Em Portugal, os fiscais das Finanças "tomam no c..." ou "levam no c..."?
Caro Francisco José Viegas
Escrevo-te não só para me solidarizar com a tua saudável revolta, contra os fiscais das finanças que andam à caça de quem não pede faturas, mas sobretudo para te colocar uma intrigante questão linguística!
Na tua já famosa missiva, dizias que se um fiscal te aparecesse à frente o mandarias "tomar no c..." Ora, foi essa expressão que me causou perplexidade. Porquê o uso de um brasileirismo? No Brasil é que se usa a expressão "tomar no c...".
Já em Portugal, ela não existe. Os portugueses tomam remédios e xaropes, tomam banhos em casa e no mar, mas que eu saiba não "tomam no c..." Em Portugal, a expressão que se usa é "levar no c..." e não "tomar no c..."
É evidente que podes ter considerado que era demasiado abrutalhado usar a expressão portuguesa. Na verdade, quando se trata de expressões já de si vernáculas, os portugueses são bastante exagerados. Usam o "levar no c..." como se isso fosse equivalente a levar uma carga de porrada.
Há outros exemplos famosos em Portugal. Por exemplo, os portugueses usam muito as expressões "vai-te fod..." ou "vai para o car...lho" como se isso fossem coisas horríveis. Ora, é um pouco estranho, não é? Desde quando é que uma pessoa "ir fod..." é mau?
E mesmo no caso do "vai para o cara..." eu tenho bastantes dúvidas que seja mau. Quer dizer, eu por exemplo conheço imensas mulheres que "vão para o car..." com alegria, vivacidade e até uma certa gula feminina. "Ir para o cara..." não tem de ser mau, nem para quem vai, e muito menos para quem recebe...
Mas, voltemos ao "tomar no c..." Provavelmente, tu usaste a expressão brasileira porque assim, de certa forma, diminuias ligeiramente a agressividade do insulto. O brasileirismo foi uma espécie de vaselina verbal, para tornar a expressão mais suave e deslizante, e não tão agreste como a original dos lusitanos. É compreensível, embora soe um pouco estranho.
Contudo, aquilo que também me surpreendeu, foi a certeza, implícita no teu uso da expressão, de que o fiscal das Finanças que poderia aparecer à tua frente seria um macho heterossexual. Só assim se compreende o insulto.
"Tomar no c..." só é mau se o fiscal for macho, caso contrário pode não ser. Imagina por exemplo que o fiscal das Finanças era gay. Nesse caso, o potencial insultuoso e rebelde da tua expressão perde-se completamente.
Um fiscal heterossexual ficaria ofendido se o mandasses "tomar no c...", mas um fiscal gay poderia até desatar a bater as pestanas, todo animado com a ideia, e a tua fúria poderia até ser interpretada como um convite, o que não foi certamente a tua ideia original!
Mas, nem só esse caso levanta problemas. Imagina que o fiscal que te aparecia à frente era uma mulher. Bem, nesse caso é um bocado imprevisível a reação do fiscal. Como se sabe, a actividade de "tomar no c..." divide bastante as mulheres. Há as que não gostam nada, mas também há as que gostam, e nunca sabemos bem em qual dos grupos se coloca uma mulher antes de a conhecer mais intimamente. É pois um risco mandar uma mulher "tomar no c..."
Na tua carta aberta, foi basicamente isto que me causou perplexidade. Quanto ao resto, estou de acordo contigo, é um perfeito abuso e um enorme disparate os fiscais andarem a multar quem não pede faturas.
Um abraço amigo
Domingos Amaral