Quem percebe Mário Soares?
Por mais que tente, não consigo perceber Mário Soares e a sua costela de agitador. Uma vez por semana, lá aparece o antigo presidente da República a proclamar que o Governo se deve "demitir". Quem o ouve tem a sensação que, se ele pudesse, saía à rua para mandar uns gritos contra o poder. Soares é o radical de salão do momento, que não lança pedradas mas frases bombásticas.
Ontem, proclamou que "não percebe porque é que o Governo não se demite". Com o devido respeito que se deve a um fundador da nossa democracia, o que eu não percebo é porque é que ele não percebe.
As razões para o Governo não se demitir são fáceis de entender. Por mais que estejamos contra a política deste Governo (e eu estou, em especial contra a fórmula da austeridade escolhida por Vítor Gaspar), convém não esquecer que ele foi eleito democraticamente, há pouco mais de um ano e meio, e tem toda a legitimidade política para governar, mesmo que o faça mal.
Em democracia, e Soares sabe isso melhor que ninguém, a legitimidade política pode-se esgotar por muitas razões, mas manifestações, greves gerais e sondagens que dão o PS à frente do PSD, não estão entre as razões desse esgotamento. Só se, por algum motivo, as instituições deixarem de funcionar, é que há uma crise de legitimidade, mas isso não aconteceu ainda.
Além disso, a mim espanta-me que Soares venha agora espernear contra o "memorando da troika", quando sempre se orgulhou de ter sido ele que, numa conversa telefónica, obrigou José Sócrates a pedir o resgate de Portugal. Assim sendo, Soares é um dos responsáveis pela "troika" ter aterrado na Portela em 2011, e portanto devia lembrar-se disso, em vez de andar por aí a barafustar.
Mas pronto, Soares sempre foi assim. Quando esteve no poder, meteu o socialismo na gaveta e foi um "socialista amoroso" que não assustou ninguém. Quando está fora do poder, transforma-se num radical de esquerda. É giro, mas difícil de perceber.