Quinta-feira, 13.12.12

Os alemães deviam lembrar-se melhor da sua História!

Sempre que vejo na televisão o ministro das Finanças alemão, o Sr. Schauble, penso que se calhar ele já não se lembra bem da História do seu próprio país, a Alemanha.

Quando fala na dívida pública dos países como Grécia, Portugal e Irlanda, ele nunca quer ouvir falar em "perdão de dívida", nem sequer em "renegociação" ou "reestruturação" da dívida. Para ele, esses países têm de pagar o que devem, e mais nada! Quanta falta de memória...

A História da Alemanha no século XX é uma lição sobre o que se deve e o que não se deve fazer quando a dívida pública atinge valores astronómicos, e o Sr. Schauble, e outros que tais, deviam meditar sobre os ensinamentos que se podem, e devem, retirar do passado.

Logo após o fim da I Guerra Mundial, o tristemente célebre Tratado de Versailles obrigava a Alemanha, que perdera a guerra, a pagar elevadíssimas "reparações". Com sede de vingança, vontade de castigar e muita cegueira, americanos, franceses e ingleses, obrigaram a Alemanha a enormes sacrifícios, fazendo a dívida pública do país crescer para valores astronómicos.

O resultado não foi bonito de se ver. Atrofiada num mar de dívidas, a Alemanha sofreu horrores. Dois surtos de hiperinflação brutais, nos anos 20, e duríssima austeridade, em especial entre 1930 e 1933, aplicada pelo chanceler Bruning, que viria a ficar conhecido como "o chanceler da fome". A recessão, o desemprego e a fome foram de tal ordem, que geraram um caos de onde emergiu uma calamidade maior ainda: Hitler. A austeridade fanática gerou um monstro.

Contudo, europeus e americanos não aprenderam à primeira. Depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, também foram impostas fortíssimas obrigações à Alemanha, uma enorme austeridade que fez crescer brutalmente a sua dívida pública, provocou uma recessão e impediu a recuperação económica.

Só oito anos depois do fim da guerra (!), em 1953, é que o mundo percebeu que esse caminho não funcionava, e decidiu finalmente perdoar a dívida pública alemã. 63 por cento da dívida da Alemanha foi perdoada, naquela que foi uma decisão histórica e que permitiu ao país sair do buraco em que se encontrava, ao mesmo tempo que aplicava o Plano Marshall.

Para quem pense que a história acabou aqui, não é assim. Nos anos 90, depois da reunificação das Alemanhas, o novo país ficou com uma enorme dívida pública, e foi com a ajuda dos europeus que a conseguiu reestruturar, absorvendo assim a Alemanha de Leste.

Há lições a retirar destes casos, em especial para a Alemanha, e a principal é esta: a partir de certo limite, não vale a pena forçar os países a enormes sacrifícios para pagar as suas dívidas, porque isso não resulta. O melhor é perdoar, e recomeçar do zero.

Se há país que sofreu na pele com a teimosia e a estupidez dos credores, esse país é a Alemanha, e por isso mesmo devia saber o que funcionou e o que não resultou. Quem tanto sofreu, não devia ser tão duro com os outros.   

 

publicado por Domingos Amaral às 11:20 | link do post | comentar
Quarta-feira, 05.12.12

Uma Alemanha fortíssima numa Europa fraquíssima

Angela Merkel é adorada na Alemanha, mas poucos gostam dela no resto da Europa. Não admira. Enquanto a Alemanha se encontra forte e em grande forma, à sua volta espalha-se uma crise gravíssima. Merkel foi ontem reeleita líder pela sua CDU, que a aplaudiu de pé durante oito minutos, mas fora das suas fronteiras a apreciação é diferente.

É o que acontece a quem se especializou em dizer "Não" a tudo. Desde 2009, ano em que foi reeleita para chanceler da Alemanha, Merkel esteve sempre contra as mudanças necessárias para a Europa sair da crise. Não, não e não, foi a sua resposta inicial a qualquer ideia que pudesse ajudar a Europa. Foi essa a política da Alemanha: dizer Não, mesmo que uns meses depois fosse quase sempre obrigada a aceitar mudanças.

É importante recordar o seu primeiro Não. Foi em 2009, quando disse que a Alemanha não garantia a dívida dos outros países. Esta declaração, talvez a mais grave de todas, gerou uma crise de confiança nos mercados da dívida soberana. Se a Alemanha, o país mais rico e mais poderoso do euro, não ajudava, então quem ajudava? As taxas de juro de países como Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Chipre, Itália, e mesmo França e Bélgica, desataram a subir. A crise rebentou.

No início de 2010, Merkel disse o seu segundo Não: não queria um resgate europeu à Grécia. A Grécia afundou cada vez mais, e em meados desse ano, a Europa inteira e o FMI lá acabaram por reconhecer que não havia outra solução, e a Grécia foi mesmo resgatada, embora em condições terríveis e com juros altíssimos, o preço imposto pela Alemanha para aceitar esta contrariedade.

Com a Irlanda e com Portugal, o mesmo filme: primeiro Não, depois lá teve de ser o Sim, com imensa relutância e ferozes cláusulas. E o mesmo se passou com os mecanismos europeus de financiamento aos países, o FEEF e o MEE. Primeiro, a Alemanha disse Não, mas lá acabou por dizer que sim, sempre contrariada.

Situação semelhante se aplicou ao Banco Central Europeu. Quando Mario Monti falou na possibilidade do BCE comprar dívida soberana nos mercados secundários, logo a Alemanha disse Não! Meses mais tarde, aceitaria o sim. Para a união bancária, a mesma reação. Primeiro um rotundo Não, depois um lento e complexo sim, sempre cheio de travões e condicionantes.

Ao longo de três penosos anos, a Alemanha nunca teve uma visão política para a Europa, que pudesse corrigir as deficiências da união monetária e ultrapassar a crise. Manteve-se obstinada nos seus Nãos, limitando-se depois a fazer o mínimo necessário para que o euro não implodisse. Com isso, perdeu-se tempo, e a crise assentou arraiais na Europa do Sul, ameaçando agora a chegar à França e à Alemanha.

Esta postura de Merkel teve naturalmente o aplauso dos alemães. Na verdade, ela colocou sempre o interesse da Alemanha à frente de tudo e de todos. E o seu interesse pessoal também, pois como todos os políticos ela quer ser reeleita em Setembro de 2013. O único problema é que, para ser amada na Alemanha, ela irá pagar um alto preço, pois a crise na Europa não tem fim à vista.

É pena que Merkel não seja, como Kohl ou Adenauer, seus heróis da CDU, uma chanceler alemã que olhe para a Europa não como um bando de países irresponsáveis que a Alemanha tem de meter na ordem, e de aturar a contragosto, mas como uma união essencial para o mundo e, sobretudo, para todos os europeus.

publicado por Domingos Amaral às 12:02 | link do post | comentar | ver comentários (1)
Segunda-feira, 05.11.12

Merkel e as economias "zombies"

Eis o famoso "Plano Merkel" para salvar a Europa: mais cinco anos de austeridade! Qual apoio aos investimentos, qual alívio, qual carapuça! Angela Merkel disse este sábado o que tem de ser feito: toma lá mais cinco anos de austeridade, que é a única maneira de melhorarmos todos! Eis a Bruxa Má da Europa (como já aqui lhe chamei) em todo o seu esplendor! O que ela quer é transformar-nos em "zombies"!

Julgo que partiu de Fernando Ulrich a sugestão de que ela apresentasse, na sua visita próxima a Lisboa, um "plano Merkel" para salvar a Europa. Mas, pelos vistos, a senhora não o ouviu, nem quer saber de ideias diferentes para resolver a grande crise que a Europa atravessa. Para a majestosa chanceler germânica, que interessa que a crise desgaste a Grécia, a Irlanda, Portugal, Espanha, Chipre ou Itália?

Que interessa que os juros tenham voltado a subir para estes países, que o desemprego não pare de crescer, que as economias afocinhem numa recessão cruel, sem qualquer sinal de esperança? Isso são pormenores insignificantes. O fundamental é que a Alemanha está pujante e confiante, e é certamente por isso que Merkel acabou de ser aumentada e bem! É verdade: enquanto em toda a Europa se diminuem os salários por imposição alemã, a Bruxa Má da Europa é aumentada e já ganha mais de 20 mil euros por mês!

E diz Ulrich que os gregos não têm de se queixar, pois estão vivos! Talvez "mortos-vivos" seja uma definição melhor. A austeridade que a Sra Merkel tem imposto à Grécia transformou os gregos numa espécie nova de seres humanos: os "zombies" económicos. A economia grega é hoje uma "economia zombie". As empresas gregas estão mortas-vivas, os bancos gregos são mortos-vivos, o Estado grego é um morto-vivo. Andam devagar e abanam-se lentamente, como os desgraçados da série "Walking Dead", da Fox. Ninguém sabe o que fazer à Grécia, ninguém sabe como a ressuscitar, e lá sofrem eles sem cura, "zombies" trágicos desta Europa que, em vez de os tentar salvar, os afunda ainda mais num lamaçal podre. 

Nós não estamos muito melhor. Portugal, ao contrário do que diz a propaganda do Governo, está no mau caminho. Os juros da dívida voltaram a subir, já estamos em 6º lugar no índice dos países mais próximos da bancarrota, as agências de rating falam na possibilidade cada vez mais forte de um segundo resgate, e até a imprensa económica internacional (o Financial Times ou o The Economist) já diz que Portugal não vai conseguir sair da armadilha da dívida e da deflação onde o Governo, a troika e a Sra Merkel o enfiaram.

Também nós, tal como a Irlanda, Chipre, a Espanha e a Itália, estamos em plena metamorfose económica,  cada vez mais "zombies". Não serão precisos cinco anos, bastam um ou dois de mais austeridade para passarmos a "mortos-vivos" económicos. Talvez seja essa a ideia da Sra Merkel, transformar os países do Sul e da periferia em economias "zombies", para então a Alemanha poder reinar à vontade, sem ninguém que enfrente a sua hegemonia. É um destino maravilhoso não é? Uma Alemanha forte, cercada por economias "zombies". 

publicado por Domingos Amaral às 11:00 | link do post | comentar
 

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