Quarta-feira, 08.01.14

Sócrates ou os perigos da internet

É muito fácil manipular as pessoas na internet.

Na RTP, José Sócrates contou que, no dia do Portugal-Coreia do Norte, em 1966, quando saiu de casa Portugal perdia por 3-0, e quando chegou à escola já a seleção vencia por 5-3.

A ideia era realçar os feitos de Eusébio, mas a cotação de Sócrates em certas almas é tão baixa, que logo correu a net que ele tinha contado mais uma mentira.

Foi o blog "O Insurgente", assinado por Ricardo Campelo Magalhães, que lançou a confusão.

O autor insinua que o relato socrático não podia ser verdadeiro, pois o Portugal-Coreia do Norte jogou-se a 23 de Julho de 1966, que foi um sábado!

Parecia evidente ao autor deste comentário que Sócrates contara mais uma das suas petas, e foi isso que pegou fogo à net.

As pessoas que já têm o preconceito formado, de que Sócrates é mentiroso, caíram de imediato na esparrela.

Então não se estava mesmo a ver que o homem tinha inventado aquela historieta para se fazer interessante?

Acontece que, antes de escrever na net é preciso ter algum cuidado, não vá escapar-nos alguma coisa.

E de facto, ao Ricardo Campelo Magalhães escapou um detalhe: é que em 1966 havia aulas ao sábado de manhã, e à tarde havia outras actividades escolares.

Além disso, existiam actividades escolares e outras (escuteiros, etc) nas escolas até ao final de Julho!

Ou seja, no dia 23 de Julho, um sábado, Sócrates podia perfeitamente ir à escola àquela hora, e portanto não há qualquer razão para desconfiar da veracidade da sua história.

Não que eu seja grande admirador da personagem, mas este episódio é um excelente exemplo de como é fácil as pessoas correrem atrás de foguetes!

publicado por Domingos Amaral às 10:22 | link do post | comentar | ver comentários (163)
Segunda-feira, 06.01.14

Eusébio e o eco na eternidade

No filme "O Gladiador", há uma frase muito bonita que transmite bem o que penso sobre Eusébio.

Num discurso às tropas, antes de um combate, o general romano Maximus (Russel Crowe) declara:

"O que fazemos na vida, faz eco na eternidade".

 

Eusébio, os seus golos, as suas fabulosas jogadas pelo Benfica, as suas lágrimas por Portugal, fará eco na eternidade.

Daqui a cem anos, ou mesmo daqui a mil anos, ainda haverá que veja os filmes dos seus talentos dentro do campo.

É assim sempre com os génios.

Hoje ainda ouvimos a música de Mozart ou Beethoven, e ainda lemos as obras de Shakespeare ou Eça.

Não precisamos de ter sido contemporâneos deles para apreciar, com admiração e emoção, aquilo que fizeram. 

É por isso que eu não estou de acordo quando me dizem que eu não vi jogar Eusébio.

Vi e não vi.

Não vi porque nasci em 1967 e quando comecei a adorar futebol já ele estava no fim da sua carreira.

Mas, vi-o sempre, a vida toda, em imagens e sempre verei.

A magia da televisão permite-nos isso e Eusébio, um dos pais fundadores do futebol da era moderna (com Di Stefano, Bobby Charlton ou Pelé), emocina-me hoje como se eu estivesse lá para viver o que se passou, em 62 ou 66.

Eu vi, e vou continuar a ver porque coisas daquelas são para ver e rever e admirar sempre.

Coisas dessas, maravilhosas, vão continuar a fazer eco, pela eternidade fora.

publicado por Domingos Amaral às 11:26 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 17.12.13

Draghi acabou com as esperanças de Passos?

Sem ser muito específico, Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, foi ontem taxativo quando disse que Portugal precisará de outro programa quando acabar o programa da "troika".

O que quer isto dizer? Se bem entendi as palavras de Draghi, isto significa que ele não acredita numa solução à irlandesa, numa "saída limpa", direta para os mercados.

Portugal, apesar da melhoria da situação económica e sobretudo financeira, não terá ainda em Junho capacidades para andar pelo seu próprio pé, e portanto vai precisar de algum tipo de ajuda.

Na verdade, se formos mais precisos, teremos de reconhecer que Draghi não afasta totalmente a possibilidade de um segundo resgate, mas é suficientemente subtil para não abrir a porta a mais especulações.

Portanto, o mais provável, para o presidente do BCE, é Portugal precisar do chamado "programa cautelar", uma espécie de assistência do BCE às idas ao mercado para vender dívida.

Quais serão as regras desse programa, ainda ninguém sabe, e foi essa uma das razões porque a Irlanda quis seguir sozinha, temendo a confusão europeia.

É provável que Portugal não consiga fazer o mesmo, mas talvez seja ainda cedo para ter certezas.

Daqui até Junho ainda muita água vai correr.

Mas, se assim for e Portugal tiver necessidade de um programa cautelar, será apenas uma meia vitória para o Governo de Passos.

Sair do programa da troika é uma vitória política, mas seguir para um cautelar é menos bom, pois continuará a austeridade forte.

publicado por Domingos Amaral às 11:07 | link do post | comentar
Quarta-feira, 27.11.13

A Alemanha acabou de virar à esquerda, e ainda bem para nós!

Com o acordo hoje anunciado na Alemanha, entre o SPD e a Sra Merkel, o país vai virar um pouco à esquerda.

Merkel, apesar de contrariada, aceitou a imposição de um salário mínimo mais elevado, e também o crescimento da despesa pública alemã, nomeadamente com mais investimentos públicos em estradas.

De repente, Merkel é obrigada a fazer o que não fez, aumentar a despesa pública!

Essas são boas notícias para a Europa, para o euro e para Portugal.

A Alemanha, país mais rico, é um rebocador das outras economias europeias, e gastando mais pode puxar pelas outras, que exportarão mais.

É o contrário do que Merkel fez durante os últimos quatro anos, e que tanto mal provocou na Europa.

Desde 2009 que muitos vinham pedindo que ela estimulasse a economia alemã, mas ela resistiu teimosamente, sempre defendendo a austeridade, sem perceber que assim agravava a crise europeia.

Quem me lê, sabe bem que não admiro em nada a Sra Merkel. Acho-a lenta a raciocinar, pouco inteligente e com um grave preconceito contra certos países do Sul.

Nos últimos quatro anos, à frente de um Governo com os liberais, Merkel foi tudo o que uma líder europeia não devia ser.

Foi ela que gerou uma enorme crise de confiança no euro, ao dizer em finais de 2009 que a Alemanha não pagava a dívida dos outros países.

A partir daí, a eurozona andou à deriva, e só estabilizaria em 2012, quando Mário Draghi prometeu fazer tudo para "salvar o euro".

Mas, a desastrosa influência de Merkel não se viu só nessas frases assassinas.

Durante vários anos, tentou sabotar qualquer solução europeia da crise.

Tentou evitar os mecanismos de estabilidade europeia, tentou sabotar a intervenção do BCE, e ainda continua a tentar evitar a união bancária.

Em vez de liderar a Europa, na procura de uma solução europeia integrada, que fizesse a zona euro sair da crise, Merkel manteve o discurso obstinado em defesa da austeridade, obrigando os países da Europa do Sul a suportarem sozinhos um ajustamento duro e rápido.

O resultado está à vista de todos: o desemprego aumentou muito na Europa, os países do Sul estão numa recessão dura, a deflação é agora o maior perigo que a zona enfrenta, e por fim, prova dos nove de como as políticas de austeridade falharam, as dívidas soberanas, em vez de terem descido, subiram!

Veja-se o caso de Portugal, por exemplo.

Há quatro anos, em Janeiro de 2009, a taxa de juro da dívida pública rondava os 6%, e o stock total de dívida ia nos 150 mil milhões de euros.

Quatro anos de dura austeridade depois, a taxa de juro continua a rondar os 6%, mas o stock de dívida é agora de 230 mil milhões de euros!

Com mais desemprego, mais impostos e mais recessão. Pior era difícil.

Porém, na Europa, todos já perceberam que a austeridade germânica não leva a lado nenhum.

Finalmente, a partir de agora, será a própria Alemanha a ter de mudar. A viragem à esquerda da Alemanha, contra a vontade da Sra Merkel, é pois uma boa notícia para nós. E para o euro também. 

publicado por Domingos Amaral às 12:17 | link do post | comentar
Segunda-feira, 18.11.13

As 7 razões porque 2013 está a ser melhor que 2012

Parece evidente a todos que a economia portuguesa está melhor em 2013 do que esteve em 2012.

O desemprego baixou um pouco, e a recessão não foi tão forte, com dois trimestres seguidos de algum crescimento.

O déficit orçamental não baixou muito, mas também não piorou, e as taxas de juro da dívida estão agora abaixo de 6%.

Mas, o que é que mudou entre 2012 e 2013?

Muita coisa, e convém perceber o quê.

 

1) Lá fora, mudou o ambiente financeiro.

Em 2012, as taxas de juro da dívida portuguesa, e de quase todos os países europeus, foram vítimas de enorme instabilidade, com crescimentos muito acentuados.

Porém, a partir de Setembro, quando o BCE anunciou o programa OMT, as coisas desanuviaram, e esse diminuir das tensões prolongou-se por 2013.

Tanto o BCE, como sobretudo o FED americano e o Banco do Japão, aplicaram uma política monetária expansiva em 2013, com quedas das taxas de juro ou "quantitative easing".

É sobretudo por isso que se verifica uma calmaria nos mercados das dívidas públicas, pois os investidores, "os mercados", têm mais garantias de liquidez e portanto não estão tão desconfiados.

E foi sobretudo isso que permitiu à Irlanda voltar "aos mercados", e poderá auxiliar Portugal nesse objectivo em 2014.

 

2) Lá fora, as bolsas internacionais têm estado a subir.

Uma das consequências da política monetária expansiva que tem sido seguida nos EUA, no Japão e um pouco na Europa, foi a subida das bolsas internacionais.

Em 2013, as bolsas de Nova Iorque batem recordes, e as europeias e japonesas também têm estado sempre a subir.

Além do que isso significa em termos psicológicos, há também um "efeito riqueza" que se vai espalhando à economia.

Como as suas carteiras de ações se valorizam, os consumidores podem aproveitar para consumir mais, e as empresas para investir. 

 

3) Lá fora, houve várias economias que melhoraram os seus crescimentos económicos.

A América continuou a crescer, o Japão começou a crescer, a na Europa, a Alemanha e o Reino Unido também conseguiram algum crescimento.

Até a própria Espanha, tão deprimida em 2012, melhorou a sua situação!

Embora a China tenha estado abaixo do esperado, há indicadores que os chineses irão estimular mais o seu mercado interno, e isso já se sentiu um pouco em 2013.

Os rebocadores da economia mundial, embora tenham crescido pouco, estão pois em terreno positivo, e isso possibilitou a que os países mais pequenos, como Portugal, tenham conseguido exportar mais em 2013 do que em 2012.

 

4) Cá dentro, sentiu-se a melhoria do cenário internacional.

As exportações portuguesas beneficiaram com os crescimentos de vários países, e bateram vários recordes.

Além do mérito nacional, isso só foi possível porque as "economias rebocadoras" aumentaram a procura dos nossos bens.

No teatro financeiro, Portugal também beneficiou muito das descidas das taxas de juro da dívida que a actuação dos bancos centrais europeu e americano possibilitaram. 

Por fim, também a nossa bolsa de Lisboa esteve bem, sobretudo no segundo semestre de 2013, o que valorizou muito as carteiras dos que têm valores mobiliários, e produziu um efeito positivo extra, que pode ter tido algum efeito positivo no consumo.

 

5) Cá dentro, o turismo português teve um ano excelente.

Seja por mérito próprio, seja devido à instabilidade no Norte de África, que desviou para Portugal muitos turistas, a verdade é que o ano foi muito bom, o que permitiu uma entrada de receitas adicional que muito jeito nos deu. 

Esta crescimento adicional foi importante para compensar os efeitos negativos da recessão interna.

Foram os estrangeiros que nos ajudaram, e o mesmo aconteceu à Grécia.

 

6) A economia portuguesa adaptou-se melhor ao aumento do IRS do que aos cortes na despesa.

Em 2012, os cortes nos subsídios de férias e Natal, e os muitos cortes em despesas intermédias do Estado, provocaram uma recessão interna muito cavada. O desemprego disparou, e o PIB caiu muito mais do que se esperava, tendo por isso também diminuído muito as receitas fiscais.

A brutal austeridade provocou uma brutal recessão.

No entanto, em 2013 a política orçamental mudou.

Em vez de cortar à bruta na despesa, o Governo subiu o fortemente IRS.

O que se verificou, em 2013, foi que a economia absorveu muito melhor o aumento do IRS, e a recessão foi muito menos forte.

Aumentar os impostos provocou menos danos do que cortar na despesa, é essa a lição a retirar.

 

7) O Tribunal Constitucional deu, mais uma vez, uma boa ajuda à economia.

O veto do TC ao corte de um dos subsídios em 2013 ajudou a economia portuguesa.

Ao impedir que o Governo aplicasse esse corte, o TC permitiu que esse dinheiro fosse parar ao bolso das pessoas, ajudando a economia pela via do consumo.

Em vez de criticar TC, o Governo devia agradecer ao TC por ter ajudado ao crescimento da economia.

Embora não exista ainda qualquer "milagre económico", algum do crescimento económico que existiu em 2013 deve-se ao TC e não ao Governo.  

 

Em resumo: 2013 foi melhor do que 2012, mas era bom perceber que, se o Governo tivesse feito o que queria, cortar os 2 subsídios a funcionários e pensionistas, provavelmente não estaria agora a festejar o regresso ao crescimento económico, pois a recessão teria sido bem mais forte, como foi em 2012.

A estranha conclusão é esta: este Governo beneficiou, não das suas políticas desejadas, mas daquilo que foi obrigado a fazer contrariado.

E é pena que ainda não tenha aprendido a lição, e que anuncie para 2014 mais cortes na despesa.

Já devia ter percebido que isso é pior para a economia do país, e no limite para o próprio Governo.

 

 

publicado por Domingos Amaral às 10:49 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Sexta-feira, 08.11.13

Europa: a armadilha da dívida e da deflação

Ontem, o sr. Mario Draghi, governador do Banco Central Europeu, admitiu pela primeira vez que a Europa pode estar confrontada com um novo e grave problema, a deflação!

A deflação é o oposto da inflação, é um processo continuado de descida de preços, e é tão perigosa ou mais que a inflação.

Numa deflação, as pessoas esperam que os preços desçam, e por isso não consomem, pois amanhã poderão comprar mais barato do que hoje.

Portanto, em vez de consumirem, poupam.

Assim, o crescimento económico é mais difícil, e é isso que se está a passar na zona euro, e por isso Draghi desceu as taxas de juro do BCE.

Mas, a deflação traz outro grave problema: embora os preços dos bens e dos ativos desçam, as dívidas não descem de valor, pelo contrário, há um aumento real do seu valor!

Com deflação, é muito mais difícil pagar dívidas, e é esse também o drama da zona euro, sobretudo dos países que estão muito endividados, como Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha, Itália ou Chipre.

Porém, ninguém se deve espantar que isto esteja a acontecer.

Já nos anos 30, o economista Irving Fischer tinha escrito sobre esta situação, a chamada "armadilha da dívida e da deflação". 

Nessa armadilha, quando os países caem nela, quanto mais dívida pagam, mais devem!

Os esforços para reduzir a dívida, se forem muito pronunciados, se a austeridade for muito forte, provocam recessão, e isso leva à subida da dívida em percentagem do PIB!

É o chamado "paradoxo da desalavancagem": quando todos cortam as despesas ao mesmo tempo, isso gera uma tal contração, que todos ficam pior no fim, ainda com mais dívida.

Ao mesmo tempo, a deflação faz com que as pessoas poupem mais, e nasce o segundo paradoxo, o "paradoxo da poupança"!

Supostamente, é boa ideia poupar, ainda por cima em tempos difíceis como os que atravessamos. Contudo, se toda a gente poupar ao mesmo tempo, consome-se menos e a economia encolhe.

Lembram-se de Passos Coelho ter dito recentemente que os portugueses "tinham poupado demais"?

Pois é, tanto os assustaram, e tanto lhes cortaram o rendimento disponível, que eles se assustaram e pouparam muito, o que retraiu ainda mais a nossa economia!

São esses mecanismos que geram o sarilho em que a Europa está hoje metida.

A cruzada austeritária liderada pela Sra Merkel deu nisto: uma Europa sem crescimento económico, cheia de desempregados, e confrontada com o drama da deflação!

As fúrias contra a despesa do Estado, os ajustamentos austeritários, os programas das "troikas", conduziram a Europa a este terrível cenário.

E, pelo meio, os únicos que estão bem são os alemães, que batem recordes de excedentes comerciais, enquanto os outros se afundam em déficits.

O caminho da austeridade está a dar cabo da Europa, de Portugal e de vários outros países, e mais tarde ou mais cedo vai gerar-se um abismo entre os alemães e todos os outros. 

Ou as políticas europeias mudam, e se volta a apostar no crescimento e na despesa dos Estados, ou todo o edifíico do euro e da união monetária ficará em risco, e a divisão entre um Norte rico e um Sul pobre vai provocar um cisma poderoso!

 

publicado por Domingos Amaral às 12:36 | link do post | comentar
Segunda-feira, 04.11.13

O 1640 do Dr. Portas é um divertido delírio!

Na semana passada, Paulo Portas teve um dos seus momentos de delírio, e comparou a saída da "troika" à libertação de Portugal do jugo dos Felipes de Espanha.

2014 seria assim um 1640 financeiro, um momento épico da história do país, onde voltaríamos a ser gloriosamente independentes! 

Estas comparações históricas não deixam de ser divertidas, mas são normalmente um bocado superficiais, e não resistem a um confronto mais pormenorizado com a realidade.

Convém lembrar ao Dr. Portas que, em 1640, Portugal era um reino cujo rei era espanhol.

Depois de umas escaramuças, e de um vazio de liderança por cá, os reis espanhóis tomaram conta disto, e mandavam em nós.

A "ocupação" durou 60 longos anos, e só quando se encontrou um candidato à altura de ser rei de Portugal, é a que a coisa se resolveu, com mais uma guerra pelo caminho.

1640 foi pois um momento de libertação de uma ocupação política, militar e económica.

Ora, que eu saiba, não é isso que se passa em 2013.

Que eu saiba, Portugal não foi invadido pela "troika", contra a sua vontade.

Pelo contrário, foi o país que pediu ajuda, candidatando-se a uma resgate internacional.

E quem é que nos ajudou? 

Bem, que eu saiba, foram países que, como Portugal, fazem parte de uma entidade política comum, a União Europeia.

Que eu saiba, ninguém nos obrigou, pelas armas, a pertencer à União Europeia e ao euro.

Foi uma coisa voluntária, e bastante consensual, por cá.

Não fomos invadidos, nem ocupados, cedemos a soberania porque quisemos, e porque achámos que isso era bom para nós.

Portanto, que eu saiba, a "troika" não representa potências ocupantes, pelo contrário, representa-nos a nós mesmos, e aos nossos aliados e amigos, que responderam ao nosso pedido de ajuda.

É claro que podemos dizer que esses nossos amigos não são muito generosos, e nos obrigam a fazer coisas que nós não gostamos.

Mas dizer que isso é uma "ocupação" semelhante à dos espanhóis, é capaz de ser um pouco exagerado, não é verdade?

Acrescente-se ainda que não tenho notado que este Governo seja contra a "troika".

Bem pelo contrário, desde o primeiro dia disse que queria ir além da "troika"!

O que nos deixa um pouco perplexos, pois se a troika é uma potência ocupante, e queremos libertar-nos dela, talvez seja um pouco complicado de perceber porque é o Governo cumpre rigoramente o que a "troika" manda, e até faz mais do que o mandam.

O estranho é que, se admitirmos o raciocínio de Portas, de que estamos ocupados, então a conclusão lógica é de que Passos e Portas não passam dos meros executores da política de ocupação, e portanto são umas "marionetas espanholas", como foram muitos durante os 60 anos da ocupação dos Felipes...

Mas, a coisa é ainda mais estranha, se pensarmos que, depois de 2014, da famosa "hora da libertação", do Dia da Independência do Dr. Portas, nós vamos continuar exactamente na mesma, a pertencer à União Europeia, no euro, e a ter de fazer tudo o que eles nos mandam!

Não se consegue perceber bem onde é que estará a independência nesse dia, mas se calhar o burro sou eu!

Portanto, o 1640 do Dr. Portas vai ser o dia em que vamos...continuar exactamente na mesma, a receber ordens de Bruxelas!

Os Filipes, caro Dr. Portas, foram-se embora, corridos daqui numa guerra.

Os europeus vão continuar por cá, e a mandar cada vez mais.

Não se iluda, Dr. Portas, o dia da Independência é uma fantasia da sua cabeça.

Os senhores da "troika" podem deixar de cá vir ter reuniões, mas o senhor continuará a andar às ordens da Sra Merkel...  

publicado por Domingos Amaral às 11:30 | link do post | comentar | ver comentários (11)
Terça-feira, 29.10.13

O muito original "milagre económico" de Pires de Lima

O senhor ministro da Economia, Pires de Lima, disse hoje que Portugal está a viver um verdadeiro "milagre económico".

É verdade, juro que é, vejam as declarações que ele fez e verão que não estou a mentir.

O que me preocupa é esta estranha dissonância entre a realidade do que vai acontecendo e o discurso de Pires de Lima.

Será que não é um pouco, vamos lá, excessivo, considerar que uns pontinhos décimais de crescimento do PIB são um "milagre económico"?

Será que o ministro não está a exagerar?

Antigamente, nos tempos em que a economia era uma ciência, e não uma questão de fé religiosa, só se podia considerar um "milagre económico" uma década de alto crescimento do PIB.

Um milagre económico era a Alemanha, nos anos 50 e 60, que cresceu brutalmente e se levantou da ruína em que Hitler a deixara.

Um milagre económico era o Japão, que teve vinte anos de fantástico crescimento industrial, e se transformou num dos países mais ricos e poderosos do mundo, recuperando do descalabro depois da guerra.

Um milagre económico era a Coreia do Sul, que depois da guerra da Coreia, em que se separou da parte Norte, se transformou numa sociedade poderosa e livre, que gerou altos crescimentos económicos.

Um milagre económico era, por exemplo, o equilíbrio de certos países nórdicos, que apesar de terem um Estado muito forte, com elevada despesa social, conseguiam apresentar forte crescimento e uma distribuição de riqueza e um nível de vida ímpares.

Sim, no tempo em que eu estudei, eram esses os exemplos de "milagres económicos".

Mas, pelos vistos, nos dias que correm qualquer 0,5% de crescimento num trimestre, já é considerado um "milagre económico".

Há um trimestre ou dois menos maus e logo um ministro grita: é milagre, é milagre!

É evidente que isto cria uma certa perplexidade nos portugueses

A mim, Pires de Lima lembrou-me um pouco aqueles profetistas meio tontos, de certa idade, que estão no Rossio com cartazes sobre a religião, Deus e o apocalipse que pode vir...

Mas, nós já nos habituámos a tudo!

Já nem nos faz impressão que um ministro diga que estamos a viver um "milagre económico" quando o orçamento corta brutalmente salários, corta pensões até às viúvas, sobe impostos por todo o lado, e coisas assim.

E ninguém estranha que para o ministro seja perfeitamente possível estar ao mesmo tempo a acontecer um "milagre económico" e o país ter de suportar uma carga fiscal altíssima, um desemprego enorme, uma recessão grave, e um orçamento carregado de toneladas de austeridade!

É, de facto, um "milagre económico" muito especial, muito original, muito português...

Não duvidem: o milagre de Pires de Lima vai certamente entrar para a história de económica do planeta, e em breve será ensinado nas universidades de Harvard e Oxford!

publicado por Domingos Amaral às 18:19 | link do post | comentar
Terça-feira, 01.10.13

Sócrates, Passos Coelho, Rui Rio e os dramas da paróquia

Há coisa de dois anos e meio, antes das eleições de 2011, surpreendi muita gente quando defendi que era um bocado indiferente que quem mandasse no país fosse Sócrates ou Passos Coelho.

Com o país sob resgate, obrigado a adoptar um duro programa de austeridade, qualquer que fosse o primeiro-ministro, iria acabar odiado por toda a gente.

Nessa altura, escrevi que Passos Coelho não sabia onde se estava a meter, e que em dois anos seria tão ou mais odiado do que Sócrates já era.

E, como todos sabemos, Sócrates era muito odiado em 2011, e grande parte dos portugueses, à direita ou à esquerda, já não o podia ver à frente.

Apenas dois anos e meio passados sobre as eleições, o que se passa com Passos Coelho?

Pois, infelizmente para ele, é odiado por meio mundo, ou três quartos do mundo, melhor dizendo.

É odiado pela extrema-esquerda, pelos comunistas, pelos socialistas, e por uma parte importante do eleitorado de centro direita.

É odiado pelos jovens, porque não gera emprego; pelos pensionistas, porque lhes corta as pensões; pelos funcionários públicos, porque lhe tira salários, subsídios e ainda lhes aumenta as horas de trabalho; e por muitos trabalhadores privados, que foram parar ao desemprego.

Até já uma parte do seu PSD, começa a rosnar mais alto contra ele, porque conduziu o partido para uma amarga derrota, e não há grandes perspectivas de vitórias num futuro próximo.

Portanto, dois anos e meio depois, os ódios a Passos são tão ou mais fortes que os ódios a Sócrates, e já há quem, no PSD e não só, veja em Rui Rio o "senhor que se segue". 

Mais uma vez, as pessoas cometem o mesmo erro, e julgam que mudando de primeiro-ministro, ou de líder do PSD, tudo será diferente e voltarão os dias gloriosos do passado.

Infelizmente, não é assim. O problema não está na paróquia, nem a paróquia tem qualquer capacidade para resolver o problema.

Desde que entrámos no euro, deixámos de ter nas nossas mãos muito poder económico, e passámos a estar integrados num "ecossistema" económico que é muito mais vasto do que nós, e onde não mandamos nada.

A capacidade que o Governo português tem para resolver os problemas económicos do país é muito pequena, e ainda por cima extremamente vulnerável ao que se passa no resto do "ecossistema".

A Alemanha, o BCE, a França, a Itália, a Espanha, ainda podem pensar que mandam um pouco, embora cada uma delas tenha cada vez menos força.

Mas, Portugal, e os outros países pequenos, quase nada podem fazer para mudar o seu destino.

A crise, ao contrário do que sempre nos tem sido dito, não é nacional mas sim europeia.

Como Vítor Gaspar teve a coragem de dizer, agora que já não é ministro, o euro tem falhas graves de construção, e se elas não forem remendadas de nada nos valem os sacrifícios.

Por isso, a capacidade de um governo português para determinar o nosso futuro é para aí 10 por cento.

Os restantes 90 por cento não dependem de Portugal, mas sim da Europa.

É claro que, mesmo nesses 10 por cento, há coisas que podiam ser melhores, tanto Sócrates como Passos cometeram erros graves, e podiam ter evitado tanto mal estar.

Mas, a verdade é que, decidindo a Europa este tipo de ajustamento brutal para os países, qualquer um que lá esteja iria ser odiado.

Rui Rio que se mantenha calmo, e deixe passar esta fase.

Pode ser que um dia a Europa tome juízo e alivie a pressão.

Nesse dia, talvez valha a pena ele pensar em liderar o PSD, mas antes disso não.

Seria apenas mais um cordeiro imolado pela Europa, como foi Sócrates, é Passos, e em breve será Seguro.

Tal como António Costa, Rui Rio tem de saber esperar.

Melhores dias virão... 

publicado por Domingos Amaral às 16:00 | link do post | comentar | ver comentários (2)
Terça-feira, 24.09.13

Troika, 1 - Portas, 0

Depois das declarações de ontem de Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, a guerra pela flexibilização do déficit está, para já, perdida.

Portas e Pires de Lima, bem como Cavaco, os parceiros sociais, muitos economistas e toda a oposição, queriam a subida do déficit para 4,5% ou mesmo mais.

Com isso, ganhavam margem, ou para descer o IRC e o IVA ligeiramente, ou para cortar menos nas pensões e nos salários.

A ideia, perfeitamente legítima e compreensível, era dar mais força à recuperação económica e tentar criar emprego, conseguindo subir o PIB, e assim fazer cair o rácio da dívida sobre o PIB.

Porém, pelo caminho agravava-se o déficit um pouco, o que podia dar uma ideia de fraqueza, e agravar a percepção negativa que os mercados têm de Portugal, fazendo subir as taxas de juro da dívida, e provavelmente arriscar um segundo resgate.

Foi assim que Draghi justificou a recusa do BCE em flexibilizar o déficit.

"Podia causar perturbação", ou "mesmo reacções brutais" nos mercados.

Ou seja, e também é importante que se perceba isso, Portugal não pode flexibilizar o déficit não apenas por razões domésticas, mas sobretudo por razões europeias.

Draghi, como muitos, sabe que a situação financeira na zona euro é instável, e qualquer faísca pode reacender o incêndio que ele conseguiu apagar a partir de Setembro do ano passado.

Com instabilidade na Grécia, em Chipre, em Itália, na Eslovénia, na Espanha, na Irlanda e em Portugal, o BCE não se pode dar ao luxo de mostrar "flexibilidade" com o nosso país.

Contudo, essa dureza, a continuação da austeridade, trará problemas adicionais, e a recuperação da economia do país será mais lenta.

Internamente, nesta primeira pequena batalha contra a "troika", Paulo Portas perdeu, pois as suas teses não vingaram.

Resta saber se isso nos conduz para uma melhor ou pior situação.

Mais austeridade é travagem no crescimento, menos emprego, e por isso também menos receitas fiscais.

Sendo o que os credores exigem, não é nada certo que seja a melhor solução para todos, devedores e credores.

Dois anos de austeridade não melhoraram a situação de Portugal, pelo contrário. Mais do mesmo, são mais problemas parecidos, não menos.

Não é assim que se consegue sair da armadilha da dívida em que muitos países europeus estão.

Mas esta é uma luta desigual. De um lado, Merkel, Draghi, os mercados. Do outro, pequenos países que têm pouca força para fazer vingar as suas ideias.

Não devia haver dúvidas sobre para que lado a balança pende... 

publicado por Domingos Amaral às 11:24 | link do post | comentar | ver comentários (2)
 

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