Cortar na despesa do Estado? Nunca ninguém conseguiu!

Passos Coelho disse recentemente que Portugal tinha de cortar 4 mil milhões de euros na despesa do Estado, um plano que deveria ser apresentado à troika lá para Fevereiro, para começar a ser posto em prática no Verão. Onde irá ele encontrar esses 4 mil milhões de euros é um bom exercício para fazer, mas duvido que o consiga.

Há mais de 25 anos que ouvimos, por todo o mundo, esse grande e imperioso objectivo de cortar na despesa do Estado. Reagan e Thatcher já queriam cortar na despesa, Clinton queria cortar na despesa (embora menos), tal como Tony Blair. Durão Barroso, quando foi primeiro-ministro, também quis cortar na despea, tal como Sócrates, no início, em 2005 e 2006. E George W. Bush também quis, tal como Merkel, e como Cameron, e dezenas de primeiros-ministros japoneses.

Contudo, a realidade é esta: ninguém conseguiu. É verdade, nem conservadores, nem liberais, nem socialistas ou sociais-democratas, nem americanos nem japoneses, nem alemães nem italianos, nem ingleses ou gregos. Não há praticamente nenhum exemplo no mundo ocidental de Estados cujas despesas tenham reduzido muito. 

Existiram, é certo, alguns casos de pequenos Estados onde existiram reduções pontuais da despesa do Estado, e alguns momentos em que, em grandes países, a despesa do Estado em proporção do PIB desceu um pouco. Contudo, os primeiros casos são pouco singificativos. A Estónia ou a Lituânia contam pouco e servem pouco como exemplo. E no segundo caso, a descida da percentagem de despesa do Estado deveu-se não à descida da despesa do Estado em valor absoluto, mas sim ao crescimento da economia privada, que aumentou o seu peso no PIB (foi o caso da América na época de Clinton).

Digam-me qual o país que conseguiu cortar as despesas do seu Estado? A Alemanha? Não! A França? Não! A Inglaterra da Sra Thatcher? Não, a despesa aumentou com Thatcher, o mesmo se passando com Reagan e George W. Bush na América!

A conclusão que se deve retirar é que é quase impossível cortar a despesa dos Estados, porque as intenções dos políticos, por melhores que sejam, esbarram em resistências sociais, políticas, jurídicas ou mesmo económicas. Os países, os povos que os suportam, não querem que se cortem as despesas, e a  maioria dos políticos nem sequer tenta, pois sabe que o descontentamento vai ser de tal ordem que mais vale não o enfrentar. Veja-se Obama, por exemplo, que ignorou olimpicamente qualquer necessidade de cortes na despesa, pelo menos para já.

Passos Coelho bem pode tentar, e vai tentar, mas é provável que as suas intenções esbarrem num muro. Além disso, de que vale ao Estado português cortar despesas, procurar 4 mil milhões de cortes, quando esse dinheiro é todo torrado a salvar ou ajudar os bancos? 

Quase sem darmos por isso, o Estado português já resgatou o BPN (3,5 mil milhões de euros); o BPI, a Caixa e o BCP (num somatório de 6,6 mil milhões de euros) e esta semana resgatou o Banif (1,1 mil milhões de euros). Somados, estes resgates chegam a 11,2 mil milhões de euros! Sim, leram bem, 11,2 mil milhões de euros! Portanto, agora que o Estado já torrou todo este dinheiro nos bancos, onde será possível encontrar 4 mil milhões?  

É por estas e por outras que nunca ninguém conseguiu cortar na despesa do Estado. Há sempre alguma coisa importante, alguém a quem tem de se deitar a mão. Os Estados, e os políticos que os governam, estão sempre um bocado reféns dos grupos sociais, sejam eles sindicatos, construtores civis, militares, professores ou banqueiros. Há sempre grupos, públicos ou privados, com força para obrigar os Estados a não cortarem nas suas despesas. Assim, por mais que Passos corte de um lado, há sempre mais um banco que ele terá de para ajudar, e a despesa vai sempre crescer no fim!

 

 

publicado por Domingos Amaral às 14:51 | link do post | comentar