Passos Coelho e as virtudes da ditadura de Salazar
Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro de Portugal, declarou há dias que o país nunca conseguiu "equilibrar as contas públicas desde que é uma democracia", o que subtilmente reconhece uma virtude à ditadura de Salazar, a de conseguir o equilíbrio das finanças, e estabele um pecado grave da democracia, os deficits.
É estranho que um primeiro-ministro democrata, do PSD, que lidera uma coligação de centro-direita, venha criticar desta forma um regime, a democracia, e dar a entender que em ditadura tais "pecados" não aconteciam.
Na verdade, a incómoda sensação com que ficamos, é a de que há uma espécie de adoração mística pela eficácia da ditadura a gerir as finanças públicas, a quem se atribui um vistuosismo e uma superioridade moral que é suspeita, e sobretudo, errada.
Ora vejamos: será que a ditadura de Salazar, o Estado Novo, que durou quase cinquenta anos, nunca apresentou deficits nas contas públicas, nem nunca contraiu dívida pública? Se há quem pense isso, está enganado.
Durante os tais quase 50 anos, houve vários períodos históricos em que o Estado Novo conviveu com deficits das finanças públicas. Durante a Segunda Guerra Mundial, durante alguns anos das Guerras Coloniais, ou em anos que foram feitas grandes apostas nas obras públicas (Duarte Pacheco), por várias vezes o Estado Novo teve deficits.
E também teve dívida pública, e elevada. Nomeadamente, muitas das dívidas em resultado da Guerra Colonial, acabaram por ser pagas...pela democracia. E outras só não foram pagas porque entretanto as ex-colónias passaram a ser países independentes (Angola, Moçambique, etc).
Além disso, também na balança de transacções correntes, houve muitos anos em que as importações excederam as exportações. O mito da ditadura com a balança comercial equilibrada é muitas vezes apenas isso, um mito. Até porque muitas "importações" não eram contabilizadas, pois vinham das ex-colónias, o que é sempre uma importante vantagem da ditadura...
Por fim, e para quem pense que Portugal era um fantástico país em ditadura só porque não tinha "deficits", convém relembrar que o país era bastante miserável em termos de PIB per capita, e só não era mais porque mais de um milhão de portugueses pura e simplesmente foi-se embora!
A emigração era a única opção viável para grande parte da população, o que significa que o "mercado interno" era atrofiado e incapaz de gerar emprego para uma grande parte dos portugueses.
Por outro lado, espanta-me sempre que, de uma maneira geral, em Portugal se defenda tão mal os méritos da democracia, que são muitos. Além das liberdades políticas, e outras (por exemplo, viajar era muito difícil em ditadura, lembram-se?), há sobretudo enormes méritos económicos do país desde o 25 de Abril.
Em todos os indicadores económicos e sociais, Portugal melhorou em quase 40 anos de democracia. Não só subiu, e muito, o PIB per capita, como houve extraordinárias melhorias na saúde, na educação, na mortalidade infantil, e em muitos outros indicadores.
Além disso, o país cresceu muito, o sector privado cresceu muito, o emprego cresceu muito, e Portugal foi um caso de sucesso económico democrático. A democracia, em menos de 40 anos, desenvolveu muito mais o país do que a ditadura, em quase 50 anos!
Será que Passos Coelho esquece o extraordinário desenvolvimento das exportações, dos serviços financeiros, do comércio, do turismo, e até da agricultura e da indústria? E como explicar que tenhamos vivido quase 40 anos sem crises bancárias graves, sendo 2009 o primeiro caso em muitas décadas?
Gabar subtilmente as virtudes da ditadura e das "contas equilibradas" é uma demagogia perigosa, e falsa. Na verdade, o que estamos a dar a entender é que isto não vai lá sem uma ditadura, e essa é uma nostalgia terrível.
Caro Passos Coelho, meta uma coisinha nessa cabeça dura: 40 anos de democracia deram resultados económicos muito melhores do que 50 anos de ditadura!
Salazar leva uma abada dos vários primeiro-ministros que existiram em democracia, essa é que é essa. E nem vale a pena falar na PIDE, e coisas assim, bastam os resultados económicos.