2ª Carta a Paulo Portas, a louvar a sua coragem
Caro Paulo Portas
Ao contrário de muitos, que te chamam garoto, eu quero aqui escrever publicamente que ontem tiveste uma atitude de grande coragem.
Há pouco mais de 9 meses, escrevi-te a minha primeira carta, a defender que te devias demitir depois da célebre TSU, que Passos e Gaspar queriam aprovar contra a tua vontade.
Na altura, não o fizeste, e deste mais uma oportunidade aos dois. Não estive de acordo mas compreendi. Para ti, ainda era cedo, embora para mim já fosse tarde demais.
E o que se passou nesses 9 meses, entre Setembro de 2012 e Julho de 2013? Muita coisa.
Em vez de Portugal melhorar, a situação económica afundou-se ainda mais. Tivemos o célebre "enorme aumento de impostos", e o que se vê é "um enorme aumento do deficit no primeiro trimestre". A dívida também aumentou e só os cegos acham que estamos melhor agora.
Além disso, a Europa caiu ainda mais na recessão, como muitos avisaram que ia acontecer. Os "austeritários" começaram a perder todos os argumentos, e de Paris a Berlim, passando por Bruxelas ou Roma, já ninguém acredita que a revolução "austeritária" é uma solução viável.
Em apenas 9 meses, a Europa mudou. Não muito, mas já mudou o suficiente para se perceber que esta receita austeritária fracassou rotundamente, e que há que encontrar outra saída para a crise.
Porém, por cá, continua a haver uma cabeça teimosa e cega, que nada ouve, nada aprende e nada muda.
Mesmo depois da confissão de derrota de Vítor Gaspar, a quem chamaram e bem o "arquitecto" da austeridade, Passos Coelho mantém-se obstinado e teimoso, como se nada tivesse acontecido.
Há muitos meses que o CDS vem chamando a atenção para a necessidade de mudança. Fê-lo mantendo até ao limite do possível a solidariedade com Passos.
Contudo, Passos é tão pouco inteligente, que não sabe ler qualquer sinal. Não percebe que a Europa já mudou, não percebe que já perdeu o país há muito, não percebe que a sua estratégia falhou colossalmente.
Como um cego e surdo, Passos caminha em direcção ao abismo sem ouvir ninguém.
Mas, há limites para tudo.
Há anos que Passos humilha o CDS e te subalterniza ostensivamente. Isso, já de si desagradável, seria suportável se a direcção escolhida fosse a certa. Mas não é. Portanto, nada te obriga a ir agarrado a ele para o abismo.
As pessoas que hoje te chamam garoto têm de perceber que o que se passa, e o que te separa de Passos é uma profunda divergência política. Não é uma birra, nem um amuo. É muito mais do que isso.
Passos continua a acreditar na receita "austeritária" com a limitação intelectual de um fanático, e por isso nomeou a senhora que se seguia. Ora, é precisamente isso que está em causa. Esta política falhou, continuar no mesmo rumo é um puro suicídio.
Talvez tenhas contudo de explicar isso melhor. Talvez não baste um comunicado.
Portugal inteiro precisa de perceber que tu não acreditas mais neste rumo, nesta austeridade que só trouxe miséria e desgraça a Portugal. Tens de explicar a todos que é isso que divide hoje o CDS e o PSD de Passos.
Tal como os patrões, os sindicatos, a oposição ou a Igreja, ninguém acredita neste rumo e só estão nele por puro medo.
Sim, medo. É o medo terrível de ser castigado, o medo do futuro, a chantagem da alta finança, que leva as pessoas a aceitarem este rumo.
Ora, o medo não pode ser o dia a dia de um país. Portugal não pode continuar a viver nesse terror paralisante que leva muitos a quererem aceitar tudo, não vá alguém chatear-se connosco.
É preciso vencer esse medo, superar essa aflição. Sim, vai ser difícil, mas não podemos continuar a viver nesta chantagem.
A receita da Europa falhou, a receita da "troika" falhou, a receita de Passos falhou.
É isso que tem de ser dito, é isso que tem de ser praticado, e nós temos de o saber explicar à Europa.
Portanto, acredita nas tuas convicções, acredita que estás certo, porque estás.
É evidente que provocar instabilidade tem custos, isso todos o sabemos. Porém, e ao contrário do que muitos para aí dizem, eu acho que neste momento a instabilidade é uma aliada de Portugal.
Quanto mais instabilidade existir agora, mais a Europa muda, e mais depressa muda.
Se, durante este Verão, como prevejo, Portugal, Grécia e talvez até a Irlanda, entrarem em turbilhão, a Europa da Sra Merkel vai ter de perceber que ou muda ou morre.
Há três anos não era assim, mas hoje as coisas mudaram. Merkel tem eleições em Setembro, tudo o que ela não quer é crises em Portugal ou na Grécia.
E é precisamente por isso que esta crise vem no momento certo. Agora, que a Europa já perdeu a fé na revolução "austeritária" e Merkel está em época eleitoral, é que é tempo de provocar uma mudança geral na Europa.
Portugal, com a tua decisão corajosa, será o motor dessa mudança. Através da instabilidade, aterrados com o pânico do colapso geral do euro, todos terão de mudar de política, para que a crise acabe.
Pela minha parte, cresceu mais uma vez a minha admiração por ti.
Não te deixaste vencer pela chantagem do medo, e agora é tempo de falares e dares uma nova esperança ao país. Fala, e explica a todos que não vais mais por esse caminho sinistro da "austeridade" das troikas, dos Passos e dos Gaspares.
Esse tempo acabou e ainda bem que foste tu a provocar uma morte mais do que anunciada.
E, caro Paulo, não tenhas medo que os juros subam. Quanto mais subirem, mais Portugal se torna essencial na Europa, e mais força tem para impor uma mudança geral de políticas.
Coragem é o que te peço, e esperança é o que em ti deposito.
"May the force be with you".