A nossa dívida vai mesmo ser paga?

Será que os países que têm grandes dívidas externas as conseguem pagar? Para responder a esta questão, nada melhor do que ler o livro "This Time is Different, Eight Centuries of Financial Folly". Escrito pelos economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, é um magnífico trabalho sobre crises de dívida, crises de inflação, crises cambiais e crises bancárias, em mais de 200 países, durante os últimos 800 anos, e só é pena não estar ainda publicado em português.

A sua leitura, que terminei este fim de semana, é também um verdadeiro duche de água gelada para quem tenha ilusões sobre as crises financeiras, em qualquer país do mundo, seja ele europeu, americano do norte ou do sul, asiático ou africano. Se há coisa em comum entre os países, sejam pobres ou ricos, é que em oito séculos, todos foram atingidos por muitas crises financeiras, e quase todas elas acabaram da mesma maneira.

Quais são os principais ensinamentos desta investigação? Reinhart e Rogoff demonstram que as graves crises financeiras provocam profundas quedas no PIB (em média mais de 9 por cento, ao longo de vários anos); aumentos acentuados do desemprego (em média, mais de 7 por cento); quedas no preços do imobiliário (cerca de 35 por cento, em média); e fortes quedas nas bolsas (de 56 por cento no preço das ações, em média).

Mais grave ainda, o valor das dívidas dos governos tende a explodir durante estas crises, aumentando cerca de 86 por cento face à dívida anterior à crise, devido aos custos de resgates aos bancos e à recapitalização do sistema bancário, mas também devido ao inevitável colapso das receitas fiscais dos Estados, que fazem os deficits orçamentais aumentarem consideravelmente, entre 3 a 15 pontos percentuais. 

Evidentemente, o risco soberano dos países cresce muito, bem como a aversão do capital estrangeiro a esses países durante as crises, cujo tempo de duração pode chegar por vezes aos 10 anos, como foi o caso na Grande Depressão, que começou em 1929 e só terminou com a 2ª Guerra Mundial.

E, para que não alimentemos ilusões, Reinhart e Rogoff mostram que são raríssimos os casos dos países que conseguiram pagar a sua dívida externa através de políticas de austeridade, ou de crescimento pela via das exportações, pois normalmente estas crises financeiras são globais e nenhum país consegue exportar muito quando todos os outros estão também em crise, como acontece no presente.

Qual é então a solução? Reinhart e Rogoff defendem que a solução mais eficaz é a reestruturação da dívida, ou renegociação, com um default parcial, pois é a única maneira de libertar as economias de um fardo tão pesado. Nos casos em que isso se verificou, o tempo de recuperação das crises foi muito menor. Ao fim de 2 ou 3 anos, os países saíram da crise, em vez de permanecerem 8 ou 10 anos num marasmo agonizante.

No caso europeu, a necessidade de reestruturação é já evidente em Portugal, mas também na Irlanda, em Espanha e em Itália, para não falar na Grécia. Foi isso aliás que Reinhart disse por video-conferência na passada sexta-feira, a uma plateia de importantes banqueiros portugueses, entre os quais o Governador do Banco de Portugal. "Não tenho boas notícias para vós", foi a sua frase inicial. 

Infelizmente, Merkel, Passos Coelho e Gaspar continuam obstinadamente a acreditar em milagres, e a crise europeia prolonga-se sem fim à vista. Convinha que alguém lhes dissesse que, em 800 anos de história, não se conhecem milagres económicos destes, e que se paga um preço altíssismo e inútil por teimosias deste calibre.   

publicado por Domingos Amaral às 11:45 | link do post | comentar