, chamando-lhe todos os nomes.

Quem compõe esta inesperada aliança anti-Portas?

Bem, em primeiro lugar, o PSD, com as suas múltiplas cabeças falantes.

Marcelo, Jardim, Marques Mendes, até Santana, já vieram esta semana atacar violentamente o líder do CDS, eles que em certos casos, passaram dois anos a criticar o governo...Mas pronto, o PSD é assim, os seus líderes são maus, mas a culpa é sempre de Portas e do seu carácter!

Em segundo lugar, aparece a direita dos interesses, a direita da finança, furiosa e assustadissima com as consequências. Então não é que o malfadado Portas vai pôr em causa o nosso dinheirinho? Ai jesus, olhem para as taxas de juro! 

Esta direita está obviamente a borrifar-se para o facto de existirem mais de 1 milhão de desempregados, o país estar em recessão profunda, o deficit estar nos 10,6%, a carga fiscal estar a esmagar os portugueses, e a dívida já ir nos 127% do PIB. Que interessa isso? Desde que o nosso dinheirito não esteja em causa...

Segue-se a direita da "Lei e da Ordem", formada por pessoas muito sérias e responsáveis, que quer dar boa imagem do país, e sempre achou Portas um líder imprevisível e amalucado.

Para esta direita, não se podem admitir "birras" destas. As pessoas sérias não se portam assim, isso é coisa de maluquinhos. Pois...

A acrescentar a toda esta tropa, há ainda uma espécie nova, recém-nascida, que é a dos "comentadores de direita". É aqui que se encontra a maior ferocidade anti-Portas, e têm-se escrito nos jornais insultos como eu nunca tinha visto sobre ninguém.

Os Camilos, os Tavares, os Raposos, os Guerreiros, pegam nas suas augustas penas (ou teclados) e desatam a insultar: "idiota", "fedelho", "traidor", e por aí fora, a ver quem vence o campeonato do insulto fácil. E ainda dizem que a net é só insultos...Pelos vistos, o estilo rasquinha da net chegou à imprensa "mainstream" e respeitável.

Contudo, esta estranha aliança, este estranho unanimismo "politicamente correcto da direita", tem sido bem fraquinho nos argumentos. Quase só ataca o carácter de Portas, nesta coisa muito tuga que é discutir o acessório e o teatral para não ter de discutir o essencial.

A todos escapa um ponto importante: é que as divergências entre Portas e Passos são profundas e tocam em quatro áreas fundamentais.

Portas está contra a política económica deste Governo, e quer que ela mude. Já percebeu que a austeridade não funciona, e que só mudando a política se salva o país.

Portas está contra o alinhemento internacional de Portugal com a linha dura da Alemanha e da austeridade, e quer uma postura negocial diferente com "esses senhores" da troika, como ele lhes chama.

Portas está contra a relação de poder absloutamente desquilibrada que Passos estabeleceu entre o PSD e o CDS, que é insultuosa e humilhante.

Por fim, Portas está contra o "estilo de liderança" de Passos, arrogante e unilateral.

É evidente que, para que todos percebessem que chegou a hora da verdade, era preciso tomar uma atitude drástica. Passos Coelho, em dois anos, nunca quis saber desses "detalhes".

Porém, quem não percebe a bem, percebe a mal.

É por isso que estes furiosos ataques a Portas me dão vontade de rir. Todos, de uma forma ou de outra, têm passado o último ano a criticar Passos. Mas quando alguém quer mudar verdadeiramente as coisas, toca de o insultar e matar em público.

O que vale é que, como dizia Churchill, em política se pode morrer muitas vezes.  

publicado por Domingos Amaral às 10:11 | link do post | comentar | ver comentários (12)
Segunda-feira, 29.04.13

Portas e Gaspar: chegou ao fim o casamento de conveniência?

Segundo li no Expresso, o último conselho de ministros, de sexta-feira passada, foi um sarilho de Estado. De um lado, Vítor Gaspar, sempre fiel ao seu fanatismo austeritário; do outro um novo grupo, formado por vários ministros do PSD e encabeçado por Portas.

Rezam as crónicas que este último terá ameaçado demitir-se, se os cortes propostos por Gaspar fossem avante. E, no braço de ferro que aconteceu na reunião, Portas tinha com ele, não só os ministros do CDS, mas também quatro ministros do PSD, porque afinal ainda há gente lúcida naquele partido.

Paulo Macedo, Paula Teixeira da Cruz, Aguiar Branco e Álvaro Santos Pereira, todos defenderam que a austeridade louca com que Gaspar se prepara mais uma vez para brindar o país, é uma tragédia e não trará nada de bom, nem a Portugal, nem ao Governo.

Cortes e mais cortes, nos salários e nas pensões, como propõe o fanático Gaspar, só trarão mais recessão e desemprego, e afundarão na desgraça e na miséria o povo. 

É bom saber que há gente no Governo que tem a noção das coisas, mas parece-me que isso, sendo boa notícia para o país, não augura nada de bom para este Governo.

É que Passos Coelho está ainda demasiado inclinado para apoiar Gaspar. Ambos têm sido paladinos intensos da austeridade "à la Merkel". Quase que se pode dizer que a Alemanha tem em Passos e Gaspar os seus mais fiéis escudeiros.

Quando, por essa Europa fora, se vão multiplicando as vozes que gritam contra a loucura da austeridade, desde Barroso a Schultz, desde a Grécia à Irlanda, desde a França à Itália, é espantoso de ver como só Passos e Gaspar ainda defendem a via germânica.

Cada vez mais isolados, Passos e Gaspar são completamente subservientes perante a Alemanha de Merkel e Schauble, e fazem tudo o que eles defendem ou mandam.

Contudo, são eles que nos governam. Passos é o número 1 e Gaspar o número 2, o restante Governo terá de se submeter às suas vontades, e portanto à visão germânica que postula a continuação de uma austeridade feroz.

Os ministros Macedo, Cruz, Branco e Pereira bem podem espernear e guinchar contra Gaspar, mas não conseguem alterar a sua determinação. Ou se submetem ou são substituídos, essa é que é essa.

Quanto a Paulo Portas, já vimos este filme umas vezes. Se lhe perguntarem se está de acordo, dirá que não está. Se lhe perguntarem se tentou alterar o rumo das coisas, dirá que tentou. Se lhe perguntarem se no final acabou por aprovar tudo, acabou por aprovar tudo.

Por mais murros na mesa que Portas dê, por mais ameaças que faça, já sabemos que, no final, lá acabará por ir a reboque de Passos e Gaspar, e marcará mais umas viagens pelo mundo para promover os nossos azeites, chouriços e produtos afins.

A vida é o que é, e as pessoas são o que são, e não há ainda em Portas a força para traçar uma linha vermelha e dizer: daqui não passam.

Era melhor para Portugal que Portas acabasse com esta farsa de uma vez por todas e esclarecesse o país que, ou Gaspar saía do Governo e as políticas mudavam, ou saía ele.

Porém, não creio que Portas seja capaz de tal acto de coragem histórica. O casamento de conveniência entre este PSD e este CDS, embora já degradado e triste, infelizmente para todos nós, deverá continuar.

Um dia, muita gente se irá arrepender de não ter tido a coragem de dizer não a este desastre que se abateu sobre Portugal. Mas, parece-me que esse dia ainda não será amanhã, data de um novo conselho de ministros onde se afundará, mais uma vez, o país. 

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Sábado, 06.04.13

As quatro opções de Passos Coelho

Perante a decisão do Tribunal Constitucional, ontem conhecida e que foi na direção esperada, o primeiro-ministro Passos Coelho tem quatro opções. A saber:

 

1 - Desdramatizar e continuar no mesmo rumo.

É a opção defendida por Eduardo Catroga. O Governo aceita a decisão, embora não esteja de acordo, e procura novas medidas, sobretudo para 2014, para cortar no deficit. Pelo caminho, Passos pode substituir algumas peças do Governo, remodelando um ou dois ministros, mas mantém o rumo da política económica, ou seja, mantém Vítor Gaspar. Esta é a opção preferida pela "troika" e sobretudo pela Alemanha, que não quer mais crises na Europa até Setembro, data das eleições alemãs. Para Portugal, há óbvias vantagens de credibilidade internacional nesta opção, embora internamente seja mais do mesmo: mais impostos em 2014, mais cortes, mais recessão. 

 

2 - Desdramatizar, mas mudar o rumo.

É a estratégia defendida por Marcelo Rebelo de Sousa. O Governo aceita a decisão do TC mas aproveita-a para uma alteração fundamental da sua estratégia política e económica. Muda-se o discurso da austeridade a todo o custo, e passa-se a defender o crescimento económico com medidas que o apoiem. Há uma remodelação profunda do Governo, com a saída de Vítor Gaspar o mais depressa possível, e a chegada de outro ministro das Finanças com ideias menos radicais. Era a melhor solução para Portugal, mas ninguém acredita que Passos a implemente, pois ele olha ainda para Gaspar como se ele fosse um deus na Terra.

 

3 - Dramatizar, demitir, e ir para eleições em AD

É uma estratégia radical, que passaria pelo discurso da impossibilidade de governar nestas condições e pela necessidade de uma nova legitimidade eleitoral. Passos demitia-se e pedia ao Presidente da República para convocar eleições para Junho, e pelo caminho fazia uma coligação pré-eleitoral com o CDS-PP. Essa nova AD apresentava-se a eleições com Gaspar como o seu homem forte das Finanças, e fazia campanha contra tudo e contra todos, contra o PS e contra Sócrates, contra a esquerda e contra o Tribunal Constitucional. É obviamente uma estratégia de alto risco, mas podia funcionar. É provável que, em AD pré-eleitoral, Passos e Portas conseguissem ficar à frente de António José Seguro e do PS. No dia seguinte às eleições, ou a AD tinha maioria absoluta e continuava a governar mas com muito mais força e legitimidade; ou a AD não tinha maioria absoluta e então teria de governar com o PS, que por essa altura já teria outro líder...

 

4 - Dramatizar, demitir e ir para eleições cada um por si

É também uma estratégia radical, com a demissão e convocação de eleições, mas sem uma AD entre Passos e Portas. Neste caso, parece-me que isso seria entregar o ouro ao bandido, ou seja, nesse caso o mais provável é o PS de Seguro ficar à frente do PSD, embora sem maioria absoluta. Seria o fim de Passos, e o PSD teria de encontrar um novo líder que conseguisse ir governar com Seguro e Portas, numa grande coligação a três. É pouco provável que este caminho suicida seja escolhido pelo PSD, mas nunca se sabe...

publicado por Domingos Amaral às 12:51 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Quarta-feira, 03.04.13

Se parece um nabo, normalmente é um nabo!

Os americanos têm um excelente provérbio: quando algo se parece com um pato, anda como um pato e grasna como um pato, é porque é um pato!

É isso que eu sinto nos últimos tempos em relação a António José Seguro: se parece um nabo, se age como um nabo e se fala como um nabo, então se calhar é porque António José Seguro é mesmo um nabo!

Depois de um Outono razoável, Seguro perdeu-se durante o Inverno e está a evidenciar uma nabice pura com a chegada da Primavera. Não sei se terá sido a pressão de António Costa ou a do regresso de Sócrates que o desequilibrou, mas a verdade é que ele todos os dias me parece menos capaz.

Seguro anda atarantado. Num dia lança uma moção de censura, sem dizer quando, e pede eleições antecipadas, sem dizer para quando. No outro, grita que quer renegociar o memorando com a troika. Mas, no entretanto, escreve cartas à mesma troika, para que ela não se assuste com a "instabilidade", dando garantias de ferro sobre a sua fidelidade aos compromissos internacionais. 

Por um lado, grita contra a austeridade, mas por outro, desestabiliza o país, falando em eleições antecipadas. Com que propósito? Estará o PS de Seguro convencido de que ganhava as eleições agora, se elas fossem convocadas por Cavaco, por exemplo para Junho?

Se assim é, convém alguém dizer a Seguro que, com ele à frente do PS, essa garantia não existe, bem pelo contrário. A julgar pelas sondagens, o país não tem grande crença no António José. 

Por outro lado, e embora Passos sempre tenha dito que ia governar sem pensar nas eleições, essa é uma declaração datada. Se a decisão do Tribunal Constitucional for muito dolorosa para o Governo, obrigando-o a alterar de cima a baixo o orçamento, Passos pode bem despoletar uma crise, e alegar que assim não consegue governar o país. E depois?

Bom, e depois preparem-se para a nova AD. Sim, preparem-se, pois o mais certo é Passos e Portas fazerem uma aliança pré-eleitoral, com listas conjuntas, e apresentarem-se unidos às eleições, contra Seguro e o seu PS. 

Se há coisa que tem sido óbvia no último mês é a permanente aproximação do CDS ao PSD. Depois da crise da TSU e curadas as feridas, há agora entre Portas e Passos muito mais em comum, pois Passos já percebeu que sem Portas vale muito menos. A arrogância inicial de Passos esbateu-se na dureza da crise, e ele precisa cada vez mais do CDS.

Pé ante pé, o centro-direira juntou-se sem quase darmos por isso. Aliás, o regresso intempestivo de Sócrates só ajudou ao clima de pré-união. O ódio que existe nas bases do PSD e do CDS a Sócrates unificou o centro-direita, é uma cola poderosa como nenhuma outra.

E alguém duvida que, irmanados e aliados numa AD, Passos e Portas teriam mais votos do que Seguro e o seu PS? Acho que não há dúvidas. Com uma AD pré-eleitoral, Passos e Portas podiam não ter maioria absoluta, mas ficariam sempre à frente do PS de Seguro. Depois, poderiam até chamá-lo para um governo a três, mas sempre com o PSD a comandar. É isso que Seguro quer?

Se não é, parece. Esta moção de censura que hoje se vota é uma tontaria. Pedir eleições neste momento é um erro colossal do PS de Seguro. Se as eleições fossem convocadas agora, uma AD ganhava sempre ao PS de Seguro, e ficava quase tudo na mesma. Para quê então perder tempo em eleições?

 

PS: É claro que o PS pode sempre deixar cair Seguro e apresentar António Costa às eleições, mas um golpe de teatro desses é capaz de ser agora mais difícil...E também não é certo que Costa vencesse uma AD unida.

 
publicado por Domingos Amaral às 12:03 | link do post | comentar | ver comentários (6)
Quinta-feira, 28.03.13

Sócrates, guerra e paz

José Sócrates veio de Paris para trazer a guerra política a Portugal. Ontem, na RTP, foram feitas verdadeiras declarações de guerra, contra os inimigos do costume e outros. Cavaco, Passos, Seguro, "a direita" em geral, que se cuidem, que ele não brinca em serviço e ataca com contundência.

O principal problema de Sócrates não é porém o que ele diz, mas o que ele é, ou representa. Com o seu estilo agreste, tenso e conflituoso, Sócrates não gera emoções positivas, embora nos dê que pensar. É um estranho alimento para o cérebro, mas não para o coração.

O vínculo emocional com a maioria dos portugueses já se quebrou, e não é com prestações como a de ontem que se recupera. As pessoas ouvem Sócrates, mas dificilmente simpatizam com ele. Estão ainda cansadas do personagem, desgatadas pela sua passagem pelo poder. Não passou tempo suficiente para as emoções se reinventarem.

Sócrates parece uma espécie de ex-marido que tem razão em muito do que diz, mas de quem a mulher já não consegue gostar. Pode temê-lo, ou mesmo respeitá-lo, mas já não o ama, nem o quer. 

Contudo, Sócrates tem razões, e várias. Tem razão quando diz que foi a crise financeira de 2008 que castigou em demasia a economia portuguesa. Tem razão quando diz que fez tudo para evitar o resgate a Portugal, ao contrário do PSD e de Cavaco, que para o atirarem abaixo defenderam o resgate. E tem razão quando diz que foi o chumbo do PEC IV que precipitou o resgate.

Além disso, tem também razão quando diz que o PSD alterou profundamente o memorando negociado com a troika, e que foi isso que precipitou a recessão; ou quando diz que a dívida pública já subiu mais com o PSD, entre 2011 e 2012, do que com ele, entre 2008 e 2010.

Porém, ter razão em muitas questões de fundo não altera nada. A verdade é que Sócrates nunca conseguiu convencer nem os portugueses, nem os outros partidos ou o Presidente da República, das suas razões, e por isso foi derrotado nas eleições. A sua capacidade de liderança e de persuasão estava completamente esgotada em finais de 2010, e ter razão não lhe valeu de nada. 

Um político ou um líder só são bons, não quando têm razão, mas quando conseguem convencer o seu povo a segui-los, independentemente de terem ou não razão. E isso Sócrates deixou de conseguir. Tinha cometido demasiados erros, e tratado mal tanta gente, que os portugueses estavam cansados dele, e já não o desejavam a conduzir os destinos do país. Por isso perdeu.

É evidente que um país no estado em que está, muito pior do que quando Sócrates saiu, lhe dá uma oportunidade imprevista e imprevisível. Mas, não nos iludamos. Ele continua a ser a mesma pessoa de sempre. E ter razão não muda nada.

Se ontem Sócrates, em vez de perder tempo com ataques menores a certos jornais ou certos assessores, tivesse reconhecido mais erros próprios, e sobretudo se tivesse mudado o registo agreste e conflituoso em que fala, talvez as emoções dos portugueses fossem diferentes. Assim, foi mais do mesmo. Igual a si próprio, em guerra com tudo e com todos. E Portugal neste momento não precisa de mais guerra, precisa de calma.

Sim, quando estamos dentro de um buraco, é preciso deixar de escavar. Mas também é preciso deixar de andar aos berros e à estalada com todos, e isso Sócrates não consegue. Veio de Paris para trazer a guerra, mas esbarra com um país que não a deseja. 

 

publicado por Domingos Amaral às 12:18 | link do post | comentar | ver comentários (11)
Quinta-feira, 10.01.13

Já começou a revolução neoliberal?

Odeio revoluções. São precipitadas, causam enormes sofrimentos, e só servem para atrasar o desenvolvimento económico dos países. Se as revoluções fossem boas, o Haiti era riquíssimo. E não me interessa a cor delas. Não tenho pachorra para cravos, vermelhos ou brancos. 

Em 1975, já tivemos um PREC (Período Revolucionário em Curso) de esquerda. E agora parece que iremos ter um PREC de direita. O relatório do FMI, se for levado à prática, provocará uma revolução no país. Tão profunda e precipitada como a que tivemos em 1974 e 75, só que de sinal contrário.

É importante relembrar que o PREC de esquerda foi uma tragédia. Nacionalizou milhares de empresas, paralizou a banca, degradou a economia, e deu exagerados poderes, e direitos, aos trabalhadores. Com ele, Portugal perdeu anos de desenvolvimento.  

Agora, está em preparação um PREC de direita, um PREC neoliberal, tão utópico e precipitado como o anterior. Milhares de funcionários públicos para a rua, 20 por cento é o número avançado pelo FMI! Cortes drásticos nos salários, mudanças violentas na função pública, na educação, na saúde. Um arraso no Estado, que para os neo-liberais é o grande Satanás!

É evidente que há importantes diferenças entre os dois PREC. O PREC de esquerda atacou os bancos, os ricos, os industriais, os grupos económicos. Já o PREC de direita proteje os bancos e as grandes empresas, mas ataca os funcionários públicos, os remediados, os professores, os desempregados e os pensionistas.

Mas, há uma relevante semelhança entre os dois PREC: o timing errado. O PREC de esquerda foi feito em má hora, depois de uma grande subida dos preços do petróleo. Já o PREC de direita é anunciado quando o país está mergulhado numa profunda crise. Cortar 4 mil milhões de euros à despesa do Estado é cortar 2% do PIB, e agravar a recessão. Se os desempregados já são 800 mil, despedem-se mais 150 mil pessoas? E para quê, para lhes ter de pagar indemnizações e subsídios de desemprego? Como é possível pagar a dívida do país com quase 1 milhão de pessoas sem trabalho? 

E o pior de tudo é que, depois da revolução e como é costume, teremos de aturar a contra-revolução. Se a direita aplica o seu PREC agora, daqui a uns tempos perde as eleições e aparece a contra-revolução de esquerda, que anula a maior parte das medidas agora tomadas. Já vi o filme várias vezes, e é isso que acontece quando não se procura um consenso social, e se faz as coisas à pressa.

Sejam de que cor forem, os PREC não prestam. Se a estabilidade política tem ajudado Portugal a vencer a crise, para quê estragá-la com uma revoluçãozinha neoliberal?

   

publicado por Domingos Amaral às 14:10 | link do post | comentar
Segunda-feira, 01.10.12

Os "adiantados mentais"

O principal problema deste governo, e principalmente do PSD, é que está repleto de "adiantados mentais". Os "adiantados mentais", ao contrário dos "atrasados mentais", são pessoas que estão muito à frente do seu povo, em inteligência, cultura e saber. Os "adiantados mentais" são seres que estão num patamar superior, num pedestral de sapiência e lucidez a que obviamente os outros portugueses, por mais que se esforçem, não conseguem chegar. E, naturalmente, os "adiantados mentais" sofrem horrores por terem de partilhar a vida com os outros, que consideram uma casta inferior sem ponta por onde se lhe pegue.

Devido a esta alergia à casta dos inferiores, os "adiantados mentais" não conseguem manter dentro de si as suas ideias. Volta meia volta, lá abrem as comportas da alma e soltam as ideias que, por pura boa educação ou cortesia, tinham reprimido durante tanto tempo.

Veja-se por exemplo, António Borges. É claramente um "adiantado mental", um ser de raça superior, pertencente a uma casta de génios que, sendo tão rara, devia ser conservada em formol. Para ele, os empresários não passam de uns "ignorantes"! Por ele, "chumbava-os"! Evidentemente, sendo um "adiantado mental" tão brilhante, Borges despreza todos os "atrasados mentais" que tiveram o descaramento de ser contra as suas grandiosas e fulgurantes ideias.

Mas, há mais exemplos neste governo. Por exemplo, o ministro Macedo, que mesmo não parecendo no fundo também é um "adiantado mental", revelou a semana passada o seu desprezo pelas "cigarras", uma forma enfabulada de chamar "preguiçosos" a muitos portugueses. E que dizer do senhor primeiro-ministro, Passos Coelho? Embora com aquele seu ar calmo não lembre um "adiantado mental", lá no fundo da sua alma existe um cérebro que pensa mais rápido que todos nós, os "piegas", os que "devem aproveitar o desemprego para mudar de vida", ou os que devem "encarar a emigração como uma oportunidade".

Eis um "adiantado mental" em todo o seu esplendor, a falar com o povo com um paternalismo de mestre-escola, ao mesmo tempo dando lições de moral e iluminando possíveis saídas para o futuro. É evidente que os "adiantados mentais" adoram promover a emigração, assim o país teria menos "atrasados mentais" que os incomodassem.

O problema dos "adiantados mentais" é que são cada vez menos. Sem que eles compreendessem porquê, o número de "adiantados mentais" desceu vertiginosamente nas últimas semanas, enquanto cresceu exponencialmente o número dos "atrasados mentais". Dia após dia, o país embrutecia à frente dos cada vez mais raros génios incompreendidos que não se calavam. Neste momento em que escrevo, é aliás quase certo que o número de "adiantados mentais" está reduzido a sete ou oito pessoas do PSD, que por junto cabiam num bote. Passos, Borges, Braga de Macedo, Gaspar, Moedas, Santos Pereira, Relvas e pouco mais, é o que resta da espécie em vias de extinção acelerada dos "adiantados mentais".

Consta que a polícia os tem de proteger, e está em "Alerta Amarelo" porque a casta dos "atrasados mentais" anda de cabeça perdida, a babar-se em arremessos de raiva, e há receio que os "adiantados mentais" sejam molestados...Talvez fosse melhor que os "adiantados mentais" emigrassem, assim por uns tempos, para ver se as coisas acalmam. Talvez encontrem, numa qualquer ilha semi-deserta do Pacífico, um grupo de "adiantados mentais" semelhante, e com eles possam ficar a discutir teorias económicas e o sentido da vida.

Era certamente melhor para o PSD. É que, se estes "adiantados mentais" duram muito tempo à frente dos destinos do partido, é bem possível que o PSD se torne, todo ele, um partido "adiantado mental", e se veja de repente brutalmente rejeitado pelos cada vez mais numerosos "atrasados mentais" que saltitam por esse Portugal fora. É sempre isso que acontece às elites vanguardistas de "adiantados mentais": um belo dia acordam e, sem saberem bem porquê, são atiradas pela borda fora...

   

 

publicado por Domingos Amaral às 10:52 | link do post | comentar | ver comentários (13)
 

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