Europa: vem aí a repressão financeira! (E ainda bem!)

Ao contrário de quase toda a gente, eu não sou contra a medida europeia de obrigar os depositantes com mais de 100 mil euros a participarem no resgate ao seu banco.

Sim, admito que no contexto actual, é uma medida difícil, pois pode abalar ainda mais a confiança no sistema bancário europeu...

O que é que eu acabei de escrever? "Abalar a confiança no sistema bancário europeu"? Peço desculpa por ter escrito tal expressão, é esta mania de repetirmos o que ouvimos, também me assalta a mim.

Na verdade, não há qualquer razão para qualquer pessoa com dois dedos de testa ter confiança no sistema bancário europeu, e não há qualquer razão há muitos anos.

O sistema bancário europeu é um casino de abutres, gananciosos e especuladores, que viveram na mais absoluta e dissoluta libertinagem financeira durante mais de duas décadas, e é por isso que estamos onde estamos.

Nos últimos vinte anos, pelo menos, não deve ter havido banco nenhum na Europa que não fez os mais inenarráveis disparates, que não arriscou tudo o que podia e mais o que não podia, e que não tenha vivido na maior e mais vergonhosa irresponsabilidade.

Os bancos, os americanos mas também os europeus, foram os grandes culpados pela grave crise financeira de 2008, que está na origem da grave crise económica que ainda devasta a Europa.

Foram eles, com as suas "alavancagens diabólicas" e as suas mirabolantes teorias de risco, que geraram um monstro descontrolado, chamado dívida, pública e privada.

E claro, quando a merda finalmente bateu na ventoínha (desculpem o palavrão, mas a expressão ajusta-se bem a esta situação), os bancos caíram todos num buraco negro e levaram governos e economias a reboque. 

Porque devem ser os contribuintes, através da dívida pública, a pagar as dívidas e as loucuras dos bancos? Se um banco privado é mal gerido, porque é que devem ser os meus impostos a salvar o banco da falência?

Só em Portugal, por exemplo, a dívida pública cresceu mais de 14 mil milhões de euros só em empréstimos para "salvar os bancos", seja lá o que isso significa, quando no meio da barafunda se salva tanto o BPN (um caso de polícia), como o BPI (um banco com dificuldades pontuais), o BCP (um banco que foi ambicioso demais) a CGD (um banco político do Bloco Central), ou o Banif (um banco sem qualquer peso real no sistema). 

Portanto, tudo o que se faça para obrigar os accionistas e os credores dos bancos (sim, os depositantes são credores dos bancos) a meterem juízo na cabecinha dos administradores dos bancos, é bem feito.

E tudo o que se faça para evitar que seja o contribuinte a pagar a orgia dos bancos, também é bem feito.

Claro que isto "abala a confiança", mas sinceramente ainda bem. Aquilo que todos hoje devemos ser é "desconfiados" dos bancos. É a principal sequela da crise de 2008, uma saudável e vibrante desconfiança sobre os bancos é muito bem vinda.

É por isso que eu defendo estas medidas de "repressão financeira". Tal como existiu a "Tolerância Zero" nas estradas, devia também existir uma "Tolerância Zero" para os mercados financeiros, com limites de excesso de velocidade do crédito, e coisas assim.

Devia, por exemplo, ser proibido conceder crédito à habitação que fosse mais do que 50% do valor da casa a comprar, devia ser estabelecido um limite máximo para o endividamento das empresas, deviam ser proibidas a maioria das operações de "alavancagem" sem capitais próprios, etc, etc.

E devíamos mesmo ir mais longe. No estado em que a Europa está, deviam ser limitados os movimentos de capitais entre países.

Qual liberdade, qual carapuça! A liberdade total de movimentos de capitais deu no que deu, uma balbúrdia financeira sem rei nem roque. Se houvesse mais limites, talvez os "hedge funds", e os outros sinistros "funds" que por aí existem, tomassem juízo em vez de fazerem disparates.

Liberdade a mais levou-nos à anarquia geral financeira, portanto que venha a "repressão financeira". Eu por mim, assino por baixo.  

publicado por Domingos Amaral às 16:04 | link do post | comentar