Voltar aos mercados é mesmo bom?
O regresso de Portugal aos "mercados", com uma emissão de dívida pública a 10 anos, foi ontem festejado com grande alegria e fanfarra, não só pelo Governo, mas também por vários financeiros da nossa praça.
É um avanço "espectacular" disseram alguns, e prova que o país está no bom caminho, não só para se safar de vez da "troika", como para iniciar a recuperação financeira.
Mas, será que é mesmo assim? Há três perguntas a que devemos responder perante o que se passou ontem.
A primeira pergunta é: a dívida pública portuguesa ontem aumentou, ou diminuiu? Resposta: ontem Portugal endividou-se em mais 3 mil milhões de euros.
Ou seja, a nossa divída pública, que rondava os 220 e tal mil milhões de euros, a partir de ontem aproximou-se dos 230 mil milhões de euros. E nem vale a pena falar no deprimente rácio da dívida sobre o PIB, que ontem deu mais um pulito.
É claro que me vão dizer que a nova dívida é para pagar dívida antiga, e é verdade, mas não deixa de ser mais dívida. Para quem quer baixar o endividamento do país...
A segunda pergunta é: e a taxa de juro que vamos pagar a estes credores é boa? Segundo informação oficial, a taxa de juro será de 5,669%, o que não sendo muito alto, também não é baixo. Comparando com o que conseguiríamos com um segundo resgate da "troika", é pior.
Ou seja, Portugal ontem endividou-se perante credores internacionais, e não perante os seus aliados europeus, a uma taxa superior àquela que pagaria por um segundo resgate!
Bem sei que pedir um segundo resgate à Europa seria uma humilhação, mas é um bocado desagradável esta sensação de que, para recuperarmos a nossa honra financeira nos mercados, temos de pagar uma pipa de massa adicional em juros!
Por fim, a terceira pergunta: será que o risco de futuras subidas de taxas de juro aumentou ou diminuiu, com este regresso aos mercados? Não é preciso pensar muito tempo para perceber que o risco aumentou.
Ao abrigo de um resgate da "troika", temos pelo menos a garantia que as taxas de juro não vão disparar até à estratoesfera só porque os mercados entram em pânico catatónico à primeira má notícia! Mas, ao voltar aos "mercados", esse risco volta a existir.
É certo que é menor, a cortesia do Banco Central Europeu fez baixar o risco na zona euro. Mas, quem nos garante que, daqui a uns tempos, as taxas não desatam a subir outra vez, com medo da Eslovénia ou da Itália, ou de outro qualquer problema?
Portanto, e em resumo: ao regressar aos mercados, Portugal aumentou a sua dívida pública em 3 mil milhões de euros, vai pagar uma taxa mais alta, e aumentou o risco de futuros dissabores.
É evidente que este é o preço a pagar por um certo regresso à "normalidade financeira", mas não é fácil de ver em que é que a nossa capacidade para pagar as dívidas aumentou.
Portugal pode estar a recuperar a "confiança dos mercados", mas será que os mercados são de confiança para nos colocarmos de novo nas mãos deles?