A queda de um herói é sempre triste
Durante muito tempo, acreditei fortemente na inocência de Lance Armstrong. O homem era, e para mim continua a ser, um herói. Tudo na história dele me comovia, especialmente a luta contra um cancro nos testículos, que ele vencera, ainda antes de se tornar um campeão da Volta à França.
Desde muito novo que gosto de ciclismo. Acompanhava o relato da rádio, ainda criança, das subidas à Torre, na Volta a Portugal, mas sobretudo das infindáveis montanhas dos Alpes e dos Pirinéus, aquando do Tour. O meu primeiro herói foi, é evidente, Joaquim Agostinho, mas também admirei Hinault e sobretudo Indurian.
Só que Lance Armstrong parecia um ser de outro planeta, um deus do Olimpo, como só encontrei igual em Maradona, no futebol, e Jordan, no basquetebol. Parecia de outro mundo, completo como só os deuses, estético, poderoso, impressionante. E, pormenor fundamental, parecia-me simpático e cavalheiro, como nunca foi, por exemplo, Schumacher, na Fórmula 1.
O ciclismo é provavelmente o mais duro desporto do mundo. Subir montanhas àquele ritmo é coisa de seres únicos, diferentes do comum dos mortais. Nutro pelos grandes ciclistas uma admiração semelhante à que tenho pelos que atravessam a Mancha a nado, ou pelos exploradores dos Pólos. Parece-me sempre um esforço desumano, uma luta desigual contra as circunstâncias.
Nos últimos anos, o ciclismo tem vindo a destruir-se a si próprio. Já não recordo quantos vencedores de Voltas à França, Giros de Itália ou Voltas à Espanha ou a Portugal, foram desclassificados por "doping". Nem quero saber, o ciclismo parece-me já um mundo demasiado pantanoso para ter a certeza de alguma coisa.
Mas, de uma coisa estou certo. Lance Armstrong pode estar marcado hoje pela desonra e pela vergonha, mas um dia foi um deus, foi grande e por mais que lhe retirem os títulos e as vitórias, ele perdurará na minha memória como eu quero e não como querem os moralistas de hoje.
Para mim, será sempre um herói, e sempre um vencedor. E aos meus heróis eu tendo a desculpar quase tudo. Só não lhes desculpo quando morrem cedo demais, o que não foi o caso.